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Telma Shiraishi: dos almoços de macarrão e sushi da infância ao Aizomê da Japan House

A chef Telma Shiraishi no Aizomê da Japan House (foto: O Caderno de Receitas)

Na minha coluna na Casa e Jardim deste mês, publico uma receita de conserva de maxixe de Telma Shiraishi, do Aizomê. Aqui no blog, além da receita, compartilho trechos da entrevista com a chef. Na conversa, ela me contou sobre seu mergulho nas raízes nipo-brasileiras para desenvolver uma cozinha japonesa autêntica e autoral, com ingredientes locais — que foram parar inclusive nas marmitas da princesa Mako do Japão em visita ao Brasil.

Neta de imigrantes, Telma chegou à gastronomia depois de tentar a medicina, a moda e publicidade. Acabou se tornando uma embaixadora da culinária do Japão. No sentido figurado e no literal. Desde 2018 é responsável por banquetes e recepções do consulado japonês em São Paulo. Em março deste ano, recebeu do governo japonês o título de Embaixadora da Boa Vontade da Difusão da Culinária Japonesa. E agora em abril inaugurou a segunda unidade do Aizomê, dentro da Japan House, centro cultural na avenida Paulista — lá sua missão é mostrar para mais gente que vale a pena conhecer a comida japonesa além do sushi de salmão.

Comida da infância

“Meus avós são imigrantes japoneses, meus pais já nasceram aqui. No final de semana se faziam mesas enormes, de 20, 30 pessoas, na casa de um avô ou de outro. Sempre tinha muita mistura: podia ter sashimis e churrasco, podia ter macarronada com sushi.  E sempre nesse tom de celebração, de encontro, de estar todo mundo junto, de partilhar.

Lembro da minha avó paterna supercontente e emocionada porque tinha conseguido ingredientes para fazer sushi. Naquela  época era muito difícil conseguir um bom arroz, uma alga nori. Alguém tinha trazido do Japão para ela, que serviu uma reunião de família.

Meu pai era gerente do Banespa no Largo da Batata. A gente morava na região e ia ao mercado de Pinheiros comprar peixe e outras coisas. Só que, depois que ele sofreu um assalto, decidiu se mudar para o interior. Dos 10 aos 17, morei em Paraibuna e era muito moleca. Quando não estava com um livro, eu estava no mato, vendo bicho, vendo planta. Também pescava muito com meu pai. A gente chegava com peixes e minha mãe morria de nojo, acabava que eu os limpava.

No interior era mais difícil ainda conseguir alguns ingredientes. Mas a gente tinha uma dieta muito variada. Minha mãe trocava receita com as vizinhas, uma era italiana, outra era libanesa…

Os vizinhos ou tinham fazenda ou tinham uma horta no quintal.  Lembro da minha mãe: ‘Hoje eu quero refogar uma couve, vai na vizinha’. Então eu ia correndo, tocava a campainha, a gente descia no quintal e catava a folha de couve no pé.  

Do lado de casa tinha uma árvore de sabugueiro que, quando dava flor, ficava cheia de borboletas. Tanto que tem uma soda de sabugueiro aqui (na Japan House). É um pouco disso que eu resgato.”

 

Mudanças de rumo

“Como eu tinha facilidade para estudar, [a família aconselhou]: ‘ah, vai ser médica’. E, como eu não tinha uma vocação muito nítida, falei: ‘vou tentar’. Não sei se por sorte ou por azar, passei direto na USP. Mas no terceiro ano, quando você começa em hospital e vê o ser humano em situações muito tristes e feias, percebe que o buraco é mais embaixo. Para mim, foi pesado. Na época a USP estava com um programa de formação de cientistas e tinha criado um curso Experimental de Ciências Moleculares. Fiquei um ano nesse programa, mas comecei a perceber que a minha vocação talvez fosse mais artística. Fiz um semestre de publicidade, aí fui estudar moda. Sempre fui meio excêntrica, pintava o cabelo de azul, roxo, laranja, vermelho, gostava de me vestir diferente. Acabei trabalhando dois anos com o Fause Haten, como assistente de estilo. Depois tive a minha primeira filha e fiquei um tempo em casa. Aos poucos comecei a trabalhar como freelancer em eventos. E cada vez mais as pessoas foram me pedindo para fazer a parte gastronômica. Até que uma prima do meu marido me ofereceu para comprar a parte dela num restaurante japonês moderninho que ela tinha aberto na Vila Olímpia com chef Shin [Koike]. Eu e o Shin deixamos esse restaurante lá e abrimos outro, um japonês para japoneses. Foi quando nasceu o Aizomê.

