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Uma receita vapt-vupt para comemorar o Dia Mundial do Pão

Pão de minuto com manteiga

Quando estou na cozinha, muitas vezes me sinto como uma criança brincando com kits de pequeno cientista ou pequeno mágico. Fazer pão é o auge dessa sensação. Você pega uns pós e uns líquidos, mistura até transformá-los em um massa gosmenta, coloca esse negócio no forno, espera alguns minutos e… Tcharan! Tira de lá uma das melhores coisas do mundo.

Dito isso, eu nem precisava de uma desculpa para fazer pão, mas hoje eu tinha uma: 16 de outubro é o Dia Mundial do Pão. Vasculhei o caderno de receitas da minha mãe e encontrei o  pão de minuto da Genoveva. Prepará-lo leva cerca de meia hora a mais do que o nome da receita promete (uns 20 minutos de forno e outros dez para preparar), mas é de fato rapidinho e fácil.  Para ter ideia, a parte mais chatinha é ralar o parmesão, que, ao ser aquecido, espalhou um cheiro delicioso na casa.

Não sei se dona Genoveva – avó de amigas da minha mãe, vizinhas dela na infância em Curitiba – usava queijo ralado na hora ou de saquinho, mas eu sempre prefiro o gosto da primeira opção. Quanto à margarina que constava nos ingredientes originais, troquei por manteiga. E, na hora de comer os pãos quentinhos, de massa saborosa e quebradiça, pus mais manteiga. Melhor deixar a ricota para comer outra hora com um pão integral magrinho.

Pão de minuto da Genoveva

Ingredientes

  • 1 xícara de amido de milho
  • 1 xícara de farinha de trigo
  • 1 colher de sopa cheia de fermento químico em pó
  • 1 colher de sopa de açúcar
  • 1 colher de chá rasa de sal
  • 1 ovo (mais uma gema para pincelar os pães)
  • 2 colheres de sopa cheias de manteiga (mais um pouco para untar a forma)
  • ½ xícara de leite
  • ½ xícara de parmesão ralado (mais um um pouco para polvilhar sobre os pães)

Modo de preparo

Sobre uma tigela, peneirei o amido de milho, a farinha de trigo, o fermento, o açúcar e o sal. Juntei um ovo, as duas colheres de sopa de manteiga, o leite e a ½ xícara de queijo ralado.  Misturei tudo com as pontas dos dedos, sem sovar (ou seja, sem apertar a massa com a base das mãos), até a massa ficar bem ligada.

Enrolei sete pãezinhos com cerca de 4 centímetros de comprimento e os dispus em uma assadeira untada. Pincelei gema sobre cada um deles e polvilhei queijo ralado por cima.

Assei em forno quente (200ºC) por 20 minutos.

A maionese, o pão com picadinho e outras gostosuras da infância da chef Helô Bacellar

Placa na cozinha de Heloisa BacellarA cozinha da casa da chef Heloisa Bacellar é uma viagem no tempo. Não o de nossos avós, pais ou netos, mas um tempo único, ditado por ela. É tanta coisa para olhar, tanta conversa pra conversar, tanta comida pra provar! Uma plaqueta informa as guloseimas do dia: bolo de chocolate, oreos (sim, biscoitos oreo caseiros), pão de mandioca. Espalhadas por ali, estão também as produções de dias anteriores (doce de pêssegos, pão sueco, torradas…) e futuros, como uma carne seca artesanal em processo de dessalgue. Impossível passar lá rapidinho. Ainda mais se o motivo da visita é falar de histórias familiares ligadas a comida gostosa.

O cafezinho acaba, mas não o assunto. Fico sabendo que Helô começou a cozinhar aos 5 anos, com a avó materna, e teve como primeira incumbência descascar abacaxi. Um pitoco de gente com uma faca na mão, compenetrada em executar a tarefa de gente grande. “Era um pouco de ousadia, mas confiavam porque eu era comportada”, diz a chef, hoje com 50 anos, sentada à mesa da cozinha com ares de fazenda de uma casa no bairro paulistano do Pacaembu. Naquela mesma época, ela aprendeu a bater maionese (receita abaixo) – o liquidificador Arno de pote de vidro da avó está disposto na imensa coleção de utensílios que ocupa prateleiras, ganchos e balcões. Em duas gavetas de um armário de mantimentos herdado da bisavó, estão formas e mais formas de empadinha, outra receita que ela adorava fazer com a avó nos finais de semana (“De queijo, camarão, palmito, frango, que eram as mais tradicionais”).

Heloisa Bacellar em sua cozinha
Helô em sua cozinha cheia de comidinhas, traquitanas e histórias

De segunda a sexta, longe da avó, a Helô menina também dava um jeito de desenvolver os dotes culinários, ainda que a mãe não cozinhasse muito. “Eu chegava da escola, largava a pasta, lavava as mãos e ia ajudar a terminar o almoço”, diz. “Ficava amiga de todas as cozinheiras.” De quebra, decorava e cantava as músicas que aprendia no rádio das funcionárias. Também lia livros de culinária e o caderno de receitas da mãe. (Aos 8 anos, começou a montar seu próprio caderno, destruído por um vazamento na cozinha 5 anos depois e aos poucos refeito como um fichário de plástico.)

Mais tarde, Helô passou para as filhas, hoje com 18 e 23 anos, o gosto pela boa comida. “Elas foram criadas na cozinha. Ficavam sentadas naquele banco, desenhando e me vendo cozinhar.” Amigas das meninas levaram um pouco desse aprendizado de lambuja. Uma delas, que até os 7 anos não comia nada além de penne com manteiga (sim, só esse tipo de massa e só com esse molho), ajudou Helô a preparar um bolo e, diante da própria criação, não resistiu a provar uns farelos e depois um pedaço inteiro. Na fazenda da chef, em São Luiz do Paraitinga (interior de SP), a mesma menina colheu, provou e aprovou outros alimentos, como alface e abóbora.


O cardápio do dia e a coleção de formas de empadinhas

Infelizmente nem todo mundo teve em casa alguém que transmitisse tão bem quanto Helô o amor por cozinhar e comer bem (e felizmente nem todo mundo chega ao extremo de passar anos comendo macarrão com molho de nada). Veio dessa constatação o pulo-do-gato que mudou a vida da chef, até então uma advogada apaixonada por gastronomia . Quando o marido, historiador, recebeu uma bolsa para fazer um curso em Paris, ela deu um tempo na carreira e foi estudar gastronomia na prestigiada Le Cordon Bleu. Lá, percebeu que não-alunos pagavam uma bala para assistir a uma aula da escola de chefs e ficavam alucinados com a experiência, ainda que não pudessem de fato participar das atividades. Um ano depois, quando voltou a São Paulo, Helô tinha uma ideia de negócio: “Vou fazer a primeira escola de culinária da cidade mão na massa e voltada para o público amador”.

Em 1999, inaugurou o Atelier Gourmand, onde por anos dividiu seus segredos culinários com alunos de perfis variados: solteiros cansados de comida pronta, aposentados em busca de lazer, mães dispostas a caprichar na comida dos filhos, moças casadoiras que não sabiam fritar um ovo. Depois vieram livros cheios de comidas, fotos e histórias saborosas e o Lá da Venda, misto de armazém e restaurante que serve o melhor pão de queijo de São Paulo, segundo eleição da Veja SP. Durante toda essa história foram – e ainda são – marcantes os pratos da infância, aqueles que a menina Helô amava comer e preparar. Receitas como o bolo de fubá com goiabada da avó, campeão de pedidos do Lá da Venda, ou o pão com picadinho da mãe, publicada no livro Entre Panelas e Tigelas e compartilhada aqui por ser uma das favoritas da chef.

Quem não tem uma Helô em casa pode pelo menos seguir as receitas dela, sempre detalhadas e didáticas.

Maionese
(1 xícara, 15 minutos)

Heloisa Bacellar guarda o liquidificador da avó em que fez suas primeiras maioneses (Foto: Romulo Fialdini)
Helô guarda o liquidificador da avó em que fez suas primeiras maioneses (Foto: Romulo Fialdini)

1 ovo
1 gema
1 colher (chá) de mostarda de Dijon
suco de 1 limão
1 colher (sopa) de cebola picadinha
⅓ de xícara de azeite
⅔ de xícara de óleo de milho, canola ou girassol
sal e pimenta-do-reino

Coloque o ovo, a gema, a mostarda, o limão, a cebola, o azeite, sal e pimenta no liquidificador e bata até misturar. Pela abertura da tampa do copo, sem parar de bater, vá acrescentando aos poucos o óleo em fio até conseguir um molho encorpado e cremoso. Nesse ponto, se quiser, junte 1 ou 2 dentes de alho ou 1 xícara de folhas de ervas frescas e bata até esverdear, ou ainda alguns tomates secos ou umas 2 colheres (sopa) de ketchup para ter maionese rosada. Ajuste o sal e a pimenta, passe para uma tigela, cubra com filme plástico e guarde por até 3 dias na geladeira.

Pão com picadinho
(6 pessoas; 2 horas)

Sanduíche de carne moída e queijo (Foto: Romulo Fialdini)
Comida caseira e gostosa: sanduíche de carne moída e queijo (Foto: Romulo Fialdini)

1 filão de pão de uns 60 cm ou 6 pães franceses
75 g de manteiga
1 cebola grande em cubinhos
1 cenoura em cubinhos
2 talos de salsão em cubinhos
1 dente de alho inteiro
1 kg de carne moída (patinho ou coxão mole)
2 xícaras de leite
2 xícaras de vinho branco seco
600 g de polpa de tomate ou de tomates frescos, sem pele e sem sementes, em cubinhos
3 ovos
300 g de queijo mussarela em fatias finas
óleo vegetal
sal, pimenta-do-reino e noz-moscada

Numa panela média, aqueça 50 g de manteiga e um fio de óleo e doure ligeiramente a cebola. Junte o salsão, o alho e uma pitada de sal e espere murchar. Acrescente a carne, 1 colher (chá) de sal e pimenta e misture separando os pedaços até a carne mudar totalmente de cor. Adicione o leite e a noz-moscada, deixe em fogo alto até evaporar, junte o vinho, deixe ferver por um minuto e acrescente a polpa de tomate. Assim que levantar fervura, abaixe o fogo e cozinhe com a panela semitampada por mais ou menos 1 hora, mexendo de vez em quando e adicionando um pouco de água se secar demais (cozinhar bem devagar é fundamental para que a carne fique macia). Quando a água evaporar e surgir na superfície uma bolha de gordura, acerte o sal, a pimenta e a noz-moscada, descarte o dente de alho e retire do fogo.

Enquanto isso, aqueça mais ou menos 1 litro de água numa panela média, espere ferver, reduza o fogo, mergulhe os ovos na água, conte 10 minutos, escorra, resfrie passando sob água fria, descasque e divida cada um deles em 6 rodelas (ou, se preferir, frite os ovos num pouquinho de manteiga ou de óleo).

Corte uma tampa do pão e reserve. Escave um pouco o centro para tirar parte do miolo, passe um pouco de manteiga no miolo da cavidade e pincele com o leite. Preencha a cavidade com ¾ do picadinho, espalhe por cima as rodelas de ovo cozido, cubra com a mussarela e ponha a tampa do pão de volta no lugar. Coloque o pão num refratário ou numa assadeira e espalhe por cima o restante do molho e o parmesão. Leve ao forno por uns 20 minutos, até que o pão esteja bem quente e com a casca crocante.

Para cozinhar mais:

Receitas de sopa para dias que não são sopa

Tem dias que não são sopa. Temos vivido uns tantos nos últimos tempos. Um prato de sopa não resolve, mas quem sabe ajuda. Talvez lembre dias em que, quando não estávamos bem, alguém cuidava de nós. E trazia, com um prato fumegante, a sensação de que o problema se resolveria.

A cada colherada, junto com o calor, vinha uma pitada de conforto. A segurança de que ali estava alguém que sabia o que estava fazendo. Pelo menos sabia fazer uma sopa que nos esquentava por dentro de um jeito tão bom.

E, ei, pode ser que chegue um tempo, pode ser que seja hoje, em que seremos capazes de nos cuidar com nosso próprio prato de sopa. Talvez capazes até de cuidar de mais alguém.

