O Projeto Mesa da Vó entrou em cozinhas paulistanas de diversas origens. Uma delas é a de Hideko, filha de japoneses que vieram ao Brasil para trabalhar na lavoura de café – e avó da chef confeiteira Carolina Iwai, da Amma Chocolate
Fotos: Potyra Tamoyos / The Soul Kitchen Project
Hideko Oda Furuyama, 88 anos, fala pouco. Sentada diante da câmera, responde com sorrisos e poucas palavras às perguntas sobre a infância, os pratos preferidos, a cultura japonesa. Algumas vezes hesita, sem jeito: “Não lembro bem”. Até que se levanta para preparar bardana. Em pé diante do fogão, tem movimentos precisos, postura ereta, segurança ao dosar temperos e explicar procedimentos. Enquanto os ingredientes giram na panela, começam a fluir histórias: a chegada dos pais ao Brasil, ainda adolescentes, vindos do Japão para trabalhar em cafezais paulistas; as caminhadas de dezenas de quilômetros até sítios de amigos; os lanches de bolinho de arroz e omelete levados nos passeios.
É assim, em torno da comida, que rodam as histórias do projeto Mesa da Vó. Na série de almoços promovidos no Soul Kitchen Lab, em São Paulo, sabores e gestos buscam o tempo perdido na memória. E ajudam a preservá-lo. Atrás de Hideko, por exemplo, está, atenta, orgulhosa, a neta Carolina Iwai, chef confeiteira da Amma Chocolate. Foi ela quem indicou a avó a participar do projeto. E é ela quem discorre sobre o que torna comida de vó algo especial: “É a preocupação, o amor de quem está sempre pensando: você vai passar fome? Não pode passar fome!’”.
Esse cuidado se traduzia, por exemplo, nos bentôs de onigiri (bolinho de arroz) acompanhado de tempurá, omelete ou salsicha que a avó fazia questão de preparar para as netas quando iam passear na rua 25 de Março. Se traduz também na atenção ao preparar suas especialidades, como a bardana com shoyu que parentes tentam repetir mas não conseguem fazer igual. Outro favorito da família é a feijoada.
Como tantos outros imigrantes e descendentes, Hideko cozinha com elementos daqui e de lá. Seu caderno de receitas, com pratos bem brasileiros, como pão de mandioca, bolo de fubá e rocambole salgado, divide espaço com uma edição de 1953 do livro Dona Benta. Mas ela faz também um manju (bolinho de feijão doce) que coloca um sorriso no rosto da neta confeiteira.
Hideko aprendeu com a mãe os pratos brasileiros. Esta, não teve opção a não ser se adaptar aos costumes da nova terra. Chegou ao Brasil aos 16 anos, com um casal de vizinhos que, sem filhos, obteve a autorização da família da moça para levá-la com eles. “Minha mãe aprendeu mais comida brasileira, porque mesmo se quisesse fazer comida japonesa não tinha o tempero e as outras coisas de que precisava”, diz Hideko. Mais do que a falta de matéria-prima, havia a barreira da língua. “Como não sabia português, quando queria um ovo, uma galinha, uma verdura, ela nem tinha como falar.”
Mesmo a bardana que hoje é especialidade de Hideko nem sempre esteve à mão. “Antigamente era difícil ter, só depois que a gente passou a comprar semente e plantar.” Agora, a bardana vem do mercado mesmo, geralmente do bairro da Liberdade. Entra em uma receita simples, mas de sabor rico e textura crocante. O pulo do gato está em deixar o vegetal de molho em água antes do preparo, para o caldo não escurecer. E em ter a boa mãe de Hideko, que faz tudo no olhômetro, sem anotar as quantidades.
RECEITA
Bardana com shoyu
Ingredientes
Bardana
Óleo de girassol
Shoyu
Açúcar
Pimenta dedo-de-moça
Modo de preparo
Raspe a película que envolve as bardanas e coloque-as imediatamente de molho em água.
Corte a bardana em tiras finas – você pode usar um ralador ou descascador para fazer isso.
Aqueça um pouco de óleo em uma panela e jogue a bardana. Em seguida, adicione o shoyu, um pouco de açúcar. Mexa, experimente e, se preciso, acerto o sal. Adicione a pimenta bem picada.
Mexa até que a bardana esteja cozida, mas ainda crocante.
A chef confeiteira Carolina com a avó Hideko
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Mesa da Vó
A cada edição do Mesa da Vó, uma cozinheira foi convidada a servir para parentes, amigos e clientes pagantes as especialidades que costuma fazer para a família. As histórias contadas durante o evento e em conversas na casa da convidada abastecem vídeos e textos produzidos em parceria entre o Soul Kitchen e o site O Caderno de Receitas.
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