Desde o início, 12 anos atrás, estava claro que queríamos trabalhar fora dos padrões do que era corrente em restaurante japonês. O que estava na moda eram nos modelos americanos, com sushi de salmão, cream cheese, roll califórnia. E havia uma culinária japonesa mais ou menos tradicional restrita à comunidade, na Liberdade ou em Pinheiros. No Aizomê, todo o cardápio, a base de sabores, tudo foi pensado para os japoneses e principalmente para os japoneses da região da Paulista, onde estão as grandes sedes das empresas japonesas.”


Uma nipo-brasileira na cozinha

“No começo eu fazia tanto a parte administrativa quanto a cozinha do Aizomê. Depois de cinco anos o Shin quis fazer outros projetos e de repente eu estava sozinha. Uma mulher que nem é japonesa num restaurante voltado para japoneses.
Tive que ir mais fundo ainda. Depois de cinco anos eu já tinha entendido um pouco dos sabores. No Ocidente a gente fala em doce, salgado, ácido e amargo, para os japoneses o mais importante é o quinto gosto, o umami. Todas as preparações, o dashi, que é o caldo básico, e todas as técnicas são para realçar esse umami. O maior desafio foi entender isso e entender como você extrai isso dos alimentos e das combinações. Fiz isso viajando, indo aos mercados. E pesquisando muito, estudando muito.

Os primeiros dois, três anos que eu fiquei sozinha foram para mostrar para a clientela que a qualidade e os sabores estavam todos lá ainda, para ter a chancela de que a gente continuava a ser um restaurante sério. Não foi fácil. A maioria estranhou: uma mulher…

Tive ser dura com a equipe que tinha se formado ali. Falar: ‘a gente vai continuar e agora sou eu que estou aqui’. Os profissionais da velha guarda são machistas, o machismo não vem só dos clientes.

Meu trabalho foi no sentido de ser uma chef brasileira, nipo-brasileira, buscando trazer algo autêntico nos sabores, nas preparações e nas técnicas. Isso foi uma etapa. Depois eu me senti à vontade para brincar mais e colocar meus elementos, a minha história, as referências nipo-brasileiras.”

 

Japonês autêntico e local

“Talvez um dos pilares da culinária japonesa seja trabalhar frescor, sazonalidade e produtos locais. É por isso que a minha conserva tem maxixe e chuchu. É o que a gente tem aqui. Até porque, se você vai ao Japão, os sabores, as preparações, os pratos mudam de região para região, de ilha para ilha, de cidade para cidade. Cada local busca sua própria expressão de sabores. Tem que fazer sentido no entorno.

Desde o início nunca colocamos salmão no sushi bar. Sempre procurei trabalhar com os peixes da nossa costa.

Algumas coisas eu não consigo substituir. Shoyu, a maioria que uso ainda é importado. Kombu, a gente não tem aqui, é uma alga de águas frias, o melhor realmente vem do norte do Japão. Katsuobushi (conserva seca de bonito) também, e um ou outro temperinho. Mas talvez em dois terços do que eu utilizo tento privilegiar produção local. O arroz, de variedade japonesa, vem do sul do Brasil ou do Uruguai. O missô (pasta de soja fermentada), eu alterno alguns produtores artesanais do interior de São Paulo. No meu caldo, uso como base uma sardinha que é curada aqui em Cananeia, à moda japonesa. E uso muita verdura, legume, fruta… Uma das grandes contribuições da geração dos meus avós, quando veio ao Brasil, foi na agricultura, com todo o cinturão verde e essa variedade que a gente vê hoje em dia.

 

Pesar pelo desperdício

“O Japão já teve escassez séria de alimentos. Por conta disso houve as políticas de imigração e meus avós chegaram ao Brasil. Eles têm muito forte que tudo tem que ser você aproveitado. E tudo tem que ser agradecido como uma dádiva da natureza — ou de quem plantou, de quem colheu, de quem pescou, de quem produziu aquilo. Quando você está comendo e quando você prepara uma refeição, tudo isso está atrelado. Tanto que os japoneses começam e finalizam a refeição com uma expressão de agradecimento.

Mottainai é o pesar pelo desperdício. A gente é martelado desde pequeno: ‘Mottainai! Mottainai!’ Era a bronca da minha mãe quando a gente deixava comida no prato, quando jogava fora ou não aproveitava devidamente alguma coisa, como uma roupa. Na verdade isso não é só das coisas físicas. A gente também desperdiça energia, tempo.”

 

Hospitalidade

“Omotenashi é a hospitalidade japonesa. Existe o mínimo de de serviço eficiente e atencioso que você tem que ter. Mas o conceito japonês vai além: é fazer algo com o coração, fazer porque você se importa, por se colocar no lugar do outro e querer proporcionar uma experiência única. Isso você percebe em cerimônia do chá. Em cada xícara de chá que é servida, aquele encontro é único. Por mais que você tenha outra xícara, outro encontro com as mesmas pessoas, o momento, a energia, tudo muda. Cada interação é única.” 

 

Música e moda

“Eu toco piano desde os 5 anos de idade. Quando crio um prato ou cardápio ou uma refeição, penso muito em termos de uma orquestra ou de um concerto. De uma estrutura musical. Você tem a melodia, tem o fundo, tem os crescendos, tem um ritmo.

No visual, talvez eu pegue muita referência de moda: o volume,  textura, o caimento, a proporção.”

 

Marmita da princesa

“Quando a princesa Mako veio do Japão, estava com uma agenda apertada. Aí me pediram uma encomenda especial de obentôs (marmitas) para os dias em que ela estaria em trânsito e não teria tempo de parar em nenhum lugar.

Ela queria coisas leves e simples, e eu tentei colocar alguns sabores brasileiros, como o maxixe. Porque faz sentido para mim. Na minha cozinha, tem muita gente que veio do Nordeste, e eles me trouxeram o maxixe. Eu não conhecia e adorei. Fiquei pensando como conseguiria incorporar aquilo e veio essa receita do tsukemono (conserva). Minhas clientes japonesas foram as primeiras a ficar enlouquecidas. No Japão a cultura das conservas é muito forte, os mercados têm bancas especializadas nisso, com centenas de tipos.”

Tsukemono (conserva) de maxixe e cachaça do Aizomê

RECEITA

Tsukemono de maxixe e cachaça

Ingredientes

  • 10 maxixes bem verdinhos e novinhos
  • 1 colher de sobremesa de sal
  • 1 xícara de pinga
  • ½ xícara de vinagre de arroz
  • ½ xícara de shoyu (se tiver do shoyu claro melhor)
  • 1 pedaço com cerca de 3 cm de alga kombu (opcional)
  • 5 g de katsuobushi (peixe bonito seco) (opcional)

Modo de preparo

  1. Cortar os maxixes em quatro, salpicar com o sal e deixar descansar por pelo menos uma hora.
  2. Enquanto isso levar a aguardente ao fogo forte em uma panela. Cuidado, pois as chamas podem subir bastante ao flambar o álcool.
  3. Reduzir à metade, retirar do fogo e acrescentar o vinagre e o shoyu.
  4. Lavar os maxixes para retirar o excesso de sal e secar em papel toalha.
  5. Em um recipiente colocar o pedaço de alga kombu, os maxixes e acrescentar o líquido da panela. Adicionar o katsuobushi.
  6. Deixar marinando em geladeira por pelo menos 2 dias, virando os maxixes na mistura se necessário.
  7. Para servir basta retirar os maxixes do líquido e cortar em pedaços menores. O líquido da conserva pode ser reutilizado e dura de 10 a 15 dias.

Observação: A receita pode ser feita também com chuchu novinho. Se gostar, pode acrescentar algumas rodelinhas de pimenta dedo-de-moça.

Tiramisù à veneziana, com biscoito amaretto e vermute

tiramisu ao estilo veneziano com amaretti e vermute tinto - foto Johnny Mazzilli

(Foto Johnny Mazzilli / divulgação)

Foi com a avó que a chef Mara Zanetti Martin, do restaurante Da Fiore, de Veneza, aprendeu a cozinhar. E foi uma sobremesa da avó que ela trouxe para a Settimana della Cucina Regionale Italiana, evento que trouxe 20 chefs italianos para cozinhar em restaurantes de São Paulo. O doce da nonna é tiramisù, italianíssimo, aqui feito na versão veneziana: em vez de biscoito champanhe, usa biscoito amaretto, embebido em vermute tinto (como Martini).

“Assim fazia a minha avó. É um doce caseiro, muito simples”, diz Mara. Durante o festival, ela prepara outra especialidade de família (e do Veneto): bacalhau a vicentina, ao molho cremoso, servido com polenta branca. Para isso, trouxe dez quilos de bacalhau nas malas dela e do marido (segundo eles, o bacalhau vendido lá é diferente, mais seco). Para provar o prato, só indo ao Terraço Itália, até domingo (28/10). Ou até Veneza.
Para provar o tiramisù, segue a receita passada por Mara. Serve 42 porções – coisa de restaurante… Minha sugestão é dividir tudo por 10.

Receita

Rendimento: 42 porções

Ingredientes

10 gemas de ovos
660 g de açúcar
1 litro de creme de leite fresco
2 kg de queijo mascarpone
2 pacotes de biscoitos amaretti (e biscoitos amaretti pequenos para a guarnição final)
Martini tinto para banhar
Cacau em pó

Modo de preparo

Bata as gemas na batedeira.

Coloque o açúcar em uma panelinha de cobre, acrescente um pouco de água e ferva até atingir 121 graus.

Derrame o açúcar quente sobre as gemas em boa velocidade e bata até quase esfriar.

Bata o creme de leite e depois coloque o queijo mascarpone aos poucos.

Una os dois cremes muito delicadamente.

Transfira o creme de mascarpone para um saco de confeiteiro.

Monte o tiramisù em taças de sobremesa individuais. Esfarele os biscoitos amaretti no fundo, depois com o saco de confeiteiro coloque até a metade da taça o creme de mascarpone. Banhe levemente os biscoitos amaretti com o Martini tinto e os distribua no centro da taça. Adicione mais creme de mascarpone e finalize o doce com outros biscoitos amaretti secos esfarelados e um pequeno biscoito amaretto no centro como enfeite.

Antes de servir pulverize com cacau.

Para cozinhar mais:

Agora na nossa loja online!
Capa do Livro Cozinha de Vó - Mariana Weber - Superinteressante

12 motivos para trocar o restaurante pela comida caseira

Frango com suco de laranja e curry

É daquelas tendências que a gente sente na pele e aí vem uma notícia para confirmar: segundo o Ibope Conecta, que faz pesquisas online, 67% dos internautas brasileiros vêm evitando comer fora e 49% têm recebido parentes e amigos em casa em vez de sair. O levantamento ouviu 2.000 pessoas das classes A, B, C e D, de todas as regiões do Brasil, no mês de julho.

Não sei como anda o seu bolso, mas aqui em casa a preocupação com o orçamento está entre as razões para adotar um estilo de vida, digamos, mais frugal. Mas não é a única. Existem muitas vantagens em ocupar a cozinha doméstica – listo algumas abaixo.

1. Poupar.
Não tem como fugir desse tópico. A situação econômica do país (leia: pindaíba geral) leva cada vez mais gente a apertar o cinto. Segundo a pesquisa do Ibope, além de comer menos fora, 68% dos internautas estão experimentando alimentos de marcas mais baratas – embora 65% estejam dispostos a pagar mais por qualidade superior.

Não vamos parar de comer por causa da crise, mas vamos gastar menos com isso. Seja optando por serviços em conta, seja preparando nossa própria comida.

Vemos grandes redes investindo na abertura de restaurantes populares e vemos pequenos empreendedores lutando para segurar os preços. “Não coloco biscoitinho junto com o café porque aumentaria meu custo, e eu já tenho uma margem baixa por usar um grão de qualidade”, foi a resposta da dona de um café que frequento a uma cliente que sugeriu a inclusão do biscoitinho.

Para mim, faz mesmo mais sentido cortar o biscoitinho do que diminuir a qualidade do café. Ou tomar um bom café em casa e fazer meu próprio biscoitinho (receita aqui). Pago R$ 6 por uma xícara nesse café perto de casa; na minha casa, a xícara sai por 40 centavos (compro um grão moído da mesma marca por R$ 78,90; na minha cafeteira, isso rende uns 10 litros de café, ou 200 cafezinhos de 50 ml). Mas, claro, não estou levando em conta o custo que já tive com a cafeteria, a conta de energia elétrica, o prazer de dar uma saída e ficar em um ambiente gostoso… O que me leva ao segundo item.

2. Deixar dinheiro para restaurantes que valem a pena.
Comer fora é um prazer e, no meu caso, também uma obrigação profissional. Não quero nem posso abrir mão desse programa, mas cada vez mais escolho com cuidado os lugares que frequento.

Em tempos de vacas magras, quem entrega menos do que cobra não passará.

3. Comer comida mais gostosa.
Caso você não queira ou não possa investir em um restaurante bacana todo dia, melhor preparar sua própria comida fresca do que desperdiçar dinheiro e estômago com refeições mais ou menos.

Dá trabalho? Não vou dizer que não. Mas dá para facilitar as coisas. Para evitar confusão na cozinha, pense em pratos que usem pouca panela (sopas, carnes assadas junto com vegetais, saladas substanciosas, omeletes com um monte de coisa…). E parta das sobras para pensar na comida do dia seguinte: o frango assado de um dia ganha um refogado com tomate e vira o recheio da panqueca do outro dia; a beterraba cozida se transforma em salada com ovo; a salada de beterraba com ovo entra no recheio do sanduíche…

4. Comer comida mais saudável.
Quando cozinha, é você quem decide quanto sal, quanto açúcar, quanta gordura entram na sua comida. Tem, enfim, mais consciência e controle sobre a alimentação e pode tomar decisões melhores para a sua saúde. Se não tomar, é por sua conta e risco.

5. Votar com seu garfo.
O ato de cozinhar não aumenta só o controle sobre a dieta. Ao comprar alimentos, estamos também fazendo escolhas políticas: pelo plantio com ou sem agrotóxicos, pelo uso de transgênicos ou não, pelo produtos da região ou os trazidos de longe… “Quando você cozinha, tem influência na agricultura”, diz o jornalista Michael Pollan, autor de vários livros sobre alimentação e que faz uma defesa do retorno aos fogões no livro Cozinhar: uma história natural de transformação. “Você vota, com seu garfo, pelo local ou pelo global, e toma decisões sobre energia e água.”

6. Aprender sobre o mundo.
Nas horas vagas, tem gente que vê TV, tem gente que cola no Facebook, tem gente que preenche revistas para colorir, tem gente que lê, tem gente que cozinha. No último caso, os resultados são saborosos. E podem ser instrutivos. Voltemos a Pollan:

“Aprendo tanto sobre a natureza ao manusear animais e plantas: aprendo sobre transformações, sobre química, física, biologia. E também cultura, porque você está trabalhando com tradições. É um dos jeitos mais intelectualmente absorventes de passar o tempo.”

7. Montar seu próprio cardápio.
Quem vai levar suas preferências mais a sério do que você mesmo?

“Posso trocar a batata por macarrão?” Pode.

