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O rabo de galo é nosso

Rabo de Galo do Forfé - foto: KATO
(Foto: KATO / divulgação do Forfé)

Resolvi conhecer um novo bar no Itaim porque li que o nome, Forfé, era uma homenagem a avó do bartender Márcio Silva, um dos sócios. Chegando lá, o que me intrigou mesmo foi o rabo de galo.

Eu já tinha ouvido que o drinque de cachaça popular nos botecos brasileiros anda hipsterizado. Não sei se isso é bom ou ruim, provavelmente um pouco dos dois. Fato é que antes eu não pensava em entrar em um bar e pedir um rabo de galo, e foi o que eu fiz no Forfé – tampouco sei se isso é bom ou ruim, provavelmente um pouco dos dois.

Antes de organizar os piquetes de redes sociais contra a mercantilização de nossa cultura etílica, vale saber que o surgimento do rabo de galo está ligado a uma estratégia de marketing da Cinzano. Nos anos 1950, a empresa italiana montou em São Paulo uma fábrica para produzir vermute (vinho fortificado e aromatizado com ervas e especiarias). Para estimular o consumo entre bebedores locais, propôs misturar seu produto a cachaça e criou até um copo com linhas de marcação de doses. O cocktail – ou melhor, rabo de galo, conforme a tradução literal do nome em inglês – pegou, se espalhou pelo país e ganhou variações (com cachaça e Cynar, por exemplo).

A expansão atual acontece de outro jeito.

Ultimamente o clássico dos botecos frequenta de pé-sujos a restaurantes com estrela Michelin e bares que alardeiam as criações de seu mixologista. Ganhou variações, ou versões autorais, que levam de café a infusão de saúva.

Entre 13 a  30 de setembro, entrará nas coqueteleiras de bartenders de mais de 100 endereços em cinco capitais (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba e Goiânia). Trata-se da terceira edição do Projeto Rabo de Galo, que tem a proposta de valorizar drinques brasileiros. (Agora, quem promove o coquetel é uma marca de cachaça, a Yaguara, patrocinadora do evento.)

No Forfé, Márcio Silva faz o rabo de galo com dois tipos de cachaça Yaguara – uma branca orgânica e uma envelhecida –, vermute italiano 697 Rosso e essência de casca de laranja, obtida pelo cozimento da casca em cachaça pelo método sous-vide (em baixa temperatura).

“Eu estudo o gosto do que é tradicional e busco aromas semelhantes para trazer isso para o paladar atual, com melhor qualidade”, diz Márcio, que pesquisou mercearias e botecos antigos para montar a carta de drinques do novo bar.  Além do rabo de galo, o Forfé tem cachaça com mel e agrião; bombeirinho de cachaça infusionada com frutas vermelhas, cordial (concentrado) de framboesa, limão e xarope de hibisco; um drinque chamado Mix Boteco que mistura vermutes e amaros (concentrados alcoólicos aromáticos). “A ideia é criar uma sensação ‘isto é boteco’ em todo mundo que já tomou um shot daquelas garrafas que ficavam escondidas atrás do balcão”, diz ele.

Para a gente, Márcio passou uma receita de rabo de galo possível de fazer em casa (sem sous-vide ou outros métodos de laboratório do professor Pardal), para expandir o rabo de galo ao território doméstico.

Em tempo: Forfé é uma gíria para bagunça. Remete a avó de Márcio, dona Leopoldina, fazedora de infusões de cachaça com jabuticaba ou café, que costumava dizer para o neto: “Para com esse forfé, menino!”.

Ingredientes
25 ml de cachaça branca
25 ml de cachaça envelhecida
40 ml de vermute
1 gota de bitter de laranja
1 gomo de limão taiti

Modo de preparo
Misture as bebidas em um copo com gelo. Acrescente o limão.

O que há no bolinho de carne do Bar do Luiz Fernandes

Dona Idalina, do Bar do Luiz Fernandes (foto: Flavio Santana)
Dona Idalina no Bar do Luiz Fernandes (foto: Flavio Santana)

Esta é a história de uma venda que afundou por causa da abertura de um supermercado. E também de um bolinho de carne que ajudou a transformar a antiga venda / posterior boteco em atração do bairro e da cidade. Não vamos esquecer do núcleo romântico: nele, o filho do dono da venda distribui leite de carroça e, ao passar diante de um imóvel do pai, se apaixona pela locatária; quase 60 anos depois, o casal continua à frente do que é hoje um dos bares mais tradicionais de São Paulo. Porque essa é a história do Bar do Luiz Fernandes, no Mandaqui, um negócio familiar hoje tocado por seu Luiz, dona Idalina, o filho Eduardo e as netas Catarina e Carolina.

O Bar do Luiz é desses raros lugares que conseguem carregar a tradição sem parar no tempo. Começou em 1942 como a vendinha do pai do seu Luiz. Mudou de casa, virou boteco, passou por reformas, ganhou novas unidades e aposentou os blocos e os lápis afiados à faca em que os fregueses marcavam o próprio consumo. Mas não arreda o pé da zona norte (exceto para fazer eventos), trata os clientes como amigos e exibe no novo balcão de ares modernos as garrafas de leite (aquelas, da carroça) usadas para armazenar suas primeiras batidas.

Dona Idalina, 80 anos de idade e 57 de bar, lembra de quando o negócio da família ocupava uma pequena fração da área atual. Era parte da casa em que moravam, depois tomou toda a casa e quatro imóveis vizinhos. Nas paredes, em vez da memorabilia de calendários, cardápios e cartazes que hoje decora e conta a história do bar, havia prateleiras até o teto e pilhas de sacos de batata, arroz e feijão. Nas contas, um buraco: metade das vendas era fiado, metade era calote.

Quando um supermercado Pastorinho abriu na vizinhança, o rombo aumentou. Mas então surgiu a ideia de vender batidas e outras novidades. “Começamos a cozinhar batatinhas, ovos de codorna…”, diz dona Idalina. Nascia o embrião do tentador e tradicional balcão de acepipes do Bar do Luiz Fernandes.

Os clientes às vezes ajudavam a fritar camarão e outros petiscos, então preparados com um pequeno bujão de gás ao lado do balcão. Foi também sugestão de uma cliente servir os bolinhos de carne que viriam a ganhar prêmios, atrair seguidores e inspirar similares em outras freguesias.

Hoje o bar produz por mês cerca de 5 toneladas dos bolinhos, distribuídos em suas três unidades. A receita já foi alterada várias vezes, mas manteve algumas premissas: “Tem que temperar muito e usar pão italiano”, recomenda dona Idalina. “Se põe pãozinho francês na massa, não fica igual. O italiano deixa crocante por fora.”

Fora decoração, tamanho e cardápio, outra mudança evidente no Bar do Luiz Fernandes, segundo dona Idalina, é a presença feminina. “Antes não tinha tanta mulher aqui. Eu sentia até vergonha. Lembro que uma vez veio um casal e ela reclamou para ele: ‘Você me traz em boteco?’” Hoje homens e mulheres dividem igualmente as mesas. E, segundo Catarina, 25 anos, quarta geração do bar, nas redes sociais as seguidoras são maioria.

Outras coisas não mudaram. Dona Idalina e seu Luiz ainda batem ponto no bar. Com os joelhos operados, ela fica no caixa à tarde. Não coloca mais a mão na massa de bolinho, hoje remexido em uma máquina misturadora, mas fiscaliza de perto a produção. “Se não está bonito mando o Eduardo lá na cozinha resolver”, diz. Seu Luiz, 81 anos e operado do joelho direito, trabalha de manhã e precisa ser contido pela família para não se envolver em tarefas pesadas, como limpar o rodapé. Dona Idalina continua gostando de dirigir. Seu Luiz continua ciumento. Ela ainda cozinha para ele. E o melhor prato dela, segundo a neta Catarina, não é o bolinho de carne nem nenhum outro prato do bar: “O nhoque da minha avó é surreal. Derrete na boca.”

Pedi que dona Idalina me desse a receita do nhoque, e ela deu, mas daquele jeito que as grandes cozinheiras domésticas às vezes relatam seus feitos, sem entrar em detalhes, como se não fossem nada. É só cozinhar, espremer, misturar, amassar… Essa receita vai ter que ficar para um próximo post.

Já a receita do bolinho de carne, quem me passou foi Catarina, que com 5 anos lavou sua primeira louça no boteco e trabalha de fato lá desde os 18. Ela estudou gastronomia e gestão de empresas familiares e tenta manter atualizado, sem perder a memória, o negócio iniciado por seu bisavô.


Os bolinhos de carne, pão italiano e muito tempero (foto: Flavio Santana)

RECEITA

Bolinho de carne do Bar do Luiz Fernandes

Ingredientes

1 quilo de acém moído.
800 gramas de pão italiano amanhecido
4 dentes de alho
½ xícara de cebola
½ xícara de salsa picada
½ xícara de cebolinha verde picada
½ xícara de alho-poró picado
1 colher (chá) de orégano
1 colher (chá) de manjericão picado
1 colher (café) de noz-moscada
2 pimentas dedo-de-moça picadinhas
1 colher (café) de pimenta calabresa
½ colher (café) de pimenta-do-reino preta moída
4 colheres (chá) de sal (20 gramas, ou sal a gosto)
Óleo para fritar.

Modo de preparo

Coloque os pães amanhecidos em um recipiente com água e deixe-os imersos por 40 minutos. Depois retire o excesso de água apertando os pães um a um.

Em outro recipiente coloque a carne moída e acrescente todos os temperos.

Misture o pão e a carne até ficar homogêneo.

Coloque a massa na palma da mão e molde as bolinhas.

Frite em óleo bem quente.

Uma boa sugestão para acompanhar o bolinho de carne, além do limão, é um bom vinagrete.

Rendimento: 25 bolinhos

Para cozinhar mais:

Bolinho de feijoada do Aconchego Carioca e coxinha de frango com catupiry do Frangó

Bolinho de feijoada do e coxinha de frango com catupiry

Dois dos mais famosos petiscos de São Paulo mudam de casa nesta semana. É que, para comemorar seus aniversários, os bares Frangó (28 anos) e Aconchego Carioca (3 anos da filial paulistana) promovem um intercâmbio de receitas e rótulos próprios de cerveja. Até domingo (16 de agosto), o Frangó serve os bolinhos de feijoada e a cerveja Electra Bamberg do Aconchego, e o Aconchego oferece a coxinha e cerveja Colorado do Frangó. Boa desculpa para publicar aqui as receitas destas delícias.

Coxinha

Receita da família de Cássio Piccolo, do Frangó

Ingredientes
Massa
300 g de farinha de trigo
15 g de caldo de galinha em cubo
300 ml de água
30 ml de óleo

Recheio
200 g de frango cozido e desfiado
Catupiry a gosto
Sal a gosto
Salsinha a gosto

Finalização
Farinha de rosca para empanar
Óleo para fritar

Modo de fazer
Aqueça a água com o óleo e o caldo de galinha, em fogo baixo, por 5 minutos.
Adicione a farinha de trigo e mexa até formar uma massa homogênea. Reserve.
Tempere o frango desfiado com sal e salsinha e misture com o Catupiry.
Pegue um pouco da massa, abra na palma da mão e ponha uma porção de recheio no centro.
Modele as coxinhas, empane na farinha de rosca e frite em óleo quente.

Bolinho de feijoada

Receita de Kátia Barbosa, do Aconchego Carioca

Ingredientes
2 litros de água
½ kg de feijão preto
100 g de carne-seca dessalgada cortada em cubinhos
100 g de lombo defumado cortado em cubinhos
100 g de costelinha dessalgada ou defumada
1 linguiça calabresa em cubos
1 paio cortado em cubos
3 folhas de louro
2 colheres de sopa de azeite
3 dentes de alho
200 g de farinha de mandioca fina, sem torrar
1 colher de sopa de polvilho azedo
2 maços de couve cortada fininha
250 g de bacon em cubinhos para refogar a couve
2 dentes de alho para refogar a couve
Azeite quanto baste
Farinha de rosca para empanar
Óleo para fritar quanto baste
Gomos de laranja, torresmo e batida de limão para acompanhar

Modo de preparo
Em uma panela de pressão, coloque 2 litros de água, o feijão, as carnes e as folhas de louro. Cozinhe por aproximadamente uma hora (marque o tempo após o início da pressão).
Em um liquidificador, bata o feijão cozido com o caldo de carnes.
Em uma panela grande, aqueça o azeite, doure o alho e refogue o feijão batido. Verifique o sal. Acrescente aos poucos a farinha de mandioca sem parar de mexer até engrossar e soltar da panela. Retire do forno e deixe esfriar. Adicione o polvilho e misture até ficar uma massa homogênea. Reserve.
Em uma frigideira coloque o bacon com o alho, junte a couve e refogue por 2 minutos.
Abra pequenas porções de massa na mão. Coloque uma colher de chá de couve refogada, faça bolinhos e achate. Passe na farinha para empanar e frite em óleo quente.
Em uma travessa, coloque os bolinhos acompanhados de gomos de laranja, torresmo e uma batidinha de limão.

Para cozinhar mais:

Coquetéis e Sinatra

Este é meu: drink Soulless Gentleman, com whiskey Gentleman Jack, maple syrup, limão siciliano, bitter e tintura de chá Lapsang Souchong
Este é meu: drink Soulless Gentleman, que leva whiskey Gentleman Jack, maple syrup, limão siciliano, bitter Truth Peach Bitters e tintura de chá Lapsang Souchong

Na minha lembrança, coisas extraordinárias acontecem no hotel Maksoud Plaza. Criança, eu perdia o fôlego diante daquele lobby infinito, com um elevador panorâmico que me levava a um nível de empolgação ao qual hoje vista nenhuma é capaz de me alçar. Anos mais tarde, repórter em começo de carreira, fui enviada lá para uma entrevista coletiva com uma dupla sertaneja, errei de porta e me surpreendi ao encontrar o ator Christopher Lambert, o eterno “Highlander”, que promovia um filme em São Paulo. Outros tantos anos se passaram e, em um fim de tarde entendiado, eu e meu marido resolvemos tomar um drink no hotel. Ingressamos em um túnel do tempo acarpetado e solitário — na ocasião, éramos os únicos clientes do bar. Foi divertido, mas minhas memórias (e as da cidade) mereciam mais.

Agora o bar do saguão do hotel ganha uma nova chance (assim como o topo do prédio, que desde janeiro abriga a balada PanAm). Para começar, muda de nome: de Batidas & Petiscos para Frank. É uma homenagem a Frank Sinatra, que se apresentou no teatro do Maksoud em 1981, em quatro shows para 700 pessoas precedidos por jantares — o cardápio, segundo a Folha de S.Paulo, listava “lagosta cozida com pouco sal; fundo de alcachofra com creme sofisticadamente rosado e gostoso; filé mignon com molho repleto de azeitonas sem caroço e alguns cogumelos; doce recheado de chantilly (tipo mil folhas)”. Outros tempos.

Inaugurado no fim de abril, o novo Frank conta com um nome de peso da coquetelaria em São Paulo: o premiado Spencer Jr., ex-Isola e MyNY. Conhecido por seu negroni envelhecido em barril de bálsamo, o bartender serve clássicos e criações próprias (entre elas, versões de martínis e o Soulless Gentleman: whiskey Gentleman Jack, maple syrup, limão siciliano, bitter e tintura de chá Lapsang Souchong). A conferir na próxima happy hour.

Serviço: o Frank Bar fica aberto todos os dias, das 18h às 2h, no lobby do Maksoud Plaza (alameda Campinas, 150, São Paulo – SP).

Publiquei este texto originalmente na coluna O Caderno de Receitas da revista L’Officiel Brasil. Em tempo: os coquetéis também podem ser engarrafados para viagem.