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Arroz de cordeiro do Factório (e das festas de Rosângela Calixto)

Arroz de cordeiro do restaurante Factório (foto: divulgação)
Foto: divulgação

Receita de mãe está no menu de novo empreendimento paulistano que busca mesclar conceito internacional com toques de comida caseira

Tem avocado toast e tem enroladinho de queijo meia-cura, tem shakshuka judaica e tem galinhada, tem cevadinha vegana ou com linguiça, tem conceito inspirado no norte da Europa e tem comida de mãe goiana – sem regras de mãe. Arroz com costelinha de manhã? Pode. Iogurte com morangos amassados e granola no almoço? Pode também. Coquetéis a qualquer hora? Por sua conta e risco. Instalado na rua Amauri, em São Paulo, o Factório, novo empreendimento gastronômico de João Paulo Diniz, Ricardo Trevisani e Renato Calixto, levanta a bandeira dos sem bandeira.

“Fazemos uma cozinha all day, sem rótulo, em que qualquer comida é servida em qualquer horário”, diz Calixto, que deixou em abril deste ano a sociedade do Nino Cucina e do Peppino. “Vegetarianos, carnívoros, apreciadores de bebidas alcoólicas ou de café vão encontrar opções para congregar à mesa.”

A aposta em comida saudável, com muitos vegetais, e em um serviço flexível, que acompanhe a tendência de refeições com menos regras, vem de pesquisas em cidades como Londres, Berlim, Copenhagen e Amsterdam. Já o gosto por promover reuniões em torno da comida vem de família, assim como parte dos pratos do Factório, inclusive o arroz de cordeiro que é a especialidade da mãe dele, Rosângela Calixto.

Nas quatro ou cinco festas por ano que aconteciam no apartamento de Rosângela em Goiânia, o arroz de cordeiro (receita abaixo) era obrigatório. “Se eu não fazia, os convidados reclamavam. Falavam: mas eu vim pra comer isso!”, diz ela. De família árabe, aprendeu esta e outras receitas com a mãe. “Aos seis anos, eu subia em um toquinho para ajudar na cozinha.” Advogada, Rosângela já teve cozinha industrial para produzir marmitas e uma empresa de catering para festas.

O filho deixou Goiânia, mas nunca deixou o arroz da mãe. Passou por Barcelona, pela italiana Bra (onde fez mestrado na Universidade de Ciências Gastronômicas mantida pelo Slow Food), por Copenhagen. Morando em São Paulo, com frequência trazia marmitas para os amigos. Agora, com a mãe trabalhando com ele no Factório, tem o prato favorito à disposição, tanto na versão original como na forma de bolinho. Outros arrozes – dois por dia, como o de suã ou o de galinha – se revezam no bufê que ocupa o salão na hora do almoço, mas o de cordeiro está fixo no cardápio.

Nas sobremesas, se for para continuar na toada caseira, há bolo de tapioca,  servido com creme de limão e sorvete de cítricos. Ou que tal um sorvete de matcha? Aliás, os sorvetes, sorbets, geleias, granolas e pães (de fermentação natural) são feitos no próprio restaurante – ou comedoria, como ele se anuncia.

Em breve, um minimercado vai ser instalado em um canto do salão de 384 metros quadrados do imóvel que já foi uma fábrica – o nome Factório alude a isso, e a decoração, de ares industriais, acompanha. Os sócios também planejam eventos, como uma feira de rua, para tentar recuperar a importância gastronômica que um dia a rua Amauri teve. “Queremos que ela volte a ser uma rota de destino, como a rua dos Pinheiros ou os Jardins”, diz Calixto.

Arroz de cordeiro de Rosângela Calixto

Ingredientes
500 g de arroz agulhinha
200 g de costela de cordeiro
1 perna dianteira (paleta) de cordeiro (de 800 g a 1 kg)
200 g de amêndoas
250 g de manteiga
4 dentes de alho
2 colheres (sopa) de sal
1 colher (café) de pimenta-do-reino
1 pitada de orégano
Azeite

Modo de preparo
Cozinhe as carnes (costela e paleta) com o sal, a pimenta-do-reino, o orégano e o azeite. Após uma hora e meia, tire a costela da panela e reserve. Siga cozinhando a paleta até completar 3 horas e meia ou até que a carne esteja saindo do osso. Preserve o caldo do cozimento!

Cozinhe as amêndoas em água até soltar a casca (cerca de 10 minutos em água fervendo). Retire as cascas e frite as amêndoas em manteiga para dourar.

Desfie 1/3 da carne da paleta e coloque no forno a 180°C para secar e dourar, formando chips de carne.

Em uma panela grande, coloque os 2/3 restantes da paleta com 200 g de manteiga e um fio de azeite. Quando fritar, acrescente o arroz e o caldo do cozimento das carnes.

Doure a costela no forno usando uma assadeira.

Em uma travessa, monte o prato por camadas. Primeiro o arroz, depois os chips de cordeiro, então as amêndoas e por fim as costelas.

Se quiser, decore com cebolas caramelizadas e ervas. Vagens também podem cair bem.

Rendimento: 4 pessoas

Para cozinhar mais:

Um banquete árabe no projeto Mesa da Vó

Este é o primeiro de uma série de posts sobre os almoços promovidos no Soul Kitchen Lab, em São Paulo, para recuperar o gostinho das refeições na casa da avó. Em cada encontro, uma cozinheira é convidada a preparar as especialidades que costuma fazer para a família

Edma Eluf - foto: Potyra Tamoyos / The Soul Kitchen Project

Acostumada com os banquetes preparados pela mãe libanesa, que recebia dezenas de pessoas aos domingos, Edma Maria Eluf Creazzo manteve a tradição da comida árabe e dos encontros ao redor da mesa – em escala reduzida, e com eventuais concessões para a cozinha italiana do marido.

Socióloga, psicóloga, mãe de dois filhos, avó de quatro netos, Edma conta que deixou a sociedade em uma empresa de embalagens para acompanhar de perto o crescimento dos netos. O mais velho, Frederico, de 15 anos, estava aprendendo a falar quando criou o apelido Badibá, que ela adotou com gosto, inclusive quando prepara profissionalmente refeições árabes, sob encomenda.

Hoje o que Edma mais gosta de fazer é cozinhar e reunir a família em torno da mesa. Foi exatamente o que aconteceu no primeiro encontro do Mesa da Vó, projeto que vai promover oito almoços com avós boas de cozinha no Soul Kitchen Lab.

A seguir, a história de Edma, contada por ela. E, no final, uma receita de coalhada, base para vários pratos que a família dela adora.

Mesa da Vó no Soul Kitchen Lab - foto: Potyra Tamoyos / The Soul Kitchen Project


“Gostaria de voltar no tempo para um dos almoços de domingo da mamãe. Eu participaria com um olhar muito diferente, mais amoroso. Como era uma coisa costumeira, às vezes a gente não dava valor. Eu diria para ela: obrigada por tudo o que você me deu, tudo o que fez por mim.

A cozinha é uma forma de expressar amor, e é importante que seja reconhecida para ser gratificante. Você se sente feliz quando alguém vai embora e diz ‘obrigada’. Se você recebe um elogio, é porque o olhar da pessoa bateu com o seu olhar quando você estava fazendo aquilo, quando estava demonstrando amor. É lindo esse ciclo.

Mamãe se sentia gratificada ao cozinhar e assim passou para os filhos o amor pela culinária. A casa dela era absolutamente agregadora. Nunca se sabia quantos apareceriam para almoçar no domingo. Meus pais nasceram em Zahleh, no Líbano, e aqui em São Paulo a residência deles era como uma embaixada. Amigos e parentes – 30, 40 pessoas – chegavam, cumprimentavam a mamãe na cozinha, depois saíam para o quintal e ficavam conversando. Até que ela batia as mãos: tá na mesa! Então servia aquele almoço maravilhoso, uma mesa fartíssima. Salada fatouche, quibe cru, quibe assado, quibe labanie (ensopado com coalhada), coalhada seca, homus, babaganuche, pães árabes, pistaches e amêndoas para aperitivar…

Crescemos dentro desse ambiente dos domingos. Era uma festa. O rádio sempre estava ligado em uma estação de música libanesa. Mesmo depois do almoço vinha gente para tomar o café e comer os doces. Ninguém nunca saía sem comer alguma coisa. Seria uma ofensa. Os doces árabes são maravilhosos, feitos com muita manteiga, muita massa folhada, muitas nozes, muito pistache, muito açúcar. São bem recebidos pelo paladar brasileiro porque o brasileiro usa muito açúcar.

Para cozinhar, mamãe fazia compras no mercado de secos e molhados, mas alguns insumos peculiares comprava de uma velha de turbante libanês que vinha à porta de casa, na Vila Mariana, com um saco nas costas. Ali havia o melhor trigo, a melhor pimenta árabe, as melhores especiarias, as melhores amêndoas, as melhores nozes, vendidos por quilo e pesados em uma balancinha. Anos e anos a gente também tomava leite direto da cabra: ouvia plim plim plim, corria para o portão, a empregada vinha com os copos e a gente bebia quantos copos quisesse, depois a mamãe enchia a jarra, pagava o homem das cabras e ele ia para outra casa, plim plim plim.

HERANÇA
Quando me casei, viajei de lua de mel e ao voltar a mamãe tinha arrumado uma empregada e a instruído em algumas coisas. Dei minhas orientações também, até que um dia percebi que estava comprando coisas da feira querendo transformá-las em comidas da minha história. De repente me vi cozinhando para o meu marido 67 dias sem repetir um prato. Foi como destampar uma arca. Apareceu um tesouro lá dentro, e esse tesouro era o conhecimento da culinária libanesa.

Ao elaborar os pratos, eu lembrava de como a mamãe fazia, então era fácil. O aprendizado veio de ver o prazer que ela tinha em cozinhar. Eu tenho esse amor pela cozinha, minha filha tem, meu filho tem, minha irmã, a filha dela, meu sobrinho, meus netos. Todos da família gostam de cozinhar. Está no sangue, é hereditário. Mas nunca cozinhávamos com ela, que comandava a cozinha com as empregadas e não gostava de muita gente ali, porque atrapalhava. Nós víamos, sentados em uma mesa na cozinha. Ou entrávamos para servir café, buscar uma água ou um guardanapo, assessorar em alguma coisa, mas nunca colocando a mão na massa.

O quibe cru da mamãe era algo que todo mundo dizia: o quibe cru da dona Najla não tem igual. E nós, eu, minha irmã, minha filha, fazemos o quibe cru da vovó. Não é segredo, é mão. E algumas chaves secretas. Essas chaves, cada prato tem uma. Elas custam milhões!

A MESA HOJE

Edma e famíllia - foto: Potyra Tamoyos / The Soul Kitchen Project
A reunião de todos os membros da minha família em torno da mesa me deixa mais feliz do que ir a um casamento, viajar, dançar, fazer um programa social, cultural, qualquer um. Mas antes a coisa acontecia naturalmente, hoje tem que ter planejamento, convite, aceitação, organização. Sempre um está mais ocupado que outro, um vai viajar…

Meus netos têm agenda. Tudo ficou mais difícil. Mas a tradição de comer na casa da avó, de comer as comidas da avó, isso nunca vai morrer, em cultura nenhuma.

Abençoado aquele que pode ter avó. Porque eu não tive avó, nem do lado da mãe nem do lado do pai. E não tem situação mais linda para mim do que ter sido avó. Meus netos são a continuação da minha família.

Meu genro e minha nora falam: essa avó faz tudo para eles. Faço mesmo, até coisas erradas, como dar iPad. Eles adoram jogar, porque na casa deles não pode, né? Aqui pode tudo. Quando eles vêm, coloco chocolate em um pote, faço os doces que querem… Juntar a turma é a melhor felicidade da minha vida. Pulo com eles, jogo futebol, nado, dou caldo neles e eles dão caldo em mim. Sou uma avó muito presente.

Edma e famíllia - foto: Potyra Tamoyos / The Soul Kitchen Project

COMIDA DE VÔ
Meu marido, de origem italiana, cozinha bem a comida que aprendeu com a mãe dele. A comida típica do Natal é fusilli, cabrito à caçadora e salada de escarola com tomate, alho e orégano. Ele também faz uma lasanha verde que é uma delícia, mas faz uma sujeira incrível.

Minha casa tem comida italiana, porque eu respeito a origem dele, ele é meu parceiro, tem que dividir. Mas ele adora a comida árabe. Quibe cru, ele come como ninguém. Ai, tô morrendo de fome, falando tanto de comida…

RECEITA DE COALHADA
Dou um curso de culinária, e o módulo de coalhada é o mais demorado. Também, tenho 18 pratos feitos com coalhada. É fácil prepará-la, mas é preciso prestar atenção na temperatura do leite.

coalhada - foto: Potyra Tamoyos / The Soul Kitchen Project

Ingredientes
1 litro de leite
1 colher de sopa cheia de iogurte natural

Modo de preparo
1. Ferva o leite, depois deixe que chegue à temperatura certa, que é bem quente, nem morno nem pelando. Para testar, faça círculos com o dedinho enfiado no leite enquanto conta até dez; deve estar muito quente, mas não insuportável.

2. Imediatamente despeje o leite em uma tigela disposta sobre um cobertor, uma toalha ou jornais. Acrescente na tigela o iogurte dissolvido em um pouco do leite e mexa de 10 a 15 vezes.

3. Feche a tigela com uma tampa de panela quente, aquecida no fogão, em seguida embrulhe tudo com o cobertor, formando um ninho, e não mexa mais.

4. Depois de seis horas, desembrulhe. O leite deve estar coalhado, como um creme duro. Leve à geladeira por uma ou duas horas para gelar.

5. A coalhada está pronta para ser comida crua, com cereais e frutas, ou usada como base para outros pratos.
Ela também pode virar coalhada seca, como um patê. Para isso, coloque-a em um saco de pano pendurado sobre uma bacia e deixe escorrer líquido por dois dias.”

 foto: Potyra Tamoyos / The Soul Kitchen Project

Mais informações: facebook.com/sousoulkitchenproject

Fotos: Potyra Tamoyos / The Soul Kitchen Project

Charutos de folha de uva e repolho — quitutes de uma síria no Brasil

Muna e a filha, Gawa, na aula de quitutes sírios

A comida que aprendeu a fazer com a mãe e a avó se tornou o ganha-pão da refugiada síria Muna Darweesh no Brasil. Em 2013, para escapar da guerra civil, ela, o marido e quatro filhos (o mais novo com 6 meses) deixaram para trás a cidade de Lataquia e se instalaram em São Paulo. Professora formada em literatura inglesa, Muna passou a vender na rua os quitutes que antes fazia só para a família. Hoje também aceita encomendas e dá aulas de cozinha no Migraflix, projeto que promove oficinas culturais com imigrantes. A próxima aula acontece no dia 20 de fevereiro.

Comidinhas e lembranças marcaram a tarde em que assisti a um curso de Muna e aprendi a receita a seguir. As lições culinárias valem a pena, mas a aula é imperdível mesmo pela oportunidade de ouvir as histórias da síria, contadas meio em inglês (com tradução), meio em português. “Nasci em uma cidade pequena e agradável no litoral do Mediterrâneo, cheia de flores e com um cheiro muito bom”, diz. “Damos muita importância para a comida. A família se reúne à mesa todo dia.”

Os charutos, segundo Muna, são para ocasiões especiais, porque demandam tempo. Quanto aos ingredientes, ela diz ter encontrado facilmente nos mercados paulistanos. “Os libaneses trazem tudo. Quando cheguei, pensei que estava no Líbano, e não no Brasil!”, brinca.

Ingredientes
(para 20 pessoas)
1 quilo de folhas de uva ou de repolho
1 quilo de arroz
200 gramas de carne moída
2 colheres de sopa de tempero sírio
2 colheres de sopa de sal
6 colheres de sopa de manteiga ou margarina
Suco de 10 limões
2 cubos de caldo de galinha (podem ser substituídos por pedaços de carne e osso de boi ou cordeiro)

Modo de preparo
Para preparar as folhas, coloque-as em água fervente por cinco minutos — faça isso aos poucos, com algumas folhas de cada vez.

Para o recheio, misture o arroz, a carne, o tempero sírio, o sal e a manteiga.

Em um prato, coloque a folha de uva com o lado exterior para cima. Disponha sobre ela uma linha fina de recheio, no sentido horizontal. Dobre as duas laterais da folha para dentro, depois a enrole de baixo cima. (Para o de repolho, corte cada folha na metade, no sentido do talo, depois siga os mesmo procedimentos. Apare as sobras e as reserve.)

Posicione os charutos lado a lado em uma panela com água suficiente para cobri-los bem e os cubos de caldo esmigalhados (ou coloque no fundo da panela os ossos e pedaços de carne e, sobre eles, os charutos; depois cubra com água). Se fizer o charuto de repolho, cubra o fundo com as aparas e acrescente ao caldo alho em pedaços.

Para evitar que os charutos se mexam e se desfaçam na panela, ponha sobre eles um prato fundo invertido e, em cima dele, um pote com água para fazer peso. Cozinhe por cerca uma hora, com atenção para que a água não seque.

A montagem que mantém os charutos no lugar durante o cozimento

Quando os charutos estiverem cozidos e ainda quentes, despeje sobre eles o suco de limão, em seguida os escorra.

No final, entra o suco de limão

Serviço:
Para ver o calendário de cursos, entre no site do Migraflix.

Para encomendar os quitutes de Muna, acesse a página Muna – Sabores & Memórias Árabes no Facebook.