“Dá para fazer o o frango ao curry sem cebola?” É pra já. (A foto que abre este post é do frango ao curry – receita aqui).

8. Aproveitar o melhor cômodo da casa
No inverno, então, com o forno aquecendo o ambiente, quem quer ficar em outro lugar?

9. Deixar as crianças livres
Já falei que sou a favor de levar os filhos para comer fora (e dei dicas para escolher o restaurante). Mas a verdade é que essas saídas sempre envolvem uma certa dose de tensão. Quando o programa é em casa, meu filho fica mais livre para brincar e eu fico mais livre para relaxar.

10. Diminuir os deslocamentos pela cidade
Se você já pega trânsito para trabalhar, a opção de aproveitar os momentos de lazer no aconchego do lar soa especialmente tentadora.

11. Ignorar a lei seca.
Não precisa pegar ônibus, Uber, táxi. Nem pensar em blitz do bafômetro. E, se der vontade, pode beber com tranquilidade, porque você não terá que dirigir depois. (Se você for um convidado, pegue ônibus, Uber, táxi; e seja o anfitrião da próxima vez.)

12. Salvar as receitas de família
Esse é um dos principais motes desse blog, afinal.

Ótimo passear, conhecer lugares e sabores novos, mas sem esquecer nossas tradições. E não existe maneira melhor de preservar nossas histórias culinárias do que cozinhá-las.

Para cozinhar mais:

9 dicas para levar criança a restaurante

Pedro na França

Desde minúsculo ele nos acompanha em restaurantes. Nem sempre foi fácil, e não em qualquer restaurante, mas acredito que lugar de criança é onde os pais estão. Se comer fora é um programa do gosto da família, faz sentido que os filhos acompanhem. O contrário significa ter alguém à disposição para cuidar da prole nos momentos de lazer dos pais. Ou enclausurar os pais.

Com o Pedro bebê, as primeiras idas a restaurantes tinham um gosto de retorno à normalidade. Um passeio pelo mundo pré-troca de fraldas e mamadas noturnas, cercada por adultos que pareciam estar se divertindo com algo além de gracinhas de neném. Aos poucos, percebi outros benefícios em levá-lo a esse “programa de gente grande”: aprender a se comportar em público, experimentar sabores diferentes dos caseiros, passar mais tempo comigo.

Existem saias-justas? Existem. Existem pais sem noção que deixam crianças andarem sobre as cabeças dos vizinhos de mesa? Existem. Existem vizinhos de mesa que se crispam de irritação porque o bebê fez “a”? Existem também. Meu filho sempre age como um príncipe? Não, nem os príncipes.

(Mês de julho, recebo o jornal cheio de sugestões de atividades para as férias: programas de criança, música de criança, comida de criança. Legal. Quanta opção. Mas que tal se o mundo girasse um tiquinho menos em torno da ala infantil da família?)

Pedro viajou comigo para a Europa quando tinha 8 meses. Juntamos um compromisso profissional com alguns dias de férias. Lembro da tensão pré-viagem. Vamos sobreviver ao confinamento de horas de avião? E os outros passageiros? Será que ele vai encarar a comida gringa? Doutor, esses 50 remédios são suficientes para a bagagem de mão? Faz sentido levar um bebê? E deixá-lo no Brasil? Vou conseguir aproveitar algo da viagem? E ele?

Conseguimos. O voo foi tranquilo, dentro das possibilidades da classe econômica: ele mamou ou dormiu o tempo todo. Depois, em terra, curtiu o grude da mãe, do pai, da avó. E adorou os restaurantes. Neles fez amizades, distribuiu sorrisos, descobriu que chupar pão era uma das melhores coisas do mundo. Por causa da diferença de fuso horário, aproveitou sem cansaço a noite de Barcelona. Provou um monte de coisas, de frutas do mercado La Boqueria a papinhas industriais francesas e espanholas servidas em temperatura ambiente (era o ideal? Não, mas às vezes era o que tinha).

