Minha avó Helena nunca perdoou as crianças que depredaram meu bolo castelo de chocolate antes do parabéns. O planejamento de dias, o trabalho de horas, tudo desmantelado por dedinhos ávidos pelos pilares feitos de palitos doces, pelas janelas de bolachas, pelas torres de wafer. Em um canto do vestiário, chorei. Mas não por causa das ruínas açucaradas — delas provavelmente só me lembro graças aos resmungos inconformados de minha avó que se repetiam praticamente todo aniversário, mesmo quando eu já era adulta. Chorei porque aquele dia não cabia em mim.
O aniversário era o ápice do empenho coletivo da família — pelo menos da parte feminina, que eu me lembre. A bisavó Maria, exímia fazedora de miolo de boi disfarçado de galeto assado, comandava o espetáculo. Talvez vivesse em estado contínuo de preparação de festas, como uma carnavalesca das comemorações caseiras, alimentando a criatividade com programas culinários na TV, revistas e prática diária. Projetava bolos, colocava a mão na massa e distribuía tarefas, instruções e broncas. Para mim, permanece um mistério a combinação de doce e amargo nessa mineira que esmagou um dedo no espremedor de cana ao fazer garapa. Vinham dela grandes quitutes e histórias terríveis: “Acaba de nascer um ponto escuro no seu coração”, dizia, diante de uma malcriação, e me colocava em pânico, a relembrar boas e más ações para calcular o tamanho da mancha em mim.
Vinham da bisavó Maria grandes quitutes e histórias terríveis: ‘Acaba de nascer um ponto escuro no seu coração”, dizia, diante de uma malcriação, e me colocava em pânico, a relembrar boas e más ações para calcular o tamanho da mancha em mim.”
Tampouco era só doce minha avó Helena, filha da bisavó Maria e mãe do meu pai. Desconfiava de quem não gostasse de bicho e planta, por exemplo. Mas, quando era doce, era dulcíssima. Nos aniversários, ajudava na coreografia dos festejos como montava as apresentações de fim de ano de sua escola de balé. Vez ou outra, também emprestava o espaço para a festa. E lembrava para sempre da identidade dos desordeiros que queimavam a largada no ataque à mesa de doces.
Minha mãe, geógrafa (ou então estudante de geografia?), quase um mês antes começava a ocupar as noites com recortes de enfeites e suportes para docinhos e salgadinhos. Depois, com dias de antecedência, passava para o preparo dos comes, acomodados em caixas de camisa guardadas para essa finalidade. Estudava, trabalhava, cuidava dos filhos e exercitava a paciência moldando coxinhas como ensinava a bisavó Maria — “Você faz uma bola de massa, abre um buraco, coloca o recheio e depois fecha a massa puxando o biquinho”, lembra.
Quanto ao meu pai, foi ele que me encontrou ali, sozinha entre os armários do vestiário da escola de balé. Longe da mesa do bolo, das correrias dos convidados nas salas de dança, dos balões coloridos. Ele me fez entender, ou aceitar, a melancolia que eu sentia ali e sentiria tantas outras vezes. Enxugou minhas lágrimas e me ajudou a voltar para a festa.
E agora o bolo
Ainda estou exausta da preparação e da festa do meu filho, que completou quatro anos no último fim de semana. Trabalhei, trabalhei, trabalhei (meu marido também), mas nem me aproximei das comemorações da minha infância — ou do que eu guardei delas. Outros tempos. Espero que para meu menino sejam tão saborosos quanto os aniversários organizados para mim — e espero ajudá-lo a enxugar algumas das lágrimas inevitáveis do crescimento. Um pouco de chocolate também ajuda.
Abaixo, a receita do bolo que preparei para a festa.
Em tempo: aluguei a decoração de uma amiga, da Enfeite Festas Infantis, que cedeu as fotos para este post, pois, na correria, não fotografei muito.
Confira também receitas de docinhos gostosos que fogem do óbvio, tiradas dos cadernos da minha família (a massa do bolo também vem deles).
Teste número 68: bolo de chocolate com recheio de brigadeiro e morango
Fonte – Caderno de receitas da minha mãe.
Grau de dificuldade – Fácil.
Resultado – Uma versão mais opulenta do bolo de chocolate com cobertura de chocolate que eu já tinha preparado e publicado no blog.
Ingredientes
Para o bolo:
2 xícaras de óleo
6 ovos
4 xícaras de açúcar
2 xícaras de cacau em pó
4 xícaras de farinha de trigo
2 colheres de sopa de fermento em pó
2 xícaras de água quente
Para o recheio e a cobertura:
2 latas de leite condensado
2 colheres de sopa de manteiga
4 colheres de sopa de cacau
1 caixa de morangos
1 colher de sopa de açúcar
Nibs de cacau ou confeitos para enfeitar (opcional)
Modo de preparo
Bata à mão ou na batedeira o óleo, os ovos e o açúcar. Em seguida, junte o cacau, a farinha e o fermento e bata também. Por último, adicione a água quente e misture aos demais ingredientes. Distribua a massa em duas formas de bolo de 27 cm de diâmetro untadas e enfarinhadas. Se não tiver duas formas, faça metade da massa de cada vez e asse uma porção depois a outra (eu fiz isso).
Leve ao forno pré-aquecido a 180 ºC. Estará pronto quando um palito espetado no meio do bolo sair limpo, sem pedacinhos de massa grudados. Espere esfriar para tirar da forma, então apare a parte arrendondada do topo de um dos discos de bolo para facilitar o empilhamento (e guarde as lascas para comer depois!).
Hora de fazer o recheio e a cobertura. Em fogo baixo, cozinhe o leite condensado, a manteiga e o cacau em pó, mexendo sempre, até formar um brigadeiro mole (quando você passa a colher no fundo da panela, ela abre uma trilha que demora um pouco para voltar a ser coberta pelo doce).
Pique os morangos, salpique com açúcar e deixe descansando em uma tigela cerca de meia hora. Depois escorra em uma peneira, guardando a calda para usar depois. Misture os morangos a cerca de ⅓ do brigadeiro. Com uma colher, espalhe essa mistura sobre o disco inferior do bolo. Empilhe o disco superior, fure a massa em vários pontos com um palito e despeje aos poucos a calda de morango. Espalhe o resto do brigadeiro em cima e na lateral do bolo. Se quiser, finalize salpicando confeitos ou nibs de cacau.
Para cozinhar mais: