Categoria: Da minha família

Receitas dos cadernos da minha mãe e da minha avó materna.

Espinafre com requeijão gratinado

espinafre com requeijãoSegunda-feira, vamos de básico com um gostinho especial. Esta receita eu tirei do caderno da minha mãe e fiz, em parte, com ingredientes orgânicos (o espinafre e o requeijão, comprados na feirinha do Parque da Água Branca). Servi como acompanhamento de um frango refogado e, no dia seguinte, com uma carne grelhada. Comida simples, do conforto, com jeito de casa de mãe mesmo — como a que eu comia na casa da minha mãe e agora faço para o meu filho.

Teste número 59: espinafre com requeijão
Fonte – Caderno de receitas da minha mãe.
Grau de dificuldade – Fácil.
Resultado – Um acompanhamento reconfortante. Mas podia ter ficado menos líquido. Da próxima vez, vou fazer sem leite.

Ingredientes
½ pote (cerca de 100 gramas) de requeijão cremoso
1 maço grande de espinafre picado
½ cebola pequena picada
1 colher (sopa) de manteiga
Sal
Pimenta-do-reino
Um pouco de leite (opcional)
Parmesão

Modo de preparo
Refogue a cebola na manteiga. Ainda mexendo, junte o espinafre, o sal, a pimenta, o requeijão e, se quiser, o leite (mas eu achei que, com leite, ficou um pouco líquido demais, pois o espinafre solta água).

Transfira para uma assadeira, rale queijo parmesão por cima e leve ao forno para gratinar.

A Itália encontra Portugal na sopa de capelete da dona Ana Bertoni

Marcos e a mãe

Por Marcos Nogueira*

Este relato faz parte de uma série de depoimentos sobre as delícias e as histórias da cozinha materna

Meus pais foram econômicos em demasia no cartório. Deram-me apenas um nome e um sobrenome — em oposição à onda barroca que, no longínquo ano de 1970, fez surgir uma profusão de nomes extravagantes como Renato José ou Rodrigo Sérgio. Meu nome passa a falsa impressão de que sou um português puro, daqueles que usam um lápis atrás da orelha. O sobrenome que falta na minha certidão de nascimento é o Bertoni da minha mãe, dona Ana, hoje com 84 anos.

Como muitos brasileiros, cresci numa casa ítalo-portuguesa ou, se preferir, luso-italiana. Mas a coisa era um pouquinho mais complicada. Minha mãe, neta de italianos, nasceu da mistura da gente germânica do Vêneto com os oriundi da mouraria apuliana — algo que, na península recém unificada, teria sido bem ousado. Mas aqui eram todos estrangeiros. Ou seja, eram todos brasileiros. E assim ela, a professorinha carcamana, se casou com o engenheiro luso-caipira, criado em Lençóis Paulista.

A comida de casa, como a comida de muitos lares paulistanos, refletia essa mescla. A macarronada de domingo vinha com farofa de farinha de rosca (mandioca ou milho seria pedir demais). A feijoada era uma das especialidades da dona Ana, assim como a bacalhoada e a pizza de massa fininha e molho cheio de alho.

Dona Ana fazia os cappelletti in brodo, patrimônio gastronômico do norte da Itália, à moda de uma canja portuguesa. Ou, por abordagem reversa, fazia uma canja em que o arroz era trocado por massa recheada”

A sopa de capelete da minha mãe, entretanto, é a receita que melhor traduz a mestiçagem latina da minha casa. Dona Ana fazia os cappelletti in brodo, patrimônio gastronômico do norte da Itália, à moda de uma canja portuguesa. Ou, por abordagem reversa, fazia uma canja em que o arroz era trocado por massa recheada.

Foi assim que eu conheci essa sopa: um caldo claro de frango com pedaços de cenoura, cebola, batata e tomate, mais lascas do próprio galináceo, e capelete. Era assim que eu achava que ela deveria ser, até ficar adulto e besta e começar a questionar a sacrossanta cozinha materna — sou, afinal, apenas metade italiano.

Em sua origem, os cappelletti in brodo eram feitos a partir de um caldo limpo (sem sólidos e coado) de carne, geralmente galo capado — o cappone, nem tente procurar. Acrescentava-se massa recheada com carne (frango, porco, boi ou qualquer combinação das três), queijo e miolo de pão e servia-se quente com parmesão ralado ao lado.

Sopa de capelete

Nunca pedi a receita para a minha mãe, apenas a observei na cozinha, então vou fugir de quantidades exatas. Sempre que começava a esfriar, ela cozia um peito de frango com osso em uma panela com bastante água, louro, cebola e alho grosseiramente picados, depois reservava a carne. Ao caldo, ela juntava batata, cenoura e tomate em pedaços grandes. Quando tudo estava macio, jogava os capeletes, daí servia a sopa com parmesão, azeite e o peito de frango desfiado à parte. Eu nunca fui muito de peito de frango cozido, então deixava-o quieto em seu canto. Já o resto, eu traçava três, quatro pratos seguidos.

Como sou besta (já disse isso?), reproduzo a fórmula da dona Ana com algumas alterações. Na verdade, não se trata de ser besta: a dinâmica da minha cozinha é diferente. Eu não gosto de frango cozido (já disse isso?) e faço caldos com ossos que sobram de outras refeições, para usar em sopas, risotos e molhos. Na sopa da foto, os ossos são de costela bovina e (acho) porco. Mas talvez parte deles seja de queixada — o saco estava sem etiqueta no congelador.

Você pode fazer com caldo de carne, de frango ou de legumes. Só não use caldo industrial — tem muito sal e um gosto terrível de coisas artificiais. Se você tiver paciência, sugiro que prepare um assado uns dias antes e depois cozinhe os ossos. Uma vantagem de usar ossos é não precisar retirar a gordura depois. Tá, você não vai fazer isso. Então proponho o seguinte: compre umas asinhas de frango, que são baratas e saborosas. Você pode assá-las junto com os legumes (eu prefiro assim) ou pular esta etapa. Aí vem a receita do brodo propriamente dito.

Coloque os legumes — uma cenoura, uma cebola e um ou dois talos de salsão — numa panela de pressão com os ossos ou a carne e o tempero de sua preferência. Ligue o fogo alto e, depois que subir o pino da panela, baixe a chama e deixe cozinhar por uma hora. Quando já não estiver tão quente, remova os sólidos (eu não coo o caldo) e, se precisar, a gordura — é preciso deixar na geladeira até o óleo que boia endurecer… Eu avisei que era chato.

Em outra panela, refogue uma cebola e dois dentes de alho em azeite. Acrescente o caldo e, em seguida, uma batata, uma cenoura e um tomate em cubos. Crus, por favor — aqueles que foram cozidos no caldo perderam sabor e textura. Ponha também algumas ervas, como louro e tomilho, sal e pimenta preta. Quando tudo estiver nos trinques, jogue a massa, que merece um parágrafo à parte.

Para a sopa da foto, eu comprei tortellini de frango do pastifício Di Cunto, da Mooca. Não porque sejam os melhores, mas porque eram os que a minha mãe cozinhava para mim. A rigor, o ideal é você fazer os cappelletti em casa — tarefa que apenas os santos abnegados têm disposição de encarar. Confie em seu paladar e compre a melhor massa recheada, de carne ou de queijo, que você conhece.

Sirva com bastante parmesão. Parmesão bom. Dos nacionais, o Randon e o Gran Mestri dão para o gasto.

Por fim, uma última curiosidade. Para escrever este texto, eu pesquisei as origens da canja. Wikipédia, nada de mais. Fiquei sabendo que ela vem da China, onde existe um mingau de arroz chamado juk, e chegou a Portugal quando os primeiros navegadores voltaram da Índia — onde mercadores malaios serviam a sopa com o nome de kanji.

Toda essa embromação para dizer que a sopa da minha mãe é um prato ítalo- sino-malaio-indo-português. Aproveitem e bom dia das mães a todas as leitoras!

* Marcos Nogueira é jornalista, sommelier de cerveja e marido da autora deste blog.

Leia também:

Torta de sardinha: um conto e uma receita com gosto de abraço de mãe

Torta de sardinha feita no liquidificador
Se existe um prato que resume o aconchego da comida da minha mãe, é a torta de sardinha. Massa fofa, recheio úmido, sabor simples e bem temperado de ingredientes confortavelmente triviais.
A preparação, que admite variações de recheio (presunto e queijo, carne moída, atum ou o que você tiver em casa), veio da sogra de uma vizinha, mas foi incorporada à história da minha família. Gosto tanto que já meti a torta em dois contos. Um deles é este aqui (a receita vai logo abaixo):

À espera

“Ela vai ficar tão triste. E bem que me avisou.”