Voltamos ao Brasil com mais segurança para carregá-lo pendurado no sling para cima e para baixo. E desenvolvemos estratégias para tornar as idas a restaurantes mais gostosas para todos. Cinco anos se passaram, e compartilho a seguir um pouco do que aprendi nesse período. É algo pessoal, funcionou na minha família, mas quem sabe ajuda alguém.

  1. Evite lugares silenciosos
    Não estou dizendo para carregar recém-nascido a show de rock. Mas percebi que meu bebê curtia lugares razoavelmente caóticos: parecia se entreter com isso e ficava mais calmo, observando tudo. O principal, no entanto, é que pode dar nos nervos (e não só nos seus) levar uma criança sem pleno controle das cordas vocais a um ambiente onde só se ouvem leves murmúrios e o tilintar das taças. Deixe esse tipo de lugar para um jantar a dois.
  2. Analise louças, copos e talheres
    Se o restaurante só tem taça de cristal e faca pontuda, ele só está preparado para (e provavelmente só quer) receber adultos. Não volte com o pequeno antes que ela saiba manejar esses utensílios.
  3. Tenha uma cadeirinha portátil
    Se o lugar não tem cadeira infantil, pode ser que não queira receber criança, mas pode ser também que não tenha se preocupado com isso. Existem ainda as cadeirinhas inadequadas para a idade do seu filho. Se você levar sua própria cadeirinha, daquelas que se acoplam à mesa ou à cadeira, vai ampliar bastante o leque de opções para comer com ele.
  4. Respeite o prazo de validade da criança
    Antes de ser mãe, eu até gostava de algumas esperas, com um drinque na mão e tempo para conversar. Com filho, filas longas e pratos demorados se tornaram um perigoso desperdício da paciência dele.
  5. Escolha um lugar com boa rota de fuga
    Principalmente com os bebês, às vezes não tem jeito: eles vão perder a paciência. Melhor dar uma volta (melhor se houver um jardim), acalmar os ânimos e só depois retornar à mesa.
  6. Leve distrações
    Não estou falando de tablet ou celular, que transportam a criança para um lugar distante da mesa. Mas brinquedinhos e livros de atividades ajudam a passar o tempo.
  7. Ou invente distrações
    Meu jogo de mesa favorito, que não requer nenhum material: você consegue encontrar… E digo alguma coisa que está à vista na decoração, como uma flor amarela ou um desenho de urso. Depois é a vez dele. Ah, também vale conversar. E comer!
  8. Não adiante a refeição em casa
    Dar comida para a criança depois levá-la ao restaurante vai deixá-la entediada. Você não ficaria? Se ela ainda não pode comer o que está no cardápio, prepare uma marmita com a papinha. Mas lembre-se de que levá-la com fome também vai deixá-la mal-humorada  —- um lanchinho antes ajuda.
  9. Ignore os pratos infantis
    Geralmente eles são monótonos, poucos saudáveis e não têm nada a ver com o resto do cardápio. No restaurante, o entretenimento principal é a comida, e a criança pode ser envolvida nisso. De preferência, dividam pratos normais do cardápio. É um estímulo para provar novos sabores e costuma ser uma opção mais econômica para pequenos estômagos — hoje, com meu filho de 5 anos, muitas vezes preciso pedir (e dividir) uma entrada antes.

Pedro e eu (O Caderno de Receitas)
Eu e o Pedro no Suri Ceviche & Bar, em foto da cunhada Simone Pimentel

Para levar ao restaurante:

Huminta: a pamonha boliviana que Checho Gonzales aprendeu a fazer com a mãe

Huminta (bolinho de milho e quejo) da Comedoria Gonzales

Foi com a mãe que o chef Checho Gonzales aprendeu a adaptar a cozinha andina aos ingredientes brasileiros. A família saiu de La Paz quando ele tinha sete anos e manteve por aqui costumes como o de parar à tarde para tomar café e comer huminta — uma espécie de pamonha boliviana. O milho daqui não é o mesmo, o queijo não é o mesmo, mas o ritual marcou a memória do menino que hoje serve a receita na Comedoria Gonzales, no Mercado de Pinheiros, em São Paulo.

