Tenho feito bastante pão em casa. Algumas receitas, já publiquei aqui, mas não a do fermento natural, que pode servir de base para todas elas. É essa que vou compartilhar hoje.
Não existe um só jeito de criar um fermento natural. Basicamente, você precisa preparar uma mistura de água e farinha para os micróbios espalhados no ambiente fazerem a festa. Se tudo der certo, será um banquete organizado, de que só participam convidados com nome na lista. Bem alimentados, eles se entrosam e criam um meio hostil para penetras. No staff do evento, suas funções são mexer a mistura – para arejar o recinto e garantir que os petiscos cheguem a todos os presentes – e manter o fornecimento adequado de comida e água.
Enquanto o fermento natural é composto por uma cultura mista de leveduras e bactérias, o fermento biológico vendido comercialmente consiste em leveduras isoladas em um processo industrial. Com este último, também conhecido como fermento de pão ou de padeiro, o crescimento do pão é rápido e uniforme. Com o natural, perde-se em previsibilidade e ganha-se em complexidade de sabor – proveniente dos ácidos produzidos pelas bactérias –, textura, durabilidade (mesmo após assado, o pão mantém a acidez que desencoraja bolores e outros micro-organismos) e digestibilidade. Já o fermento químico não tem nada de vivo; libera o gás que infla massas em reações de bicarbonato de sódio com algum ácido.
Para preparar o mingau vivo que mora em um pote de vidro no armário sob a pia da minha cozinha, parti de instruções de livros e do chef português Vítor Sobral, que inaugurou em São Paulo a Padaria da Esquina. Ele aprendeu a fazer pães na infância, com o trigo plantado pela família no Alentejo, e se irrita com o uso da palavra francesa levain para se referir a fermento natural: “Levain c’est français!”.
Ingredientes
1 maçã orgânica (ou outra fruta, como goiaba ou caju)
Água mineral
1 colher de sopa de mel
Farinha de trigo integral orgânica
Modo de preparo
Lave a maçã com água. Fatie a fruta e a coloque em uma tigela. Adicione o mel, depois água suficiente para cobrir tudo. Tampe a tigela com um pano de prato e deixe em temperatura ambiente até que o líquido comece a espumar (cerca de cinco dias, dependendo se faz frio ou calor).
Descarte a fruta e meça o líquido fermentado (no meu caso foram 200 mililitros). Coloque-o em um pote e junte o mesmo peso de farinha de trigo (200 gramas). Misture com uma colher, tampe com um pano e deixe descansar 24 horas.
Junte 100 gramas de farinha e 100 mililitros de água. Mexa – de preferência, mais de uma vez ao dia (caso se forme uma forme uma crosta de farinha na superfície, misture e siga em frente). Espere mais 24 horas.
Junte mais 100 gramas de farinha e 100 mililitros de água. Mexa e espere mais 24 horas.
Seu fermento borbulhante provavelmente está pronto para começar a fazer pães.
Manutenção
Uma vez que o fermento “pegou”, relaxei um pouco: já não uso água mineral e o alimento também com farinha de trigo tradicional.
O principal é dar a ele movimento (mexa-o com uma colher) e comida. Quer você o coma ou não. Quem produz muitos pães só terá que repor as retiradas da mistura, mantendo a proporção de farinha e água. Por exemplo: para um saque de 300 gramas, se adicionam 150 gramas de farinha e 150 gramas de água.
Porém, ainda que não usado, o fermento deve ser alimentado. Todo dia ou pelo menos a cada três dias, ele merece uma ração de água e farinha equivalente a 50% de seu peso – portanto, para uma porção de 600 gramas, seria necessário o acréscimo de 150 gramas de farinha e 150 gramas de água. Com adições menores, ele tende a ficar mais ácido e menos potente. Há quem recomende renovações com proporções superiores, de três vezes o volume de fermento ou mais, para torná-lo vigoroso.
O problema é que, se alimentar com frequência e não usar, ele ganhará dimensões de A Coisa, o filme catástrofe de 1985 em que o mundo é tomado por uma gosma branca devoradora de gente. No caso do fermento, a solução é descartar parte da mistura de tempos em tempos ou colocá-la para dormir.
Para induzir o sono, uma opção simples é refrigerá-la. Em um pote fechado, ela dura várias semanas na geladeira e mais tempo ainda no congelador. Mas precisará ser reativada em temperatura ambiente, com alimento e movimento, antes de novos usos – dependendo da temperatura e do período que ficou dormente, vai demorar mais ou menos para voltar a borbulhar.
Existe também a possibilidade de secagem, espalhando a massa em um tabuleiro e esperando a umidade evaporar até restar só a parte sólida. Para reativá-la, ela deve ser reidratada, juntando uma parte de sólido para uma de água. (Foi assim, seca, que Sobral trouxe uma leva de fermento natural de Portugal para testes antes da inauguração da Padaria da Esquina – outra leva foi feita no Brasil e tinha pouco mais de um mês quando começou a render pães. O chef diz duvidar que alguém note se um pão leva fermento de um mês ou dez anos.)
Enfim, com o excedente do fermento, você pode fazer panquecas. E essa é a próxima receita do blog.
Olá Mariana, adorei essa receite de fermento natura, vou tentar faze-la. Estou treinando fazer um fermento natural desde que minhas amigas me falaram que fizeram e fiquei curiosa em criar o meu próprio, agora é só colocar, literalmente, a mão na massa. kkkk bj grande!!!
Mariana, tudo muito bom
Beijos
Que bom, Cleide. Obrigada!
Oras pois que Mariana desvendou o motivo das pessoas repetirem que é preciso descartar parte do fermento, sem saberem o porquê. Desconfiava mesmo que fosse pelo problema de logística (tamanho x espaço)
Parebéns. Gostaria que se possível, mencionasse algo sobre o tempo da maturação da levedura com a temperatura. Exemplo: de 24 a 27 graus demora 7 dias, de 21 a 23 demora 12 dias (não sei).
Olá, Luiz,
Bom que eu pude ajudar de alguma forma.
Quanto à sua segunda pergunta, não sei se posso responder bem. O que posso dizer é o que tenho feito: guardo o fermento na geladeira e, quando vou usar, pego uma colherada dele, alimento com água e farinha em um pote à parte e, cerca de 12 horas depois, ele está pronto para usar. Se eu deixei muito tempo (pense em um mês) sem alimentar na geladeira e se está frio (frio paulistano), demora um pouco mais. Se está quente, um pouco menos (cerca de 8 horas). Para saber se está no ponto de usar, coloco um pouco do fermento em um recipiente com água – se boiar, é porque tem ar suficiente em seu interior e está ponto certo.
Espero que tenha ajudado.
Abraço,
Mariana
Parabéns à Sra. Weber pelo excelente conteúdo jornalístico e de informação (valiosa) pública divulgado. Me permita perguntar se a Sra. dispõe de kefir que possa me doar ou vender (sem querer ofender) uma colônia. Tenho lido muito sobre ele e tenho problemas de saúde na família que pretendo enfrentar. Receba os meus melhores votos de paz, felicidade e prosperidade!
Olá, Edesio. Fico feliz que tenha gostado do conteúdo. Infelizmente, não tenho kefir. Espero que encontre!
Oi Mari, valeu pela dica! Vou tentar fazer o fermento aqui, lois com essa história de virus não tenho encontrado o industrial. Seguinte: quanto do fermento devo usar no pão, por quantidade de massa/farinha?
Oi, Andre!
A receita que mais uso é esta aqui: https://ocadernodereceitas.com.br/2018/05/30/pao-longo-de-fermentacao-natural-porque-quem-queria-modernidade-era-sua-avo/
Abraço e se cuida
Olá Mariana! Tenho procurado tanto por uma receita que eu consiga entender e finalmente te encontrei! vou fazer agorinha. estou louca para fazer os meus pães e fiquei encantada com a forma como você explicou. Gratidão.
Que mensagem boa! Qualquer dúvida, é só perguntar!