Torta de liquidificador é desses pratos que a geração da minha avó aprendeu a fazer com os fabricantes de eletrodomésticos — e adotou com gosto pela praticidade.
Se antes o preparo de doces e salgados era herança passada de mãe para filha ou trocada entre primas e vizinhas, agora não havia mais segredo: estava tudo explicadinho no rótulo do leite condensado, no manual da batedeira, no programa de TV patrocinado pelo supermercado.
Eu exagero, claro. As receitas de família continuaram a existir. Mas, especialmente a partir de meados do século 20, novas preparações se fizeram de casa e antigas preparações ganharam novos ingredientes: quanta banha de porco não foi substituída por margarina, quanto carcaça de frango não se viu trocada por caldo em cubinho.
Antes da pesquisa para escrever o livro Cozinha de Vó, eu nunca tinha parado para pensar que a receita de torta “da minha mãe” foi uma sugestão da indústria para nossa família (ainda que tenha chegado a nós por meio de uma vizinha, que por sua vez a aprendeu com a sogra). Mais óbvia era a origem do creme de legumes que chamávamos de sopa Walita, porque minha bisavó tinha aprendido a prepará-lo em uma aula promovida pela marca.
Assim como a bisa Maria, muitas mulheres recorriam a cursos e demonstrações para se instruir sobre as invenções que prometiam facilitar o dia a dia. A tal modernidade era especialmente sedutora em uma época em que as garotas começavam a partir para o mercado de trabalho, mas ainda eram vistas como únicas responsáveis pela manutenção do lar.
Ou do LAR, em maiúsculas, como no texto de abertura de um livreto de receitas da Walita dos anos 1950:
“A senhora adquiriu um Walita, adquiriu portanto uma fonte inesgotável de saúde, e de economia de tempo.
Ao usar seu Walita na preparação de pratos — e de sucos, a senhora estará aproveitando em seu valor integral todo o teor vitamínico dos legumes e das frutas empregadas nos mesmos. Estará portanto contribuindo para o desenvolvimento sadio do seu filhinho, para o sucesso do seu marido, enfim, para a sua própria felicidade. Felicidade essa, baseada no sorriso franco de um rostinho rosado, no bom humor de um homem bem alimentado e na esposa sadia que está sempre disposta e que com satisfação se dedica ao que há de mais belo na vida: — o LAR.”
Outros tempos esses, que fiquem lá atrás. Mas a torta de liquidificador — ops, torta da minha mãe — eu não vou renegar. Gosto da massa fofa, do sabor simples e bem temperado de ingredientes confortavelmente triviais.
O recheio admite variações de acordo com a despensa: sardinha, presunto e queijo, carne moída. Da última vez que fiz, aproveitei um refogado de frango com tomate que estava congelado e acrescentei palmito, azeitonas verdes sem caroço e orégano.
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