Aqui, não vou dar receita exata, só ideias do que eu tenho feito em casa. Varie ingredientes à vontade. Porque cada um sabe o que tem em na geladeira e o que momento pede. E porque já existem tantas coisas complicadas na vida, não vamos complicar a sopa.

Cuide-se.

Se quiser mais conversa sobre comida, siga @ocadernodereceitas.

Sopa de nabo e barriga de porco

Sopa de barriga de porco e nabo - O Caderno de Receitas

Corte a barriga de porco (pancetta) em cubos e doure-os em uma panela (não precisa adicionar gordura, a barriga já tem). Depois refogue cebola, alho e nabo. Jogue um pouco de saquê ou vinho branco e deixe evaporar. Junte caldo de frango ou carne (caseiro é superfácil), missô (pasta de soja japonesa), um tico de extrato de tomate, sal. Cozinhe até os ingredientes amaciarem. Junte folhas e talos de couve-flor (ou outra hortaliça) e, se quiser, um pouco de macarrão. Espere o tempo de cozimento da massa e dos talos. Acerte o sal. No fim, salpique cebolinha.

Minestrone

Minestrone - O Caderno de ReceitasEssa sopa italiana é daquelas boas de aproveitar sobras. Aqui ela começou com cebola e alho refogados no azeite, ganhou caldo de carne caseiro (feito de sobras de verduras e legumes e ossos congelados), feijão cozido (também sobra), cenoura, beterraba, macarrão e folhas de couve-flor (poderia ser qualquer outra), sal e pimenta-do-reino.

Canja de lombo

Pode usar lombo de porco e chamar de canja? Não sei. Se preferir, chame de sopa de porco com arroz. Ou faça com frango. Eu fiz de porco porque era o que tinha no dia. O caldo, caseiro (vide receitas acima), levava pé de galinha. Então esta é uma sopa de frango e porco.
Refogue cebola e alho, doure o lombo em cubos, junte bastante caldo, cenoura, abobrinha, arroz. Tempere com orégano fresco, semente de cominho, semente de coentro, cúrcuma, páprica, pimenta-do-reino, pimenta calabresa, sal. Cozinhe até tudo ficar macio e saboroso.

Sopa de feijão com presunto crocante

Sopa de feijão e presunto crocante - O Caderno de Receitas

Vamos botar água no feijão. E folhas, macarrão, cenoura, presunto e o que estiver dando sopa para virar sopa. Bata feijão cozido e temperado (aquele que sobrou do almoço) com água ou caldo e cenoura crua. Em uma panela, toste cubos de presunto em um pouco de azeite; reserve. Na mesma panela, refogue cebola e alho, depois junte o feijão batido. Deixei ferver e, se estiver muito grosso, adicione água. Juntei alguma massa (usei pennette) e folhas picadas (usei folhas de nabo; poderia ser couve, folhas de brócolis, acelga…). Sirva com o presunto crocante, cebolinha picada, parmesão ralado e pimenta.

Outras sopas:

Sopa de cenoura assada

Sopa de tomate e ovo

Sopa de capelete da dona Ana

Sopa de capelete da nonna

Sopa de canederli: bolinhas de pão e salame em caldo fumegante]

Sopa fresca de vegetais

Sopa de pedra (e carne com legumes)

Ensopado de lentilha metido a indiano

Para cozinhar mais:

Couve-flor na chapa com manteiga de alho, limão e salsinha

Couve-flor na chapa com manteiga de alho

Não tem segredo. O que tem é manteiga, alho e salsinha, uma combinação que fica bem com couve-flor tostada e com quase tudo (ok, exagero, mas só um pouquinho).

Ingredientes

  • 1/2 couve-flor
  • 3 colheres (sopa) de manteiga
  • 2 dentes de alho picados
  • 1 colher (sopa) de salsinha
  • 1 colher (sopa) de suco de limão
  • Sal

Modo de preparo

  1. Corte a couve-flor como se estivesse fatiando pão.
  2. Derreta a manteiga e misture aos demais ingredientes.
  3. Leve as fatias de couve-flor a uma chapa bem quente. Deixe tostar um pouco de um lado, depois vire.
  4. Jogue a manteiga por cima das fatias.

Telma Shiraishi: dos almoços de macarrão e sushi da infância ao Aizomê da Japan House

A chef Telma Shiraishi no Aizomê da Japan House (foto: O Caderno de Receitas)

Na minha coluna na Casa e Jardim deste mês, publico uma receita de conserva de maxixe de Telma Shiraishi, do Aizomê. Aqui no blog, além da receita, compartilho trechos da entrevista com a chef. Na conversa, ela me contou sobre seu mergulho nas raízes nipo-brasileiras para desenvolver uma cozinha japonesa autêntica e autoral, com ingredientes locais — que foram parar inclusive nas marmitas da princesa Mako do Japão em visita ao Brasil.

Neta de imigrantes, Telma chegou à gastronomia depois de tentar a medicina, a moda e publicidade. Acabou se tornando uma embaixadora da culinária do Japão. No sentido figurado e no literal. Desde 2018 é responsável por banquetes e recepções do consulado japonês em São Paulo. Em março deste ano, recebeu do governo japonês o título de Embaixadora da Boa Vontade da Difusão da Culinária Japonesa. E agora em abril inaugurou a segunda unidade do Aizomê, dentro da Japan House, centro cultural na avenida Paulista — lá sua missão é mostrar para mais gente que vale a pena conhecer a comida japonesa além do sushi de salmão.

Comida da infância

“Meus avós são imigrantes japoneses, meus pais já nasceram aqui. No final de semana se faziam mesas enormes, de 20, 30 pessoas, na casa de um avô ou de outro. Sempre tinha muita mistura: podia ter sashimis e churrasco, podia ter macarronada com sushi.  E sempre nesse tom de celebração, de encontro, de estar todo mundo junto, de partilhar.

Lembro da minha avó paterna supercontente e emocionada porque tinha conseguido ingredientes para fazer sushi. Naquela  época era muito difícil conseguir um bom arroz, uma alga nori. Alguém tinha trazido do Japão para ela, que serviu uma reunião de família.

Meu pai era gerente do Banespa no Largo da Batata. A gente morava na região e ia ao mercado de Pinheiros comprar peixe e outras coisas. Só que, depois que ele sofreu um assalto, decidiu se mudar para o interior. Dos 10 aos 17, morei em Paraibuna e era muito moleca. Quando não estava com um livro, eu estava no mato, vendo bicho, vendo planta. Também pescava muito com meu pai. A gente chegava com peixes e minha mãe morria de nojo, acabava que eu os limpava.

No interior era mais difícil ainda conseguir alguns ingredientes. Mas a gente tinha uma dieta muito variada. Minha mãe trocava receita com as vizinhas, uma era italiana, outra era libanesa…

Os vizinhos ou tinham fazenda ou tinham uma horta no quintal.  Lembro da minha mãe: ‘Hoje eu quero refogar uma couve, vai na vizinha’. Então eu ia correndo, tocava a campainha, a gente descia no quintal e catava a folha de couve no pé.  

Do lado de casa tinha uma árvore de sabugueiro que, quando dava flor, ficava cheia de borboletas. Tanto que tem uma soda de sabugueiro aqui (na Japan House). É um pouco disso que eu resgato.”

 

Mudanças de rumo

“Como eu tinha facilidade para estudar, [a família aconselhou]: ‘ah, vai ser médica’. E, como eu não tinha uma vocação muito nítida, falei: ‘vou tentar’. Não sei se por sorte ou por azar, passei direto na USP. Mas no terceiro ano, quando você começa em hospital e vê o ser humano em situações muito tristes e feias, percebe que o buraco é mais embaixo. Para mim, foi pesado. Na época a USP estava com um programa de formação de cientistas e tinha criado um curso Experimental de Ciências Moleculares. Fiquei um ano nesse programa, mas comecei a perceber que a minha vocação talvez fosse mais artística. Fiz um semestre de publicidade, aí fui estudar moda. Sempre fui meio excêntrica, pintava o cabelo de azul, roxo, laranja, vermelho, gostava de me vestir diferente. Acabei trabalhando dois anos com o Fause Haten, como assistente de estilo. Depois tive a minha primeira filha e fiquei um tempo em casa. Aos poucos comecei a trabalhar como freelancer em eventos. E cada vez mais as pessoas foram me pedindo para fazer a parte gastronômica. Até que uma prima do meu marido me ofereceu para comprar a parte dela num restaurante japonês moderninho que ela tinha aberto na Vila Olímpia com chef Shin [Koike]. Eu e o Shin deixamos esse restaurante lá e abrimos outro, um japonês para japoneses. Foi quando nasceu o Aizomê.

Desde o início, 12 anos atrás, estava claro que queríamos trabalhar fora dos padrões do que era corrente em restaurante japonês. O que estava na moda eram nos modelos americanos, com sushi de salmão, cream cheese, roll califórnia. E havia uma culinária japonesa mais ou menos tradicional restrita à comunidade, na Liberdade ou em Pinheiros. No Aizomê, todo o cardápio, a base de sabores, tudo foi pensado para os japoneses e principalmente para os japoneses da região da Paulista, onde estão as grandes sedes das empresas japonesas.”


Uma nipo-brasileira na cozinha

“No começo eu fazia tanto a parte administrativa quanto a cozinha do Aizomê. Depois de cinco anos o Shin quis fazer outros projetos e de repente eu estava sozinha. Uma mulher que nem é japonesa num restaurante voltado para japoneses.
Tive que ir mais fundo ainda. Depois de cinco anos eu já tinha entendido um pouco dos sabores. No Ocidente a gente fala em doce, salgado, ácido e amargo, para os japoneses o mais importante é o quinto gosto, o umami. Todas as preparações, o dashi, que é o caldo básico, e todas as técnicas são para realçar esse umami. O maior desafio foi entender isso e entender como você extrai isso dos alimentos e das combinações. Fiz isso viajando, indo aos mercados. E pesquisando muito, estudando muito.

Os primeiros dois, três anos que eu fiquei sozinha foram para mostrar para a clientela que a qualidade e os sabores estavam todos lá ainda, para ter a chancela de que a gente continuava a ser um restaurante sério. Não foi fácil. A maioria estranhou: uma mulher…

Tive ser dura com a equipe que tinha se formado ali. Falar: ‘a gente vai continuar e agora sou eu que estou aqui’. Os profissionais da velha guarda são machistas, o machismo não vem só dos clientes.

Meu trabalho foi no sentido de ser uma chef brasileira, nipo-brasileira, buscando trazer algo autêntico nos sabores, nas preparações e nas técnicas. Isso foi uma etapa. Depois eu me senti à vontade para brincar mais e colocar meus elementos, a minha história, as referências nipo-brasileiras.”

 

Japonês autêntico e local

“Talvez um dos pilares da culinária japonesa seja trabalhar frescor, sazonalidade e produtos locais. É por isso que a minha conserva tem maxixe e chuchu. É o que a gente tem aqui. Até porque, se você vai ao Japão, os sabores, as preparações, os pratos mudam de região para região, de ilha para ilha, de cidade para cidade. Cada local busca sua própria expressão de sabores. Tem que fazer sentido no entorno.

Desde o início nunca colocamos salmão no sushi bar. Sempre procurei trabalhar com os peixes da nossa costa.

Algumas coisas eu não consigo substituir. Shoyu, a maioria que uso ainda é importado. Kombu, a gente não tem aqui, é uma alga de águas frias, o melhor realmente vem do norte do Japão. Katsuobushi (conserva seca de bonito) também, e um ou outro temperinho. Mas talvez em dois terços do que eu utilizo tento privilegiar produção local. O arroz, de variedade japonesa, vem do sul do Brasil ou do Uruguai. O missô (pasta de soja fermentada), eu alterno alguns produtores artesanais do interior de São Paulo. No meu caldo, uso como base uma sardinha que é curada aqui em Cananeia, à moda japonesa. E uso muita verdura, legume, fruta… Uma das grandes contribuições da geração dos meus avós, quando veio ao Brasil, foi na agricultura, com todo o cinturão verde e essa variedade que a gente vê hoje em dia.

 

Pesar pelo desperdício

“O Japão já teve escassez séria de alimentos. Por conta disso houve as políticas de imigração e meus avós chegaram ao Brasil. Eles têm muito forte que tudo tem que ser você aproveitado. E tudo tem que ser agradecido como uma dádiva da natureza — ou de quem plantou, de quem colheu, de quem pescou, de quem produziu aquilo. Quando você está comendo e quando você prepara uma refeição, tudo isso está atrelado. Tanto que os japoneses começam e finalizam a refeição com uma expressão de agradecimento.

Mottainai é o pesar pelo desperdício. A gente é martelado desde pequeno: ‘Mottainai! Mottainai!’ Era a bronca da minha mãe quando a gente deixava comida no prato, quando jogava fora ou não aproveitava devidamente alguma coisa, como uma roupa. Na verdade isso não é só das coisas físicas. A gente também desperdiça energia, tempo.”

 

Hospitalidade

“Omotenashi é a hospitalidade japonesa. Existe o mínimo de de serviço eficiente e atencioso que você tem que ter. Mas o conceito japonês vai além: é fazer algo com o coração, fazer porque você se importa, por se colocar no lugar do outro e querer proporcionar uma experiência única. Isso você percebe em cerimônia do chá. Em cada xícara de chá que é servida, aquele encontro é único. Por mais que você tenha outra xícara, outro encontro com as mesmas pessoas, o momento, a energia, tudo muda. Cada interação é única.” 

 

Música e moda

“Eu toco piano desde os 5 anos de idade. Quando crio um prato ou cardápio ou uma refeição, penso muito em termos de uma orquestra ou de um concerto. De uma estrutura musical. Você tem a melodia, tem o fundo, tem os crescendos, tem um ritmo.

No visual, talvez eu pegue muita referência de moda: o volume,  textura, o caimento, a proporção.”

 

Marmita da princesa

“Quando a princesa Mako veio do Japão, estava com uma agenda apertada. Aí me pediram uma encomenda especial de obentôs (marmitas) para os dias em que ela estaria em trânsito e não teria tempo de parar em nenhum lugar.

Ela queria coisas leves e simples, e eu tentei colocar alguns sabores brasileiros, como o maxixe. Porque faz sentido para mim. Na minha cozinha, tem muita gente que veio do Nordeste, e eles me trouxeram o maxixe. Eu não conhecia e adorei. Fiquei pensando como conseguiria incorporar aquilo e veio essa receita do tsukemono (conserva). Minhas clientes japonesas foram as primeiras a ficar enlouquecidas. No Japão a cultura das conservas é muito forte, os mercados têm bancas especializadas nisso, com centenas de tipos.”

Tsukemono (conserva) de maxixe e cachaça do Aizomê

RECEITA

Tsukemono de maxixe e cachaça

Ingredientes

  • 10 maxixes bem verdinhos e novinhos
  • 1 colher de sobremesa de sal
  • 1 xícara de pinga
  • ½ xícara de vinagre de arroz
  • ½ xícara de shoyu (se tiver do shoyu claro melhor)
  • 1 pedaço com cerca de 3 cm de alga kombu (opcional)
  • 5 g de katsuobushi (peixe bonito seco) (opcional)

Modo de preparo

  1. Cortar os maxixes em quatro, salpicar com o sal e deixar descansar por pelo menos uma hora.
  2. Enquanto isso levar a aguardente ao fogo forte em uma panela. Cuidado, pois as chamas podem subir bastante ao flambar o álcool.
  3. Reduzir à metade, retirar do fogo e acrescentar o vinagre e o shoyu.
  4. Lavar os maxixes para retirar o excesso de sal e secar em papel toalha.
  5. Em um recipiente colocar o pedaço de alga kombu, os maxixes e acrescentar o líquido da panela. Adicionar o katsuobushi.
  6. Deixar marinando em geladeira por pelo menos 2 dias, virando os maxixes na mistura se necessário.
  7. Para servir basta retirar os maxixes do líquido e cortar em pedaços menores. O líquido da conserva pode ser reutilizado e dura de 10 a 15 dias.

Observação: A receita pode ser feita também com chuchu novinho. Se gostar, pode acrescentar algumas rodelinhas de pimenta dedo-de-moça.