Do banco traseiro do carro, dava para ver o cabelo castanho ondulado da mãe, solto atrás e enroscado na gola do casaco do lado direito. Ele sentiu um aperto. Olhou pela janela, começou a ler em voz alta. “Bilhar Augusta. A Arte da Boa Mesa. Retificadora Flora.”

“Tudo bem na escola, Antônio?”

“Tudo.”

“Muita lição de casa?”

“Não.”

Tinha, mas não ia fazer. Pra quê? Sentiria saudade também da tia Iara, nem achava tão chato quando ela passava lição. Mas não ia mais fazer.

“Só Botas. Pão Gostoso. Você com Saúde.”

“Ei, tá pensando na morte da bezerra? Chegamos, filho!”

Desceu do carro, mochila pendurada no ombro, e subiu direto para o quarto.

A Carminha, que dormia enrolada em cima do baú de brinquedos, se espreguiçou devagar, bunda para cima e patas dianteiras bem esticadas. Fez carinho na cabeça da gata. “O baú vai ser só seu, Carminha.”

Pegou o cacto que ficava na janela e foi até a pia do banheiro regar a terra. Voltou com o vaso ainda pingando. Jogou dentro dele os cinco tatuzinhos que tinha recolhido no pátio da escola e guardado no estojo de lata. Viu Carminha cheirar os bichos, que não se mexeram, e logo perder o interesse.

Em cima da cama, brincou um pouco com o carrinho vermelho, presente do pai. Leu a última história de um gibi. Na frente do espelho da porta do armário, engoliu saliva uma, duas, três vezes, tentando perceber algo diferente.

Desceu para a cozinha. A mãe esquentava vagem refogada no fogão. No forno, torta de sardinha.

“Mãe?”

“Diga, filho.” Ela mexia a panela. “Antônio?”

“Demora?”

“Tá quase, pode ir lavando a mão.”

Estava bom, e tinha morango de sobremesa. Depois, os dois viram novela no sofá da sala. Durante o intervalo, o coração de Antônio bateu forte. O ar faltou, a visão escureceu. Ele encostou a cabeça no ombro da mãe, fechou os olhos e, aos poucos, se acalmou.

Quando a novela acabou, foi escovar os dentes sem a mãe pedir. Deu um beijo de boa noite e foi para a cama, triste.

Acordou com a mãe chamando. Olhou em volta devagar e reconheceu as dobras da cortina amarela, os adesivos de estrelas no teto, o macaco que abraçava fotos dos pais na prateleira perto da janela. Ainda era seu quarto.

Como sempre, se arrastou para o banho, colocou o uniforme que a mãe tinha deixado em cima da cama, tomou leite com Nescau, comeu pão com requeijão, escovou os dentes, pegou a lancheira e a mochila. Saiu de casa preocupado porque não tinha feito a lição de português e ainda não tinha morrido.

Então viu o ponto branco no chão do carro. Será? Sim, era o chiclete. O chiclete que ele comprou escondido da mãe, com o dinheiro que ela deu pro lanche. Um lanche especial, da cantina. O chiclete que ela disse que ele não podia mascar. Porque chiclete faz mal pros dentes e é perigoso. O chiclete que ele comprou mesmo assim. Comprou no recreio, escondeu no bolso e, no meio da aula, tomou coragem para tirar do papel e colocar na boca. Mascou com cuidado, devagar, saboreando o suco de cada mordida. Guardou, já sem gosto, na bochecha direita, na esquerda, debaixo da língua. Aproveitou o segredo até que, dentro do carro, na volta da escola, percebeu que não tinha mais nada na boca. “Engoli.” Ia morrer sufocado. E não podia contar para a mãe que tinha comprado o chiclete.

Agora, ao descer do carro, Antônio sorria. Não morreria mais. A partir de hoje obedeceria a mãe em tudo – não pularia o muro para a casa do Pedro, não daria pedaços do bife para a Carminha nem leria escondido depois que a mãe fechasse a porta do quarto à noite. Só parou de sorrir quando viu a tia Iara e lembrou da lição de português.

Teste número 58: torta de sardinha

Fonte – Caderno de receitas da minha mãe.
Grau de dificuldade – Fácil.
Resultado – Amor.

Ingredientes
Para o recheio
1/2 cebola picada
1 dente de alho picado
Azeite
1 lata de tomate pelado
1 lata de sardinha
Azeitonas
Salsinha
Pimenta-do-reino
Sal
Para a massa
2 xícaras de leite
2 ovos
1/2 xícara de óleo
10 colheres (sopa) de farinha de trigo
1 colher (sopa) de fermento
1 pires de queijo ralado
Sal
Pimenta-do-reino
1 dente de alho
Cheiro verde

Modo de preparo
Refogue a cebola e o alho no azeite. Junte o tomate, a sardinha desfiada e os demais ingredientes, com cuidado para não exagerar no sal (prove antes de acrescentar o sal). Cozinhe até os tomates desmancharem e o molho ficar grosso.

Bata todos os ingredientes da massa no liquidificador.

Despeje a massa em uma assadeira untada. Por cima, despeje o recheio (que vai afundar, é normal). Asse em forno pré-aquecido a 180 ºC.

Mousse de chocolate amargo com frutas vermelhas

Mousse de chocolate com morangos
Ontem postei a receita da torta de goiabada e banana que servi em um evento. Hoje é a vez da mousse de chocolate amargo (que no evento servi sem as frutas). Eu já tinha publicado o doce, mas fiz algumas modificações, então vale falar dele novamente. Um detalhe que não é só detalhe: tenho usado chocolate orgânico 75% da Amma. Dói no bolso, mas acho que faz muita diferença no resultado. Minha dica é preparar essa sobremesa com o melhor chocolate que você puder comprar. Quanto às frutas, use framboesas ou morangos  – ambos criam um bom contraste com o chocolate, então escolha opção mais vantajosa no mercado. Agora fiquei pensando que maracujá também deve ficar gostoso. A testar.

Ingredientes
300 gramas de chocolate amargo
5 ovos (gemas e claras separadas)
½ xícara de açúcar
1 colher de chá de extrato de baunilha
Morangos ou framboesas

Modo de preparo
Quebre o chocolate em quadradinhos e coloque em um recipiente de metal ou vidro refratário. O chocolate não deve ultrapassar a metade da altura do recipiente. Em uma panela grande, despeje água até uns dois dedos de altura e leve ao fogo. Quando ferver, desligue o fogo e coloque dentro da panela o recipiente com chocolate. Deixe tudo parado por um minuto, depois, sem voltar a ligar o fogo, mexa o chocolate com uma espátula até ele ficar lisinho. (Aprendi esse método de derreter com o pessoal da Dedo de Moça.)

Bata as gemas com o açúcar até fazer uma gemada clara e fofa.

Em uma tigela grande, misture a gemada, o chocolate derretido e o extrato de baunilha. Por fim, acrescente as claras, batidas em neve, e misture delicadamente com uma espátula, para o creme manter-se aerado.

Distribua em potinhos ou taças e leve à geladeira. Sirva com as frutas por cima.

Torta de banana e goiabada (que recheio!)

Torta de banana e goiabada

Servi receitas dos cadernos da minha família na abertura da Casa Taques, um novo espaço colaborativo em São Paulo. No cardápio, biscoito de parmesão, sanduíche de berinjela ao forno, bolo de fubá, mousse de chocolate amargo, brigadeiro e torta de banana com goiabada. O passo-a-passo desta última, eu publico novamente abaixo. Com uma dica: se sobrar recheio, comemore. Guarde o doce para comer mais tarde com bolo, queijo, sorvete, torrada…

Ingredientes da massa
120 gramas de farinha de trigo
60 gramas de manteiga
60 gramas de açúcar
1 gema
1/2 colher (sopa) de fermento químico
1 pitada de sal

Ingredientes do recheio
150 gramas de goiabada
5 bananas bem maduras

Modo de preparo da massa
Misture todos os ingredientes com os dedos até obter uma massa quebradiça.

Modo de preparo do recheio
Corte em pedaços a goiabada e a banana e coloque-as em uma panela com um pouco de água. Em fogo baixo, mexa e acrescente água aos poucos até que os ingredientes derretam e virem uma pasta grossa.

Montagem
Unte uma forma. Forre a forma com pedaços da massa como se fizesse uma colcha de retalhos bem selada. Em seguida despeje o recheio. Leve ao forno a 200ºC por cerca de 20 minutos.