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Torta de banana e suspiro, uma receita que passou de avó para neto

Torta de banana com suspiro

Na primeira metade do século 20, doce se fazia com assucar, com dois esses, como no livro Assucar, lançado por Gilberto Freyre em 1939. Vêm o tempo e os acordos ortográficos e enrolam a língua da gente. Depois da reforma que mexeu com o português em 1943, o livro de Freyre virou Açúcar, empresas como a União mudaram seus rótulos, a Companhia Caminho Aéreo Pão de Assucar (o famoso bondinho) atualizou o nome. No caderno de receitas de Maria Aparecida Ferraz Fladt, no entanto, assucar continuou assucar por mais duas décadas. E acompanha banana, ovo, manteiga, farinha de trigo, geleia e fermento no preparo da torta que ela anotou e datou: 5-3-60.

Livro Assucar, de Gilberto Freyre

A grafia assucar se perdeu (mesmo no caderno de Cidinha, ela foi substituída por açúcar em algumas receitas). A dona do caderno morreu oito anos atrás. Mas a torta de banana com suspiros, essa continua continua viva nas memórias de infância e na cozinha do neto João Fladt Queiroz, empreendedor da área de alimentação que lançou recentemente o projeto “Rango de Raiz”, para investigar comidas regionais. “A gente fazia um jantar dos netos — eu, minha irmã e meus dois primos — toda quinta na casa da minha avó, e sempre tinha essa sobremesa”, lembra João. Recentemente, ele fez uma versão da torta da avó materna usando banana-da-terra. “Claro que não fica igual, mas é uma ponte de lembrança muito forte.”

João me emprestou o caderno da avó, e agora a torta de banana com suspiro faz parte também da minha memória  — embora eu não tenha base para comparar com a torta original e, diante das instruções sucintas de Cidinha, tenha improvisado um tanto.

A seguir, a página do caderno de Cidinha e a minha versão da receita (em que dividi as quantidades dos ingredientes pela metade, fora as do suspiro).

Obrigada novamente por compartilhar o caderno, João.

E espero que você, lendo esse post, aproveite a receita tanto quanto eu.

Receita de torta de banana com suspiro em caderno de Cidinha Ferraz Fladt (Foto: O Caderno de Receitas)

Teste número 85: torta de banana com suspiro
Fonte – Caderno de receitas de Cidinha, avó de João Fladt Queiroz.
Grau de dificuldade – Fácil.
Resultado – Uma ótima representante da infinidade de doces gostosos com banana que existem.

Ingredientes
5 colheres (sopa) de açúcar
1 ovo
75 gramas de manteiga
1 e ½  xícara de farinha de trigo
½ colher (chá) de fermento químico
4 bananas maduras
Geleia de morango (ou outro sabor de sua preferência)
Para o suspiro:
2 claras
4 colheres (sopa) de açúcar

Modo de preparo
Para a massa, bata o açúcar com o ovo. Junte a manteiga e bata mais. Junte a farinha e e o fermento e bata mais.

Unte uma forma baixa. Forre a forma com a massa e leve ao forno.

Coloque também no forno, em uma tigela à parte, as bananas cortadas em rodelas.

Tire a massa quando começar a dourar. Deixe a banana até caramelizar um pouco.

Para o suspiro, bata as claras com o açúcar até firmar.

Monte a torta: coloque as bananas sobre a massa, depois um pouco de geleia e então o suspiro.

Leve ao forno para dourar o suspiro – se tiver, use a função grill; ou use um maçarico culinário.

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O mito da avó saudável

Nostalgia e açúcar: chá da tarde com bolo

Depois que me engajei na missão de cozinhar todos os pratos dos cadernos de receitas da minha mãe e da minha avó, passei a comer muito mais açúcar. Bolos, biscoitos e tortas nunca foram frequentes aqui em casa. Agora são. Se abro a despensa, dou de cara com leite condensado esperando para virar guloseima (eu não comprava tanto leite condensado desde a adolescência, quando, em tardes de fúria, era capaz de comer uma lata inteira, gelada, de colher).

Resolvi refazer a comida da minha família porque queria esmiuçar memórias. Mas logo fiquei abismada com a quantidade de açúcar, farinha branca e gordura das preparações e passei a questionar (mais) a ideia de que antigamente é que se comia direito. Envolta nessas experiências, entrevistei o escritor americano Michael Pollan, uma espécie de cruzado contra os alimentos industrializados e autor da máxima: “Não coma nada que sua avó não reconheceria como comida”. Quando perguntei se não exagerávamos no saudosismo em relação à cozinha de nossos antepassados, Pollan respondeu que às vezes sim, mas argumentou que hoje compramos doces prontos a qualquer hora, enquanto nossas avós os preparavam em ocasiões especiais.

Talvez a avó dele fosse assim. Na casa da minha avó materna, toda tarde tinha chá com bolo, rosca, biscoito, geleia. Sem faniquitos por causa de um ingrediente pouco saudável aqui ou ali, da cozinha dela saíam também assados com caldo de carne em tabletes, provavelmente transbordando de sódio. Margarina era uma opção, assim como leite condensado, apontado pelo crítico Dias Lopes, do Estadão, como “um produto que está descaracterizando a doçaria tradicional brasileira”. Ah, mas como era linda a gelatina fantasia, repleta de cubos coloridos!

As receitas da minha avó (e de muitas outras) talvez não passassem pelo crivo de um expert em gastronomia ou de um nutricionista. Para cozinhá-las hoje, pego leve no açúcar e substituo ingredientes. Mas eram gostosas, carregadas de história, e reuniam a família à mesa para criar novas histórias. Se a vida é mesmo curta, melhor caprichar no recheio. Minha avó caprichava.

* Publiquei este texto originalmente na revista L’Officiel. Lembrei dele enquanto me ocupava de mais um teste de pudim (receita em breve aqui no blog). Você sabe, a gente tem que provar todos os experimentos, né?