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Telma Shiraishi: dos almoços de macarrão e sushi da infância ao Aizomê da Japan House

A chef Telma Shiraishi no Aizomê da Japan House (foto: O Caderno de Receitas)

Na minha coluna na Casa e Jardim deste mês, publico uma receita de conserva de maxixe de Telma Shiraishi, do Aizomê. Aqui no blog, além da receita, compartilho trechos da entrevista com a chef. Na conversa, ela me contou sobre seu mergulho nas raízes nipo-brasileiras para desenvolver uma cozinha japonesa autêntica e autoral, com ingredientes locais — que foram parar inclusive nas marmitas da princesa Mako do Japão em visita ao Brasil.

Neta de imigrantes, Telma chegou à gastronomia depois de tentar a medicina, a moda e publicidade. Acabou se tornando uma embaixadora da culinária do Japão. No sentido figurado e no literal. Desde 2018 é responsável por banquetes e recepções do consulado japonês em São Paulo. Em março deste ano, recebeu do governo japonês o título de Embaixadora da Boa Vontade da Difusão da Culinária Japonesa. E agora em abril inaugurou a segunda unidade do Aizomê, dentro da Japan House, centro cultural na avenida Paulista — lá sua missão é mostrar para mais gente que vale a pena conhecer a comida japonesa além do sushi de salmão.

Comida da infância

“Meus avós são imigrantes japoneses, meus pais já nasceram aqui. No final de semana se faziam mesas enormes, de 20, 30 pessoas, na casa de um avô ou de outro. Sempre tinha muita mistura: podia ter sashimis e churrasco, podia ter macarronada com sushi.  E sempre nesse tom de celebração, de encontro, de estar todo mundo junto, de partilhar.

Lembro da minha avó paterna supercontente e emocionada porque tinha conseguido ingredientes para fazer sushi. Naquela  época era muito difícil conseguir um bom arroz, uma alga nori. Alguém tinha trazido do Japão para ela, que serviu uma reunião de família.

Meu pai era gerente do Banespa no Largo da Batata. A gente morava na região e ia ao mercado de Pinheiros comprar peixe e outras coisas. Só que, depois que ele sofreu um assalto, decidiu se mudar para o interior. Dos 10 aos 17, morei em Paraibuna e era muito moleca. Quando não estava com um livro, eu estava no mato, vendo bicho, vendo planta. Também pescava muito com meu pai. A gente chegava com peixes e minha mãe morria de nojo, acabava que eu os limpava.

No interior era mais difícil ainda conseguir alguns ingredientes. Mas a gente tinha uma dieta muito variada. Minha mãe trocava receita com as vizinhas, uma era italiana, outra era libanesa…

Os vizinhos ou tinham fazenda ou tinham uma horta no quintal.  Lembro da minha mãe: ‘Hoje eu quero refogar uma couve, vai na vizinha’. Então eu ia correndo, tocava a campainha, a gente descia no quintal e catava a folha de couve no pé.  

Do lado de casa tinha uma árvore de sabugueiro que, quando dava flor, ficava cheia de borboletas. Tanto que tem uma soda de sabugueiro aqui (na Japan House). É um pouco disso que eu resgato.”

 

Mudanças de rumo

“Como eu tinha facilidade para estudar, [a família aconselhou]: ‘ah, vai ser médica’. E, como eu não tinha uma vocação muito nítida, falei: ‘vou tentar’. Não sei se por sorte ou por azar, passei direto na USP. Mas no terceiro ano, quando você começa em hospital e vê o ser humano em situações muito tristes e feias, percebe que o buraco é mais embaixo. Para mim, foi pesado. Na época a USP estava com um programa de formação de cientistas e tinha criado um curso Experimental de Ciências Moleculares. Fiquei um ano nesse programa, mas comecei a perceber que a minha vocação talvez fosse mais artística. Fiz um semestre de publicidade, aí fui estudar moda. Sempre fui meio excêntrica, pintava o cabelo de azul, roxo, laranja, vermelho, gostava de me vestir diferente. Acabei trabalhando dois anos com o Fause Haten, como assistente de estilo. Depois tive a minha primeira filha e fiquei um tempo em casa. Aos poucos comecei a trabalhar como freelancer em eventos. E cada vez mais as pessoas foram me pedindo para fazer a parte gastronômica. Até que uma prima do meu marido me ofereceu para comprar a parte dela num restaurante japonês moderninho que ela tinha aberto na Vila Olímpia com chef Shin [Koike]. Eu e o Shin deixamos esse restaurante lá e abrimos outro, um japonês para japoneses. Foi quando nasceu o Aizomê.

Desde o início, 12 anos atrás, estava claro que queríamos trabalhar fora dos padrões do que era corrente em restaurante japonês. O que estava na moda eram nos modelos americanos, com sushi de salmão, cream cheese, roll califórnia. E havia uma culinária japonesa mais ou menos tradicional restrita à comunidade, na Liberdade ou em Pinheiros. No Aizomê, todo o cardápio, a base de sabores, tudo foi pensado para os japoneses e principalmente para os japoneses da região da Paulista, onde estão as grandes sedes das empresas japonesas.”


Uma nipo-brasileira na cozinha

“No começo eu fazia tanto a parte administrativa quanto a cozinha do Aizomê. Depois de cinco anos o Shin quis fazer outros projetos e de repente eu estava sozinha. Uma mulher que nem é japonesa num restaurante voltado para japoneses.
Tive que ir mais fundo ainda. Depois de cinco anos eu já tinha entendido um pouco dos sabores. No Ocidente a gente fala em doce, salgado, ácido e amargo, para os japoneses o mais importante é o quinto gosto, o umami. Todas as preparações, o dashi, que é o caldo básico, e todas as técnicas são para realçar esse umami. O maior desafio foi entender isso e entender como você extrai isso dos alimentos e das combinações. Fiz isso viajando, indo aos mercados. E pesquisando muito, estudando muito.

Os primeiros dois, três anos que eu fiquei sozinha foram para mostrar para a clientela que a qualidade e os sabores estavam todos lá ainda, para ter a chancela de que a gente continuava a ser um restaurante sério. Não foi fácil. A maioria estranhou: uma mulher…

Tive ser dura com a equipe que tinha se formado ali. Falar: ‘a gente vai continuar e agora sou eu que estou aqui’. Os profissionais da velha guarda são machistas, o machismo não vem só dos clientes.

Meu trabalho foi no sentido de ser uma chef brasileira, nipo-brasileira, buscando trazer algo autêntico nos sabores, nas preparações e nas técnicas. Isso foi uma etapa. Depois eu me senti à vontade para brincar mais e colocar meus elementos, a minha história, as referências nipo-brasileiras.”

 

Japonês autêntico e local

“Talvez um dos pilares da culinária japonesa seja trabalhar frescor, sazonalidade e produtos locais. É por isso que a minha conserva tem maxixe e chuchu. É o que a gente tem aqui. Até porque, se você vai ao Japão, os sabores, as preparações, os pratos mudam de região para região, de ilha para ilha, de cidade para cidade. Cada local busca sua própria expressão de sabores. Tem que fazer sentido no entorno.

Desde o início nunca colocamos salmão no sushi bar. Sempre procurei trabalhar com os peixes da nossa costa.

Algumas coisas eu não consigo substituir. Shoyu, a maioria que uso ainda é importado. Kombu, a gente não tem aqui, é uma alga de águas frias, o melhor realmente vem do norte do Japão. Katsuobushi (conserva seca de bonito) também, e um ou outro temperinho. Mas talvez em dois terços do que eu utilizo tento privilegiar produção local. O arroz, de variedade japonesa, vem do sul do Brasil ou do Uruguai. O missô (pasta de soja fermentada), eu alterno alguns produtores artesanais do interior de São Paulo. No meu caldo, uso como base uma sardinha que é curada aqui em Cananeia, à moda japonesa. E uso muita verdura, legume, fruta… Uma das grandes contribuições da geração dos meus avós, quando veio ao Brasil, foi na agricultura, com todo o cinturão verde e essa variedade que a gente vê hoje em dia.

 

Pesar pelo desperdício

“O Japão já teve escassez séria de alimentos. Por conta disso houve as políticas de imigração e meus avós chegaram ao Brasil. Eles têm muito forte que tudo tem que ser você aproveitado. E tudo tem que ser agradecido como uma dádiva da natureza — ou de quem plantou, de quem colheu, de quem pescou, de quem produziu aquilo. Quando você está comendo e quando você prepara uma refeição, tudo isso está atrelado. Tanto que os japoneses começam e finalizam a refeição com uma expressão de agradecimento.

Mottainai é o pesar pelo desperdício. A gente é martelado desde pequeno: ‘Mottainai! Mottainai!’ Era a bronca da minha mãe quando a gente deixava comida no prato, quando jogava fora ou não aproveitava devidamente alguma coisa, como uma roupa. Na verdade isso não é só das coisas físicas. A gente também desperdiça energia, tempo.”

 

Hospitalidade

“Omotenashi é a hospitalidade japonesa. Existe o mínimo de de serviço eficiente e atencioso que você tem que ter. Mas o conceito japonês vai além: é fazer algo com o coração, fazer porque você se importa, por se colocar no lugar do outro e querer proporcionar uma experiência única. Isso você percebe em cerimônia do chá. Em cada xícara de chá que é servida, aquele encontro é único. Por mais que você tenha outra xícara, outro encontro com as mesmas pessoas, o momento, a energia, tudo muda. Cada interação é única.” 

 

Música e moda

“Eu toco piano desde os 5 anos de idade. Quando crio um prato ou cardápio ou uma refeição, penso muito em termos de uma orquestra ou de um concerto. De uma estrutura musical. Você tem a melodia, tem o fundo, tem os crescendos, tem um ritmo.

No visual, talvez eu pegue muita referência de moda: o volume,  textura, o caimento, a proporção.”

 

Marmita da princesa

“Quando a princesa Mako veio do Japão, estava com uma agenda apertada. Aí me pediram uma encomenda especial de obentôs (marmitas) para os dias em que ela estaria em trânsito e não teria tempo de parar em nenhum lugar.

Ela queria coisas leves e simples, e eu tentei colocar alguns sabores brasileiros, como o maxixe. Porque faz sentido para mim. Na minha cozinha, tem muita gente que veio do Nordeste, e eles me trouxeram o maxixe. Eu não conhecia e adorei. Fiquei pensando como conseguiria incorporar aquilo e veio essa receita do tsukemono (conserva). Minhas clientes japonesas foram as primeiras a ficar enlouquecidas. No Japão a cultura das conservas é muito forte, os mercados têm bancas especializadas nisso, com centenas de tipos.”

Tsukemono (conserva) de maxixe e cachaça do Aizomê

RECEITA

Tsukemono de maxixe e cachaça

Ingredientes

  • 10 maxixes bem verdinhos e novinhos
  • 1 colher de sobremesa de sal
  • 1 xícara de pinga
  • ½ xícara de vinagre de arroz
  • ½ xícara de shoyu (se tiver do shoyu claro melhor)
  • 1 pedaço com cerca de 3 cm de alga kombu (opcional)
  • 5 g de katsuobushi (peixe bonito seco) (opcional)

Modo de preparo

  1. Cortar os maxixes em quatro, salpicar com o sal e deixar descansar por pelo menos uma hora.
  2. Enquanto isso levar a aguardente ao fogo forte em uma panela. Cuidado, pois as chamas podem subir bastante ao flambar o álcool.
  3. Reduzir à metade, retirar do fogo e acrescentar o vinagre e o shoyu.
  4. Lavar os maxixes para retirar o excesso de sal e secar em papel toalha.
  5. Em um recipiente colocar o pedaço de alga kombu, os maxixes e acrescentar o líquido da panela. Adicionar o katsuobushi.
  6. Deixar marinando em geladeira por pelo menos 2 dias, virando os maxixes na mistura se necessário.
  7. Para servir basta retirar os maxixes do líquido e cortar em pedaços menores. O líquido da conserva pode ser reutilizado e dura de 10 a 15 dias.

Observação: A receita pode ser feita também com chuchu novinho. Se gostar, pode acrescentar algumas rodelinhas de pimenta dedo-de-moça.

Molho de alho e pimentão: versão de receita da chef Julia Child

molho de alho e pimentão - O Caderno de Receitas

Sou a favor de colocar mais molho na vida.

Uma boa opção é este molho de alho e pimentão, uma espécie de maionese turbinada capaz de levantar os ânimos de peixes, batatinhas, legumes, ovos, torradas…

Adaptei a receita do molho rouille que acompanha uma sopa mediterrânea de peixe no livro A Arte Culinária de Julia Child. O passo-a-passo completo da sopa vai entrar em breve aqui no blog e na newsletter, mas o preparo desse molho potente eu já vou adiantando por aqui.

Um fim de semana com bastante molho para você!

Receita

Ingredientes

  • 8 dentes de alho
  • Sal
  • Um punhado de manjericão
  • 3/4 de xícara de miolo de pão fresco picado (baguete ou outro)
  • 3 gemas
  • 1/3 de xícara de pimentão vermelho, sem as sementes nem as partes brancas
  • 3/4 de xícara de azeite
  • Pimenta-do-reino

Modo de preparo

  1. Com um socador, amasse o alho com 1/2 colher de chá de sal.
  2. Junte um punhado de folhas de manjericão e amasse mais.
  3. Adicione o miolo de pão, 3 colheres de sopa de água, as gemas e o pimentão e bata com um mixer de mão (ou passe para um liquidificador para bater).
  4. Incorpore ao molho 3/4 de xícara de azeite, beeeeem devagar, para formar uma espécie de maionese.
  5. Tempere com sal e pimenta-do-reino.

Para cozinhar mais

Ameixas assadas e chantilly de cachaça da chef Paola Carosella

Ameixas tostadas com chantilly de cachaça da Paola Carosella

Aprendi a fazer as ameixas assadas da Paola Carosella anos atrás, quando a entrevistei para a coluna que O Caderno de Receitas tinha na revista L’Officiel (hoje mantenho colunas no site da Casa e Jardim e na revista Crescer, confira lá). É uma delícia de receita simples, com gosto de fruta e sem açúcar em excesso. Pode ser feita de última hora, mas “com cariño e boas intenções”, como recomenda a chef.

Gosto de acompanhar as frutas de chantilly de cachaça, que Paola não ensinou, mas provei em seu restaurante La Guapa e resolvi reproduzir em casa. Mas elas também ficam gostosas com chantilly normal, iogurte, sorvete…

Da última vez que fiz, troquei o licor de amêndoas (amaretto) da receita original por licor de avelã (Frangelico). Se quiser uma versão sem álcool, vá de suco de laranja.

Receita

Ingredientes

  • 400 g de ameixas frescas
  • 1 fava de baunilha
  • 3 colheres de sopa de açúcar mascavo
  • 3 colheres de sopa de licor amaretto ou de avelã (ou suco de laranja)

Para o chantilly de cachaça

  • 500 gramas de creme de leite fresco
  • 2 colheres (sopa) de açúcar
  • Cachaça boa
  • Extrato de baunilha

Modo de preparo

  1. Pré-aqueça o forno a 180 graus.
  2. Lave e seque as ameixas.
  3. Corte-as no meio (pode deixar o caroço que não sair facilmente).
  4. Aqueça por 5 minutos uma travessa de louça ou vidro ou ferro dentro do forno.
  5. Abra a fava de baunilha no centro, retire as sementes e coloque-as dentro de uma bacia junto com o açúcar e o licor.
  6. Misture bem e coloque a fava aberta junto.
  7. Acrescente as ameixas e misture com as mãos por um minuto com cariño e boas intenções. Coloque na forma pré-aquecida.
  8. Leve ao forno por 10 minutos.
  9. Retire e coloque num prato bonito as ameixas e tente resgatar a maior parte do suco que soltaram. Regue as ameixas com essa calda.

Para o chantilly de cachaça

  1. Bata o creme até que comece a ganhar consistência.
  2. Sem parar de bater, acrescente aos poucos o açúcar, algumas gotas do extrato de baunilha e cachaça a gosto.
  3. Continue a bater até virar chantilly.

Para cozinhar mais:

Pudim de cappuccino – receita brasileira de uma avó romena

Pudim de cappuccino da chef Denise Gelberg, do Espaço D Gastronomia

A chef paulistana Denise Gelberg aprendeu a cozinhar com cartas enviadas pela avó. Então estudante de engenharia de alimentos em Israel, ela recebeu o curso por correspondência quando se deu conta de que não sabia fazer a própria comida – e que comer fora era caro. Com as instruções da avó materna, Lia Schamis, a neta logo estava preparando doces e salgados para os colegas de albergue. Hoje Denise é dona de restaurante, o Espaço D Gastronomia, e ainda coloca em prática as receitas da avó – como o pudim de cappuccino (um pudim de café) que ela ensina logo abaixo.

“Minha avó vivia em frente à TV, anotando receitas dos programas de culinária’’, lembra a neta, que herdou as anotações em folhas avulsas, hoje manchadas e amareladas (foto abaixo)

Lia era romena e se mudou para o Brasil pouco antes da Segunda Guerra. Aqui conheceu o marido – também romeno. Na cozinha, fazia pratos judaicos – vareniques, gefilte fish, língua – e outros bem brasileiros – bolo com goiabada, biscoitinhos de araruta, pudins.

Receitas de Lia Schamis, avó da chef Denise Gelberg, do Espaço D Gastronomia

Os pudins são o tema de um festival que Denise promove até dia 15/11 no Espaço D Gastronomia. É um jeito de falar de suas raízes: o pudim com café está entre os doces que ela mais gostava de comer quando visitava a avó Lia.

Receita de pudim de cappuccino

Ingredientes

400 gramas de leite condensado
2 latas de leite
4 ovos
10 gramas de café solúvel diluído em um pouquinho de leite quente

Modo de preparo

Bata todos os ingredientes no liquidificador. Em seguida, despeje em uma forma de furo, caramelada. Asse em banho-maria em forno a 145º por 40 minutos.

Pudim de cappuccino da chef Denise Gelberg, do Espaço D Gastronomia, visto de perto
Fotos: divulgação

Para cozinhar mais:

Livro Cozinha de Vó
Capa do Livro Cozinha de Vó - Mariana Weber - Superinteressante

Marilia Zylbersztajn — com pouco açúcar e com afeto

Um pouco da história da chef confeiteira que discute a forma como nos relacionamos com doces. E a receita — explicada — da torta de pera com crumble de cardamomo que desafiou os participantes do MasterChef

A chef confeiteira Marilia Zylbersztajn (foto: divulgação)

Marilia Zylbersztajn aprendeu com a mãe a máxima sobre alimentação que levou para os doces: um pouco de tudo e muito de nada. Em um país adepto do doce muito doce desde a época de colônia açucareira até o império dos brigadeiros gourmets, a confeiteira prefere pregar o equilíbrio. Suas tortas e bolos não demonizam o açúcar nem se lambuzam dele. Não são fit nem pé na jaca. São para comer todo dia — se você for sortudo.

“Não gosto de doce muito doce, não gosto de meleca”, diz Marilia. Da turma do sorvete sem chantilly e da torta de limão sem leite condensado, ela afirma que a opção por receitas enxutas é anterior à profissão.

Formada em psicologia, cozinhava por hobby até perceber que gostava mais de preparar quitutes para servir nas reuniões de trabalho do que de participar delas. O empurrãozinho final para a guinada coube à mãe, com quem ela “brincava de restaurante” desde a adolescência, fazendo almoços de domingo para 10, 15 pessoas.

Marilia seguiu o conselho materno. Deixou o emprego, vendeu o carro e partiu para a Califórnia, para estudar confeitaria e panificação na escola Le Cordon Bleu de São Francisco. De volta ao Brasil, trabalhou no D.O.M., de Alex Atala, depois passou a vender doces online até que, em 2014, abriu a própria confeitaria no bairro paulistano da Vila Madalena (hoje, há outra unidade no Itaim).

Suas criações priorizam ingredientes orgânicos e questionam nossa relação com o doce: o açúcar é só mais um elemento em suas tortas e bolos que levam muita fruta, castanhas, chocolate 70% cacau. Já foram premiadas várias vezes como as melhores de São Paulo. Mas tem freguês que estranha. “Doce tem que ser doce, porque, se não for doce, não é doce”, dizia meu avô Armando, e eu tenho a impressão de que, se provasse a torta de maçã que é um dos carros-chefes da confeitaria, ele se juntaria a esse fregueses desconcertados. Mas esta neta aqui gostou da leveza e da delicadeza da massa e do recheio.

Na torta de maçã e outras receitas de Marilia, há uma contenção, uma busca pela simplicidade para realçar o sabor dos ingredientes. Simplicidade com técnica e precisão, como descobriram os participantes do MasterChef incumbidos de reproduzir, quase às cegas, uma das criações da confeiteira: a torta de pera com crumble de cardamomo e noz-pecã. É essa receita que compartilho a seguir (com instruções, porque não estamos em nenhum reality show culinário).

Torta de pera, cardamomo e noz pecan da confeiteira Marilia Zylbersztajn (foto: divulgação)

(Fotos: divulgação)

RECEITA

Torta de pera com crumble de cardamomo e noz-pecã de Marilia Zylbersztajn

Ingredientes
Massa
200 gramas farinha de trigo
1 colher (sopa) de açúcar
100 gramas manteiga gelada em cubos
50 gramas de água gelada
Recheio
Compota de pera:
3 unidades firmes de pera willians
50 gramas de açúcar cristal
3 unidades de anis estrelado
½ unidade de fava de baunilha
6 unidades de pimenta-da-jamaica
Creme:
50 gramas de manteiga macia
85 gramas de açúcar de confeiteiro
3 unidades de cardamomo em fava
3 gemas de ovo
50 gramas de farinha de trigo
Crumble:
100 gramas de farinha de trigo
50 gramas de manteiga gelada
50 gramas de açúcar cristal
Raspas de 1 limão
100 gramas de noz-pecã

Modo de preparo
Massa
1. Em uma tigela, misture a farinha e o açúcar.
2. Adicione os cubos de manteiga gelada e trabalhe com as mãos até formar uma farofa.
3. Adicione água gelada aos poucos e trabalhe a massa até soltar das mãos.
4. Deixe a massa gelando por pelo menos 30 minutos antes de abrir.

Compota de pera
1. Descasque as peras e corte cada uma em quatro pedaços. Corte cada quarto em 3
pedaços, no sentido longitudinal, tirando o miolo.
2. Coloque as peras, o açúcar e as especiarias em uma panela e cubra com água.
3. Cozinhe a compota em fogo médio por aproximadamente 20 minutos até que as peras
fiquem macias, mas não desmanchem.

Creme
1. Bata a manteiga com o açúcar de confeiteiro peneirado até obter uma mistura
homogênea.
2. Junte as sementes de cardamomo trituradas e as gemas e misture até obter uma
mistura homogênea.
3. Junte a farinha de trigo e misture até incorporar.

Crumble
1. Misture a farinha e a manteiga gelada até obter uma farofa.
2. Adicione o açúcar e as raspas de limão.
3. Adicione as nozes picadas.

Montagem e finalização
1. Abra a massa em uma forma redonda de 23cm de diâmetro, de fundo removível, faça
furos na base e refrigere por 30 minutos na geladeira, ou 10 minutos no freezer.
2. Enquanto a massa refrigera, pré-aqueça o forno a 180°C.
3. Asse a massa por 25 minutos em forno pré-aquecido.
4. Deixe a massa pré-assada esfriar antes de montar a torta.
5. Espalhe o creme sobre o fundo da massa pré-assada.
6. Arranje as peras cozidas sobre o creme.
7. Espalhe o crumble sobre as peras.
8. Asse a torta por 45 minutos, até que o recheio esteja firme e o crumble dourado.

Para cozinhar mais: