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Quando o bacalhau com dendê encontra o arroz japonês

Shoichi Iwashita e a mãe, Irene
Shoichi e a mãe, dona Irene

Este relato faz parte de uma série de depoimentos sobre as delícias e as histórias da cozinha materna

*Por Shoichi Iwashita

De um pai xintoísta/budista (no Japão, todo mundo pratica rituais das duas religiões) e de uma mãe baiana iniciada no candomblé e hoje espírita, nascemos eu e minha irmã. Filha mais velha de nove irmãos, nascida no interiorzão da Bahia, Irene, minha mãe, era responsável por cuidar da casa, de todos os irmãos e da cozinha, além de ajudar a mãe nos partos dos filhos mais novos. As dificuldades financeiras eram enormes. Talvez por isso, aqui em casa a geladeira precisa estar sempre abarrotada e dona Irene simplesmente não consegue fazer pouca comida (heranças das dificuldades passadas marcadas na alma, costumo dizer para ela). Não peça para ela fazer o seu prato, mesmo que você lhe diga que está sem fome e quer “só um pouquinho”. Acho que, assim como acontece com todas as pessoas que gostam de cozinhar, ato indissociável da generosidade de compartilhar não só a comida, mas prazer, felicidade, convívio, sua satisfação é ver todos comendo muito. Pratos e panelas vazias.

Um dos meus pratos favoritos da cozinha da dona Irene é o bacalhau com batata e azeite de dendê e leite de coco, que a gente come com um pirão feito do caldo e com arroz japonês (aquele só cozido, sem tempero algum; a untuosidade do azeite e o pequeno formato arrendondado dos grãos de arroz japonês – o nihonmai – fazem com que a gente tenha no prato um risoto improvisado). E a receita, além de saborosíssima, não é nada difícil.

Esse bacalhau, com sabores da Bahia, de Angola, com um pé no terreiro, é o prato preferido do meu pai e de todos os seus amigos japoneses que limpam as panelas quando vêm jantar aqui”

Com um quilo de postas altas de bacalhau dessalgado, você pode usar meio quilo de batatas cortadas ao meio. Pique duas cebolas, três tomates, dois pimentões, uma xícara de azeitonas, um maço de coentro, salsa e cebolinha, e misture tudo. Numa panela grande, forre o fundo com uma camada de tempero, uma camada de batata e, por cima, uma de bacalhau. Vá alternando (mais uma camada de tempero, uma de batata e mais uma de bacalhau). Por último, acrescente 200 ml leite de coco e 200 ml de azeite de dendê. Nada mais. Feche a panela e ligue o fogo. Aí, é só observar o ponto do bacalhau e o das batatas.

Se o sabor do bacalhau com todos esses temperos é superlativo, eu adoro o pirão feito com o caldo que equilibra os sabores na boca. Para fazer o pirão, é só coar um pouco do caldo numa panela pequena. Molhe uma xícara de farinha de mandioca com água e misture com o caldo. Ligue o fogo e mexa sempre até que a massa comece a se desprender da panela.

Esse bacalhau, com sabores da Bahia, de Angola, com um pé no terreiro, também é o prato preferido do meu pai e de todos os seus amigos japoneses que limpam as panelas quando vêm jantar aqui, para a felicidade de dona Irene. E aí, ela fala toda orgulhosa: “Viu, comeram tudo e não passaram mal com dendê!”.

*Shoichi Iwashita, filho de mãe baiana e pai japonês, é editor do site Simonde.

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Moqueca de pititinga – no tabuleiro da baiana tinha

moqueca de índio

No tabuleiro da baiana de Salvador, não tem mais. A moqueca de índio, ou de folha, é um dos pratos pesquisados pela chef Leila Carreiro para o Dona Mariquita, restaurante soteropolitano que resgata comidas de rua de diferentes regiões da Bahia. Segundo ela, o tira-gosto de pititingas (manjubinhas) assadas em folha de bananeira sobre fogareiro, antes comum na capital, sobrevive no Recôncavo, onde ganha o nome de moquequinha. Você pode prepará-lo em casa seguindo a receita enviada pela chef.

Ingredientes
400 gramas de pititingas (manjubinhas)
3 dentes de alho
Sal
Coentro
2 pimentas malaguetas
Limão
Azeite de oliva
1/2 folha de bananeira assada
Para acompanhar
Discos de tapioca torrada

Modo de preparo
Lave a pititinga em água corrente e, depois, tempere com alho, sal, coentro, pimenta malagueta e um pouco do suco do limão.

Deixe 3 minutos marinando com um fio de azeite de oliva.

Faça um pacote com a folha de bananeira e coloque as pititingas temperadas para assar.

Coloque também os disquinhos de tapioca torradas no forno até ficarem mais crocantes.

Abra o pacote para tirar o calor e sirva com os discos de tapioca torrada.


Para cozinhar mais:

Uma ambrosia acidental

Quem não tem ovos nevados come ambrosia

Vou falar a verdade. Eu queria mesmo era fazer os ovos nevados que a minha avó Viquinha costumava servir. Mas o creme talhou. Uma pena. Eu já estava pronta para jogar jogar fora aquela mistura de gemas, leite, açúcar, baunilha e raspas de limão quando… Espera, parece ambrosia!

