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Ovos nevados — ou nacos de céu

Ovos nevados - O Caderno de Receitas

Nadei bastante até acertar essa sobremesa. Na memória, claras de textura etérea flutuavam como ilhas sobre um mar de creme aveludado (daí o nome em francês, îles flottantes — ilhas flutuantes). Ou como nuvens no prato. Porque, na minha família, ninguém falava îles flottantes, mas ovos nevados, e eu, menina dos trópicos, ouvia neve e pensava em nuvem. Mordia pedaços do céu sempre que minha avó Viquinha fazia o doce — e ela fazia muitas vezes, mas não tantas a ponto de se perder o caráter delicado e festivo. Ovos nevados eram reservados aos almoços ou jantares de adultos bem vestidos, reunidos em torno da mesa para contar histórias que eu nem sempre entendia. Tampouco entendi a receita quando tentei reproduzi-la a partir do que minha avó anotou em um de seus cadernos.

Doce com ovo é coisa para gente grande. Espere demais, murcha. Esquente demais, empelota. Esquente de menos, está cru. Pare de bater, desanda. Fiz praticamente tudo isso na minha primeira tentativa de materializar as lembranças dos ovos nevados. As claras em neve definharam, o creme inglês degringolou e virou uma ambrosia acidental.

Pelo visto, eu não era a única a sentir saudades da sobremesa. Minhas tias que acompanham o blog me perguntavam quando eu faria os ovos nevados da vovó. Uma delas, Esther, no meu último aniversário mandou uma mensagem contando que, em viagens, tenta comer île flottante sempre que encontra no cardápio. Sua favorita nessas andanças é a do Café Constant de Paris. Também comi uma dos deuses no restaurante Le Relais de la Diligence, em Mersault, na Borgonha. Quase tão boa quanto a da minha avó… Um detalhe é que os franceses muitas vezes jogam caramelo e amêndoas por cima das claras, e minha avó jogava raspinhas de limão. O toque cítrico é bem-vindo.

Quando minha mãe veio a São Paulo para o Natal, resolvi tentar novamente. Desta vez, teria a assistência dela, ou pelo menos o apoio moral. Também pesquisei no livro Receitas com Ovos, de Michel Roux, porque o caderno de receitas da minha avó não falava nada de tempos nem explicava procedimentos ou especificava quantidades (ela indicava três garrafas de leite, mas não sei bem o que isso significava na década de 1950, e sugeria açúcar à vontade).

Atentas a cada passo, eu e minha mãe conseguimos uma boa sobremesa para a ceia. Agora que já fiz, nem parece difícil.

Teste número 75: ovos nevados
Fonte –  Caderno de receitas da minha avó Viquinha.
Grau de dificuldade – médio.
Resultado – Um pedaço do céu.

Ingredientes
6 ovos
1 litro de leite
1 xícara e meia de açúcar
Óleo
Raspas de um limão
1 fava de baunilha cortada no sentido do comprimento ou gotas de extrato de baunilha
Canela em pó

Modo de preparo
Separe gemas e claras.

Bata as claras em neve, então polvilhe ¾ de xícara de açúcar por cima e bata mais, até ficarem bem firmes, a ponto de poderem ser cortadas.

Em uma panela larga, aqueça o leite, ½ xícara de açúcar e metade das raspas de limão (só a parte verde; a branca é amarga). Quando começar a ferver, baixe o fogo para não espumar.

Posicione uma tigela de água fria perto da tigela com as claras e o fogão. Usando uma colher grande, pegue uma colherada de claras batidas. Afunde a colher no leite para que a ilha se solte. Limpe a colher na água fria, então pegue outra ilha e coloque no leite. Deixe que as ilhas cozinhem pelo menos dois minutos de um lado, depois as vire e cozinhe outros dois minutos. Retire com uma escumadeira, deixe escorrer um pouco sobre um pano, depois transfira para uma tigela. Repita o procedimento até dar conta de toda a clara (na minha panela, cozinhei duas ou três claras por vez; mais do que isso, era difícil movê-las com a colher e a escumadeira). Reserve as claras cozidas na geladeira.

Acrescente a baunilha ao leite e suba o fogo para médio.

Em uma tigela, bata as gemas com o restante do açúcar até chegarem ao ponto de fita (quando escorre do batedor, a mistura forma uma fita).

Despeje gradualmente o leite fervente sobre as gemas sem parar de batê-las, depois volte a mistura para a panela. Em fogo baixo, siga mexendo com uma espátula ou uma colher de madeira. Estará pronto quando o creme formar uma camada fina sobre a madeira do utensílio, e um dedo passado sobre essa camada abrir uma trilha que não se fecha imediatamente. Tire então do fogo e espere esfriar mexendo de vez em quando.

Despeje o creme frio sobre as claras em neve. Polvilhe canela e salpique as raspas de limão restantes. Deixe na geladeira até a hora de servir.

Para cozinhar mais:

Bolo de laranja molhadinho

Um bolo de laranja bem úmido, perfeito para um piquenique com chuva

Fim de ano é aquela época em que tudo se acumula e a gente trabalha mais para folgar uns diazinhos depois. Para mim, pelo menos, sempre foi assim. Honrando a tradição, tenho corrido tanto que demorei para postar mais um teste do caderno de receitas da minha mãe: um bolo de laranja fofinho e úmido que eu fiz algumas vezes na infância e na adolescência e repeti recentemente em um piquenique com amigos.

As confraternizações também se acumulam no fim de ano. Nessa, choveu, todo mundo teve que correr do parque e buscar abrigo no prédio de uma amiga, mas mesmo assim o programa foi uma delícia. E o bolo, preparado em cima da hora, deu certo, fazendo jus à lembrança de receita simples que eu tinha – difícil foi limpar a cozinha depois, porque usei uma tigela pequena demais e voou massa pra todo lado. Fora a sujeira, houve mais um porém: as laranjas com que eu fiz o suco não eram tudo isso. Fossem elas mais saborosas e azedinhas, teria sido melhor.

Minha blusa depois de bater as claras (fica a dica: use avental e uma tigela grande)

Ingredientes
4 ovos
2 xícaras de açúcar
2 xícaras de farinha de trigo
2 xícaras de suco de laranja
1 colher de sopa de fermento químico

Modo de preparo
Com o batedor de claras do processador, bati as claras em neve e juntei as gemas depois, uma a uma. Quando estava bem batido, juntei o açúcar e bati mais. Depois, coloquei a farinha alternando com uma das xícaras de suco e então o fermento.

Despejei a mistura em uma forma untada e enfarinhada e coloquei em forno médio alto (200 graus). Para saber se o bolo estava assado, espetei um palito de dentes bem no centro dele: como a madeira saiu cheia de massa úmida grudada, eu soube que era preciso assar mais. Depois de um pouco mais de forno, fiz o teste do palito novamente e, desta vez, ele saiu limpinho.

Tirei o bolo do forno e, depois de fazer vários furinhos na massa com o palito, despejei sobre o doce a xícara restante de suco de laranja.