Estrogonofe de Janaina Rueda na merenda escolar de São Paulo
Estrogonofe de Janaina Rueda na merenda escolar (foto: reprodução do Instagram)

Está faltando mãe no poder. Foi o que me passou primeiro pela cabeça ao ouvir a chef Janaina Rueda descrever como eram as merendas em 2016, quando ela começou a refazer o cardápio das escolas estaduais de São Paulo trocando produtos industrializados por ingredientes frescos.

Eu já sabia que o projeto em que Janaina trabalhava como voluntária tinha sido suspenso de uma hora para outra, ou de um governo para o outro, no fim do ano passado. Tinha lido na Folha de S.Paulo que a chef, responsável pelo treinamento de 1.600 merendeiras em três anos, fora jogada para escanteio ao mesmo tempo em que o cardápio andou para trás. Mas uma coisa é ler, outra coisa é ouvir pessoalmente. Foi um soco no estômago escutá-la falar sobre o caso no Food Female, evento que reuniu em São Paulo mulheres que trabalham com alimentação.

Janaina Rueda - Food Female
Janaina no Food Female, evento que aconteceu na última terça na Unibes Cultural, em São Paulo

“Sabe Whiskas de gato? Muito parecido, são uns pouches que ficam fora da geladeira durante dois anos mais ou menos”, contou ela sobre a carne pré-cozida e embalada a vácuo que costumava ser servida às crianças. “Fora isso tinha feijão enlatado, almôndega enlatada com molho rosé… Falei: não vou trabalhar com esse tipo de produto porque não gostaria que meu filho comesse e não quero que os filhos do outros comam.” (E criou novos pratos com ingredientes in natura, de estrogonofe a peixada, que chegaram a 2 mil escolas.)

Ouvindo Janaina, pensei em como ter filhos é oportunidade imensa de desenvolver empatia (uma oportunidade que nem todos aproveitam). A gente sente na própria carne qualquer dor da cria, talvez por isso fique mais permeável às aflições do mundo. Quem sabe também tenha uma propensão menor a alimentar criancinhas com troços que parecem ração? Daí a ideia: colocar mais um monte de mães no poder (porque de pais com poder o mundo já está cheio).

Mas, analisando melhor, a solução não está na maternidade, não. Porque ali estava eu, na plateia da Unibes Cultural, cercada de mulheres, mães ou não, que se emocionaram com o depoimento de Janaina — uma delas, a secretária de Desenvolvimento Econômico da cidade de São Paulo, Aline Cardoso, se comprometeu a falar com o governo de Doria sobre a suspensão do trabalho da chef (a acompanhar).

Talvez as mulheres em geral tenham uma capacidade maior de empatia (um estudo da Universidade de Cambridge diz que sim; na média, é claro). E, se tem uma coisa de que o mundo precisa, é de políticos capazes de entender as necessidades dos outros, e não só as do seu clubinho. Capazes de calçar o sapato dos outros e perceber onde aperta; ou sentar na cadeirinha do refeitório e experimentar o prato do dia. Por exemplo: como você se sentiria se cogitassem trocar o molho de tomate fresco por molho em pó?

Mas aí, depois do Food Female, eu li mais: além de abandonar os menus da Janaina, o governo serviu nas escolas carne de frigorífico interditado pelo Ministério da Agricultura (depois de uma reportagem revelar isso, três funcionários do governo foram demitidos). Quer saber? Ainda sou a favor de maior presença feminina no poder, mas aqui a questão é mais básica. Ninguém precisa ter filhos ou ser mulher para cuidar da merenda. Basta ser gente, mas gente do tipo que vê números — como 3,7 milhões de alunos da rede estadual — e consegue lembrar que são crianças. Ou seja: gente que enxerga gente.