Encontrei a receita que eu procurava no livro 500 Anos de Sabor, lançado 16 anos atrás, no 500º aniversário do descobrimento do Brasil. Nele, a autora, Eda Romio, conta que as combinações de leite, açúcar e ovos já faziam a fama de Portugal antes de Cabral desembarcar por aqui. Os doces de gemas, especialmente, abundavam, pois muita clara era empregada nos conventos para produzir hóstias e engomar as roupas usadas pelos religiosos.

Peguei no livro o passo-a-passo da ambrosia, que reproduzo abaixo, e adaptei. Na minha versão, a calda de açúcar só entrou em um passo posterior (eu a adicionei à mistura de leite e ovos já talhada e cozinhei um pouco mais). Também usei um pouco menos de açúcar (mesmo assim ficou dulcíssimo) e acrescentei raspas de limão.

Quanto às claras que sobraram, talvez eu faça com elas uma mousse de fruta ou suspiros. E o ovos nevados ficam para outro dia.

Ingredientes
2 xícaras de chá de açúcar (usei “só” 1 e ½)
Água
6 gemas
½ litro de leite
Essência de baunilha (usei uma fava vazia de baunilha que eu mantive guardada em um pote de açúcar)
Canela
Raspas da casca de um limão (acréscimo meu; a receita do livro não pedia)

Modo de preparo
Fazer uma calda bem rala com o açúcar e a água. À parte, bater as gemas, misturar com o leite, bater mais um pouco e acrescentar à calda, levando ao fogo brando. Os ovos vão coalhar. Mexer de vez em quando, e de leve, com um garfo. Juntar a baunilha (e as raspas de limão) e deixar cozinhar por mais 10 minutos (eu deixei bem mais, uns 30 no totalminutos), em fogo bem baixo. Deixar esfriar, colocar em compoteira e polvilhar com canela (eu não esperei esfriar para, com cuidado, misturar a canela e guardar na geladeira).

Cuscuz de camarão do menu natalino do Charlô

Buffet Charlô / Foto: Rogério Albuquerque

Há alguns meses, entrevistei Charlô Whately para a coluna d’O Caderno de Receitas na revista L’Officiel Brasil. Na ocasião, fiquei sabendo que o chef começou preparando encomendas na cozinha da avó —  foi esse pequeno negócio que deu origem ao buffet e ao bistrô Charlô (e mais recentemente, ao restaurante e deli Cha-Cha). O caderno de receitas da avó, aliás, ainda é uma fonte importante para ele. “Sou bem comfort food”, disse Charlô na entrevista. “Gosto de volta às coisas antigas, de comida gostosa mas simples e de ingredientes bons.”

Um exemplo de comida tradicional, comfort e gostosa: cuscuz de camarão. O prato, que faz parte do menu de Natal do Buffet Charlô, era também um clássico das refeições especiais na casa da minha avó materna (preparado pela Regina, cozinheira incrível). A receita abaixo é do Charlô.

Ingredientes
Para a massa do cuscuz:
300 gramas de farinha de mandioca biju
400 gramas de farinha de milho
800 gramas de camarão médio limpo sem rabo
200 mililitros de azeite de oliva
200 gramas de bacon picado em cubos pequenos
180 gramas de cebola picada em cubos
400 gramas de tomate sem semente picado em cubos
100 gramas de extrato de tomate
15 gramas de pimenta dedo-de-moça picada (sem semente)
250 gramas de repolho picado em cubos pequenos
2 litros de caldo de camarão
200 gramas de palmito em conserva picado
150 gramas de azeitona verde sem caroço picada
10 gramas de salsa picada
200 gramas de ervilha em conserva
Sal
Pimenta-do-reino

Para decorar:
4 unidades de camarão pistola cozido (limpo e sem o rabo)
2 ovos caipiras cozidos

Para a guarnição:
45 unidades de camarão pistola limpo com rabo
Sal
Pimenta-do-reino
20 ml de azeite (para temperar)
40 ml de azeite (para refogar)

Rendimento: 20 porções

Modo de preparo
Em uma tigela misture as farinhas e reserve. Em uma frigideira aquecida coloque um fio de azeite e refogue o camarão médio até que esteja rosado. Reserve. Em uma panela grande aquecida coloque o azeite e acrescente o bacon e a cebola, quando dourar junte os tomates, o extrato de tomate e a pimenta dedo de moça e refogue por 2 minutos. Depois coloque o repolho e deixe cozer até que esteja macio, em seguida acrescente o caldo de camarão, o palmito, as azeitonas, a salsa picada, as ervilhas e o camarão médio refogado. Assim que levantar fervura reduza o fogo. Ajuste o sal e a pimenta.

Com o fogo reduzido, acrescente as farinhas aos poucos e vá mexendo até virar uma massa consistente. Deixe cozinhar por 5 a 10 minutos mexendo de vez em quando para não queimar o fundo.

Unte com azeite uma forma de 30 centímetros com buraco no meio e decore o fundo da forma com o camarão pistola cozido e as rodelas de ovo. Coloque a massa ainda quente e vá apertando na forma até que fique rente à borda.

Desenforme ainda morno e sirva com o camarão pistola em volta.

Modo de preparo da guarnição
Tempere o camarão com sal, pimenta e azeite. Deixe descansar por 15 minutos.

Em uma frigideira aquecida, coloque o azeite e salteie o camarão até que esteja rosado. Esse processo leva aproximadamente 5 minutos.

(Foto do prato: Rogério Albuquerque / Divulgação)