Provei a huminta depois de receber a dica de uma amiga e leitora do blog. Na verdade, o que ela mandou foi mais um pedido desesperado: “Meu filho ama as humintas do Checo. São incríveis. Milho. Queijo. Vida. Fiquei pensando se você por acaso sabe que receita é essa.”

Eu não sabia, e fiquei louca para saber. Anos atrás publiquei um post sobre humita cremosa, preparada por um chef argentino, mas a huminta do Checho era outra história. Então fui correndo atrás dele, que já tinha contribuído para o blog antes, falando do rollo de queijo feito pela mãe, Maria Tereza.

A huminta também veio de Maria Tereza, mas foi adaptada para a Comedoria. Na receita dela, a massa ia ao forno em um tabuleiro, depois era cortada em pedaços. No restaurante, Checho preferiu assar porções individuais: o resultado são bolinhos de milho úmidos e macios, recheados de queijo derretido e salpicados de sementes de coentro. Vão bem com café ou como acompanhamento dos ceviches que o chef serve no Mercado de Pinheiros. (Já nas ruas de La Paz, as cholas — mulheres de raízes indígenas — costumam vender huminta cozida e embrulhada em folha de milho como a nossa pamonha.)

As voltas que o mundo dá. Maria Tereza, que tanto influencia a comida do filho, não gostava de cozinhar. “Era uma obrigação, e ela sempre odiou, achava cansativo. Às 6h, 7h da manhã, já estava na cozinha”, lembra Checho. Com o tempo, no entanto, essa relação mudou, e os pratos favoritos do filho, como falso conejo (“falso coelho”: bife de boi empanado, servido com molho e ervilhas) e chairo (sopa de carne e vegetais, incluindo batata desidratada), assumiram sua força de conexão. “Hoje minha mãe cativa através da comida.”

A relação de Checho com as heranças culinárias também se transformou. Ele entrou na cozinha profissional meio por acaso; foi o emprego que apareceu. Nos anos 1990, voltando de uma temporada na Espanha, fez comida mexicana, virou sócio de bar, abriu restaurante. Como praticamente todo chef ou aspirante a chef no Brasil na época, se guiava pelas culinárias francesa e italiana. Foi Alex Atala que o aconselhou a se jogar na latinidade. “Todo mundo queria ser francês, todo mundo queria ser Paul Bocuse e Joël Robuchon”, diz Checho. “Isso até entender que a própria identidade poderia ser muito mais rica.”

Está aí a huminta (e estão também as filas na Comedoria Gonzales) para provar o acerto da mudança de rumo.

Huminta (bolinho de milho e quejo) da Comedoria Gonzales

RECEITA

Huminta da Comedoria Gonzales

Rendimento: 50 bolinhos

Ingredientes*
1920 gramas de milho debulhado
375 gramas (3 xícaras) de farinha de trigo
6 ovos
360 gramas de manteiga
6 gramas (2 colheres de chá) de colorau
12 gramas (½ colher de sopa) de sal
45 gramas (2 ½ colheres de sopa) de fermento em pó
720 gramas de queijo (Checho mistura meia-cura com queijo fresco)
Sementes de coentro
*Como o restaurante trabalha com ficha técnica e medidas exatas, coloquei entre parênteses quantidades aproximadas em medidas mais caseiras. Minha sugestão: se não quiser fazer 50 bolinhos — é bolinho à beça —, divida todas as quantidades por dois ou três.  

Modo de preparo
Triture o milho no liquidificador.

Bata todos os ingredientes, exceto as sementes de coentro.

Distribua a massa em forminhas de papel (como as próprias para cupcake). Salpique as sementes de coentro por cima.

Leve ao forno pré-aquecido. Asse a 180ºC por 15 minutos.

Checho na Comedoria Gonzales (Foto: Lucas Terribili)
Checho na Comedoria Gonzales, no Mercado de Pinheiros (foto: Lucas Terribili)

Para ler e cozinhar mais: