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Moqueca capixaba – com um montinho ou um montão de coentro

Moqueca capixaba (Foto: O Caderno de Receitas)

Não existe moqueca capixaba sem coentro. Sem ele, você pode até fazer um bom prato, mas vai ter que chamá-lo de outra coisa. Talvez peixada, que é o jeito que o povo do Espírito Santo denomina a receita de peixe alheia: “Moqueca, só capixaba, o resto é peixada”, dizem cartazes nos restaurantes locais – pesquisando para este post, descobri que o bordão foi criado nos anos 1970 pelo jornalista Cacau Monjardim, então secretário de turismo capixaba.

Meu regionalismo de paulistana que passou a adolescência em Vitória não chega ao ponto de desdenhar o dendê e o leite de coco da moqueca baiana. Cada um que puxe a sardinha (ou o badejo ou o robalo…) pro seu lado, eu adoro os dois pratos. Tanto o baiano, intenso e rico em sabores de herança africana, quanto o capixaba, mais leve e fresco, em que se sobressaem o urucum indígena e o coentro herdado dos portugueses (presente também na versão baiana, mas aqui reinando).

A rivalidade interestadual entre moquecas é uma bobagem inevitável como tantas rixas entre vizinhos: a grama do outro ou está mais verde ou está tão feia que estraga a vista. De fora da disputa, ou quase, fica fácil para mim ver a suculência das duas. Mas a receita que adotei como familiar é a combinação capixaba de urucum e coentro.

Em São Paulo (e no mundo), muita gente torce o nariz para o coentro. Há quem atribua a aversão a fatores culturais: você teria que crescer comendo coentro para gostar dele. Outros citam uma origem genética: para parte da população, o cheiro do coentro remete a sabão ou percevejo (seu nome científico, Coriandrum sativum, deriva da palavra grega para o inseto, koris).

Não sou capaz de vestir o nariz dos outros, mas sei que na minha família paulista/paranaense a relação com o coentro se transformou com o tempo. Quando meu pais se mudaram de São Paulo para Vitória, eram do partido da salsinha. Nos restaurantes capixabas, tentavam em vão pedir moquecas livres de coentro: o máximo que conseguiam era uma vegetação rasteira no lugar de uma farta floresta da erva. Até que se renderam. Aprenderam a gostar do tempero local, e a usá-lo mesmo em casa.

Outro dia, de férias em Vitória, foi minha vez de preparar a moqueca. Na verdade, minha primeira vez (embora eu já tenha publicado aqui uma receita do restaurante Curuca). O peixe escolhido no mercado da Vila Rubim foi um dourado, de carne firme como o prato pede. Na feira da Praia do Canto, comprei tomate, cebola, farinha de mandioca (para o pirão) e urucum. O vendedor de temperos, seu Lourival Batista, me aconselhou a aquecer as sementinhas de urucum em óleo e depois coar o líquido – como opção, havia também o colorau, o pó avermelhado que tem uma mistura de urucum e outros elementos, como fubá de milho ou farinha de mandioca.

O vendedor de temperos Lourival Batista (foto: O Caderno de Receitas)
Seu Lourival, o homem do colorau e das sementes de urucum

Minha mãe comprou o coentro:

– Dois maços está bom, filha?

Está. Na verdade, usei um. Quem quiser que use mais ou menos. Mas ele é necessário. Assim como a panela de barro, que mantém o calor do prato fumegante. Se puder comprar uma das paneleiras do bairro de Goiabeiras, melhor ainda. Se não puder, que pelo menos seja uma panela larga o suficiente para acomodar todas as postas de peixe.

Também não pode faltar pirão, essa maravilha do gosto e do aproveitamento de todos os pedaços do peixe. “Pirão é sinônimo da própria alimentação brasileira”, diz Luís da Câmara Cascudo em História da Alimentação no BrasilNo livro está também o ditado:

Sem pirão,
Não vai não!

RECEITA

Ingredientes
1 limão
Sal
Pimenta-do-reino
2 colheres (sopa) de sementes de urucum
Azeite
500 gramas de cebola picada
500 gramas de tomate em cubos
1 quilo de postas de peixe de carne firme, como robalo, badejo ou dourado
Coentro fresco picado

Para o pirão
Azeite
150 gramas de cebola picada
150 gramas de tomate em cubos
1 xícara de farinha de mandioca
Cabeça e rabo de peixe
Sal
Coentro

Modo de preparo
Tempere o peixe com limão, sal e pimenta e deixe marinar na geladeira por pelo menos uma hora (aproveite e faça o mesmo com os pedaços que serão usados no pirão).

Em uma panela, aqueça o urucum rapidamente no azeite (para duas colheres de semente, usei cerca de 1/3 de xícara de azeite). O vermelho da semente logo vai colorir o óleo (foto abaixo). Desligue o fogo e espere esfriar para então coá-lo.

Sementes de urucum no azeite

Na panela de barro, refogue a cebola no azeite. Adicione umas duas colheres de sopa do azeite com urucum ao refogado. Junte os tomates e espere que amoleçam um pouco. Junte um pouco do coentro.

Disponha as postas de peixe no refogado, sem sobrepô-las. Tempere com sal e tampe a panela.

Desligue o fogo quando as postas de peixe estiverem cozidas, mas ainda firmes (para mim demorou uns 15 minutos; lembre-se que o peixe ainda vai cozinhar um pouco mais, já que a panela de barro retém bem o calor).

Espalhe mais coentro sobre a moqueca antes de servir.

Modo de preparo do pirão
Siga os mesmos procedimentos da moqueca. No final, retire os pedaços de peixe e despeje aos poucos a farinha, mexendo bem para não empelotar o pirão. Se precisar, acrescente água quente.

Para ler e cozinhar mais:

Pimentões recheados da Vó Helena

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Pimentões recheados de carne moída: o refogado deve ser bem úmido

Esta receita não saiu de nenhum caderno, mas da memória que eu tenho da minha avó Helena cozinhando. É comida simples, saudável, feita com cuidado por alguém que a vida toda trabalhou muito (em horas e intensidade) como professora de balé. Para mim, um prato com gosto de saudade.

Teste número 42: pimentões recheados
Fonte – Lembranças da comida da minha avó Helena.
Grau de dificuldade – Fácil.
Resultado – Ótima refeição caseira.

Ingredientes
1 cebola grande
1 dente de alho grande
Azeite
500 gramas de carne moída (usei capa de filé)
6 azeitonas pretas
1 lata de tomates pelados
Cominho, pimenta-do-reino e sal a gosto
Farinha de rosca (o suficiente para dar liga, cerca de 3 colheres de sopa. Outra opção é usar miolo de pão picadinho — acho que era o que minha avó fazia)
Coentro (acho que minha avó usaria salsinha, mas eu tinha coentro fresco em casa e resolvi colocar no prato)
3 pimentões verdes grandes (ou pequenos, em maior quantidade, se quiser porções individuais)

Modo de preparo
Em uma panela ou frigideira grande, refogue a cebola e o alho picados em um fio de azeite. Mexendo sempre, acrescente a carne moída e as azeitonas picadas. Quando estiver bem refogado, junte os tomates, previamente picados, e o cominho, a pimenta e o sal. Deixe secar um pouco, depois acrescente um pouco de farinha de rosca e o coentro picado. O recheio deve ficar bem úmido.

Corte fora a tampa de cada pimentão (a parte com o cabo e as sementes) e reserve. Pelo buraco, cuidadosamente retire com uma faca as partes brancas do interior.

Com uma colher, recheie os pimentões de carne moída. Recoloque a tampa e prenda com palitos.

Posicione os pimentões em uma travessa, regue com um fio de azeite e cubra com papel-alumínio. Leve ao forno quente. No final do cozimento, retire o papel-alumínio para dourarem um pouco.

Na hora de servir, retire os palitos. Esta receita vai muito bem com arroz, feijão e salada verde.

Saudade do coentro

Caldo de peixe com espuma de coentro e socol (embutido feito na serra do Espírito Santo)
Caldo de peixe com espuma de coentro e socol (embutido feito na serra do Espírito Santo)

Uma das boas lembranças da minha adolescência no Espírito Santo é a da moqueca capixaba fumegante que devorávamos depois de passar horas na praia alimentando a fome. Recém-chegada de São Paulo, minha família inicialmente torcia o nariz para a floresta de coentro que cobria as panelas de barro, mas logo se acostumou (até porque não tinha opção) e passou a apreciar a vegetação local.

Hoje, estou de volta a São Paulo. O coentro, que agora adoro, tempera as imagens dos fins de semana quando meus pais e os três filhos se aboletavam no carro para explorar a terra para onde nos transferimos. Parte da minha família continua lá. Para matar a saudade da comida, fui ao lançamento do Menu Capixaba no restaurante Brasil a Gosto, em São Paulo (atualização: o restaurante se transformou no Instituto Brasil a Gosto e abre só para eventos).

Compartilho abaixo duas receitas da chef Ana Luiza Trajano com inspiração na culinária do Espírito Santo. Para matar a saudade dos pais e da irmã (e dos pratos feitos do jeito tradicional, bem mais “coentrados”), já estou com as passagens compradas.

Caldo de peixe com espuma de coentro e crocante de socol

Ingredientes
10 g de alho
10 ml de óleo de urucum
450  ml de caldo de peixe
Sal a gosto
6 g de pimenta dedo-de-moça
20 g de coentro
10 ml de caldo de legumes
20 g de socol (um embutido preparado na serra do Espírito Santo; se não estiver no Espírito Santo e não achar o produto, sugiro usar presunto cru)

Modo de preparo
Em uma panela, doure o alho no óleo de urucum e coloque o caldo de peixe deixando-o reduzir 1/3 e ficar cremoso. Tempere com pouco sal e adicione a pimenta dedo-de-moça. Sirva quente com a espuma de coentro e o crocante de socol.

Para fazer a espuma de coentro, coloque em uma tigela o caldo de legumes frio e o coentro e bata com um mixer até incorporar os dois. Coloque a mistura em um sifão e reserve. No momento de servir, agite o sifão e coloque a espuma por cima do caldo de peixe.

Para o crocante de socol, corte o socol em fatias bem finas, espalhe em uma assadeira e leve ao forno a 160º C por 6 minutos, virando no meio do tempo. Quebre em pedaços bem pequenos e sirva dentro e por cima do caldo de peixe.

Moqueca capixaba

Na versão da chef Ana Luiza Trajano para a moqueca capixaba, o pirão vem na mesma panela que o peixe
Na versão da chef Ana Luiza Trajano, a moqueca leva coentro e cebolinha

Ingredientes
720 g de filé de abadejo
60 ml de azeite
20 g de sal temperado
40 ml de óleo de urucum
20 g de alho batido
1,5 l de caldo de peixe
80 g de cebola cortada em tirinhas
80 g de tomate cortado em tirinhas
30 g de cebolinha verde picada
30 g de coentro picado
2 pimentas dedo-de-moça
2 bananas-da-terra
Sal a gosto

Para o pirão
25 ml de óleo de urucum
15 g de alho
40 g de cebola picada
300 g de aparas de peixe
100 ml de caldo de peixe
60 g de farinha de mandioca
Sal a gosto

Modo de preparo
Tempere o peixe de véspera com o azeite e o sal temperado. Reserve.

Em uma panela, doure o alho em óleo de urucum e adicione o caldo de peixe, deixando-o reduzir 1/3. Em uma panela de barro, faça uma cama com metade da cebola e do tomate, coloque os filés de peixe por cima, cubra com o restante do tomate e da cebola, o coentro e a cebolinha picados. Adicione o caldo de peixe reduzido e deixe em fogo médio até que o peixe cozinhe. Coloque as bananas da terra cortadas em anéis transversais, acerte os temperos e sirva com o pirão de peixe.

Para o pirão, em uma panela média, doure o alho e a cebola no óleo de urucum. Adicione as aparas e o caldo de peixe, mexendo com um fouet para que os pedaços de peixe se quebrem. Quando cozidos, adicione a farinha de mandioca sem parar de mexer até que a farinha cozinhe e o pirão fique uniforme. Acerte o sal e sirva com a moqueca.