Pela casa toda, o perfume de figo. Ontem também. Nos meus dedos, idem. E a receita começou antes, anteontem.
Que trabalheira, né? Não.
O doce de figo demandou tempo. Paciência. Mas nem tanto trabalho. Exige, sim, algum planejamento. Mais do que isso, pede reorganização de ideias. Porque não estamos acostumados (eu pelo menos não estou) a esperar três dias por uma sobremesa. Receita atraente é receita fácil, prática, talvez “de liquidificador”, quase instantânea — ou curta o suficiente para parecer amigável em um vídeo espiado no Facebook entre uma tarefa e outra.
Enquanto descasco figo depois de figo, alguns antes e alguns depois do jantar, penso, um tanto ranzinza, que preparo de compota não se encaixa na minha vida. Fazia sentido para minhas avós, tias-avós e bisavós que dedicavam uma parte considerável do dia aos quitutes que adoçavam a família. Não para mim, para a minha rotina. Mesmo bacalhau, só uso daquele já dessalgado… No máximo, espero a fermentação da massa do pão. Aos poucos, no entanto, reavalio meu mau humor. Tremenda bobagem.
Estar ali, na cozinha, faquinha em uma mão e fruta cheirosa na outra, é um prazer. Se eu tivesse obrigação de descascar mil frutas por dia, seria outra história… Mas não. Quero fazer esse doce, e o caminho até ele passa por tirar a pele verde e grossa dos sessenta e quatro figos verdes rechonchudos. Com calma.
Tiro um pedaço de pele verde, ouço meu filho brincar no quarto, tiro mais uma pele, ouço meu marido ralhar com meu filho, tiro mais uma, “filho, você jogou todas as roupas das gavetas no chão!”, tiro mais uma, “não pisa nas roupas!”, tiro mais uma… Em dado momento, meu marido vem me ajudar e, juntos, pelamos todos os figos. O cozimento fica para o dia seguinte, porque deu vontade de ver uma série na TV sem preocupação com frutas dançando em calda quente.
Engraçado. Divido a atenção entre grupos no WhatsApp, consumo informações via redes sociais em inúmeros (inúmeros) acessos ao longo do dia, mas acho estranho diluir no tempo o preparo de um prato. Na verdade, olho o celular incontáveis vezes ao dia porque não consigo esperar. Ou porque não consigo esperar simplesmente pensando na vida. Nem que seja só um tiquinho, só até o elevador chegar. De vez quando preciso de um figo em calda para me fazer parar. (E de lambuja ganho um doce lindo e aromático para açucarar meus dias.)
Teste número 60: compota de figo verde
Fonte – Caderno de receitas da minha mãe.
Grau de dificuldade – Médio.
Resultado – Um doce bem doce e perfumado. Com queijo fica uma coisa!
Ingredientes
1 quilo de figos verdes
1 quilo de açúcar
4 cravos
Modo de preparo
A receita original sugeria envolver as mãos em fubá e usar uma gilete para descascar as frutas. Parecia a receita certa para um acidente, então pesquisei alternativas e cheguei a isto: com uma faca, corte os cabinhos dos figos e, no lado oposto (o mais arredondado), faça um corte em cruz na pele. Arranje as frutas em uma panela, cubra com água e ferva por 10 minutos. Desligue o fogo, escorra as frutas, espere que esfriem e então as coloque em um saco plástico com pouco ar. Deixe no refrigerador por pelo menos 24 horas.
Tire o saco do refrigerador e deixe as frutas descongelarem em temperatura ambiente.
Com ajuda de uma faquinha, retire a pele dos figos, puxando a partir do corte em cruz. Passe as frutas por água, depois escorra. Com cuidado para não arrebentar, dê uma espremida leve em cada uma delas, soltando o excesso de líquido.
Faça uma calda com o açúcar: coloque-o com 250 ml de água em uma panela em fogo baixo até derreter, sem mexer, por cerca de 5 minutos.
Coloque os figos e os cravos na calda. Deixe ferver e mantenha no fogo médio até que comecem a ficar transparentes (cerca de uma hora). Quando a calda estiver engrossando, adicione água.
Dica: se você não for servir o figo imediatamente e quiser guardá-lo em potes, é melhor fazer mais calda, porque a fruta se conserva melhor quando submersa nesse líquido.