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Pudim de cappuccino – receita brasileira de uma avó romena

Pudim de cappuccino da chef Denise Gelberg, do Espaço D Gastronomia

A chef paulistana Denise Gelberg aprendeu a cozinhar com cartas enviadas pela avó. Então estudante de engenharia de alimentos em Israel, ela recebeu o curso por correspondência quando se deu conta de que não sabia fazer a própria comida – e que comer fora era caro. Com as instruções da avó materna, Lia Schamis, a neta logo estava preparando doces e salgados para os colegas de albergue. Hoje Denise é dona de restaurante, o Espaço D Gastronomia, e ainda coloca em prática as receitas da avó – como o pudim de cappuccino (um pudim de café) que ela ensina logo abaixo.

“Minha avó vivia em frente à TV, anotando receitas dos programas de culinária’’, lembra a neta, que herdou as anotações em folhas avulsas, hoje manchadas e amareladas (foto abaixo)

Lia era romena e se mudou para o Brasil pouco antes da Segunda Guerra. Aqui conheceu o marido – também romeno. Na cozinha, fazia pratos judaicos – vareniques, gefilte fish, língua – e outros bem brasileiros – bolo com goiabada, biscoitinhos de araruta, pudins.

Receitas de Lia Schamis, avó da chef Denise Gelberg, do Espaço D Gastronomia

Os pudins são o tema de um festival que Denise promove até dia 15/11 no Espaço D Gastronomia. É um jeito de falar de suas raízes: o pudim com café está entre os doces que ela mais gostava de comer quando visitava a avó Lia.

Receita de pudim de cappuccino

Ingredientes

400 gramas de leite condensado
2 latas de leite
4 ovos
10 gramas de café solúvel diluído em um pouquinho de leite quente

Modo de preparo

Bata todos os ingredientes no liquidificador. Em seguida, despeje em uma forma de furo, caramelada. Asse em banho-maria em forno a 145º por 40 minutos.

Pudim de cappuccino da chef Denise Gelberg, do Espaço D Gastronomia, visto de perto
Fotos: divulgação

Para cozinhar mais:

Livro Cozinha de Vó
Capa do Livro Cozinha de Vó - Mariana Weber - Superinteressante

Sequilho de araruta com coco – do caderno da avó para a lancheira do filho

Sequilhos de araruta com coco (foto: O Caderno de Receitas)

Polvilho de araruta é um ingrediente farto nos cadernos de receita da minha avó materna, mas raro no mercado. Por que um alimento assim cai em desuso? É leve, é local, tem fácil digestão, estava incorporado ao receituário das casas. Mas a indústria preferiu investir em outras farinhas, como trigo, mandioca e milho. Assim, aos poucos, a araruta sumiu dos biscoitos, dos mingaus, dos bolos, da memória e das roças.

Quer dizer, quase sumiu. Procurando bem, ainda se encontra – em São Paulo, já comprei no Mercado de Pinheiros e vi mudas à venda na feira orgânica do Parque da Água Branca.

É do rizoma (caule que nasce dentro da terra) que se extrai o amido alvo e fino da araruta. Seu uso já foi tradicional na confeitaria brasileira, mas sua história é bem anterior aos cadernos da minha avó.

Segundo o livro Arca do Gosto no Brasil, lançado pelo movimento Slow Food (e de que já falei aqui), a planta, originária da América do Sul, é cultivada há mais de 7 mil anos e costumava ser usada por povos indígenas da Amazônia para engrossar sopas. Já o livro Plantas Alimentícias não Convencionais PANC no Brasil diz que a planta é nativa da América Central, mas naturalizada em todo o território brasileiro. De uma forma ou de outra, é coisa nossa.

Neste sequilho, a araruta se mistura a outro alimento tradicional da nossa cozinha, o coco (que dupla!). Mexi nas quantidades dos ingredientes, porque eram imprecisas na receita original e porque senti que a massa precisava de mais gordura. Assim, adaptado, o biscoito migrou das anotações da minha avó Viquinha para a lancheira do meu filho.

Teste número 87: sequilho de araruta
Fonte –
 Caderno de receitas da Vó Viquinha.
Grau de dificuldade – Médio (se você comprar o coco já descascado, é fácil).
Resultado – Um bom biscoitinho para acompanhar o café ou compor um lanche.

Ingredientes
500 gramas de amido de araruta
125 gramas de manteiga
125 gramas de açúcar
½ coco
2 ovos
3 colheres (sopa) de farinha de trigo

Modo de preparo
Se você comprar o coco inteiro, com casca, vai precisar quebrá-lo e ralar a polpa. (Essa é a parte mais chatinha da receita; se puder comprar o coco já descascado, facilita muito, mas não compre coco ralado industrializado: a umidade e o sabor são outros.) Para quebrar o coco, leve-o por cerca de 20 minutos ao forno pré-aquecido a 220 ºC, para que rache. Em seguida, com um martelo, dê batidas moderadas na superfície do coco para que a casca mais externa se solte da polpa. Finalize o trabalho com uma faca, retirando cuidadosamente a casca mais fina que fica grudada à polpa.

Reserve metade do coco para outras receitas. Rale a outra metade ou a triture no processador.

Misture o coco ralado aos demais ingredientes. Você deve obter uma massa quebradiça, mas possível de moldar.

Molde bolinhas com o equivalente a 1 colher de chá de massa cada e disponha-as em assadeiras untadas. Você vai obter cerca de 120 bolinhas.

Pressione cada uma das bolinhas com um garfo, para amassá-las e criar um relevo ondulado na superfície.

Asse os sequilhos no forno pré-aquecido a 180 ºC até firmarem (algo em torno de 15 a 20 minutos).

Para cozinhar mais:

O bolo da tarde de um avô-menino

Nas palavras e nas fotos das netas, as histórias e a receita favorita de um imigrante húngaro que se tropicalizou com gosto

Bolo simples coberto de coco para comer com café (Foto: Patrícia Kiss)

Texto: Janice Kiss
Fotos: Patrícia Kiss

Penso que vô Alexandre nunca deixou de ser o menino Sándor Kiss que saiu de sua Oradea natal, na época Hungria, agora Romênia, naquele final dos anos 1920. O clima de uma nova guerra se anunciava e o pai dele (bisa Karol) não queria passar por outro combate (ele lutou a Primeira Guerra inteira), dessa vez, carregando os próprios filhos para as trincheiras.

Foi assim que Alexandre, seus nove irmãos e os pais dele chegaram ao Brasil, receberam um novo nome e foram colher café em Ribeirão Preto, interior paulista. Como todo imigrante pobre, a história deles não foi poupada de dificuldades financeiras e afetivas.

Mas Alexandre teve o dom de envelhecer como um menino, arteiro e faminto. Havia repreensão por alguma coisa errada? Nunca, mesmo que os netos (em grande número) estivessem tacando fogo na casa. Não raro, ele se juntava às brincadeiras e se comportava como um de nós mesmo que décadas separassem nossas idades.

No entanto, sobre ele guardo memórias relacionadas ao entorno da mesa: a um belo pedaço de pão com banana, ao pão “chuchado” no molho ainda em preparação da macarronada de domingo e de um bolo simples, com coco ralado, que tia Neusa fazia para o pai tomar no café da tarde, cuja receita com alguma releitura (cada cozinheiro faz a sua) é compartilhada aqui.

Era sagrado. Ele parava uns minutinhos para descanso na fábrica do meu pai, subia a escada que dava acesso diretamente à cozinha azul da tia. Ali comia seu bolo favorito com a gula de menino, mantendo um semblante de leves devaneios.

No que será que ele pensava? Nas conservas que a mãe Maria Pinter fazia para não perder nada da colheita do pequeno sítio em terras húngaras? Nas comidas escondidas para o exército não levar tudo para os soldados em guerra? Nas noites dormidas na cocheira para cobrir animais durante o inverno?

Sabe-se lá. Alexandre foi-se há 33 anos e na época eu não tinha a preocupação de juntar cacos de histórias, sentimento hoje dividido com a prima Patrícia Kiss, fotógrafa e autora dessas imagens.

Ao contrário de muitos imigrantes, “nossos hungareses” não se importaram em perpetuar costumes, preservar idioma (aquele que o diabo respeita, segundo Chico Buarque de Holanda) e culinária. Bem pelo contrário. Amavam arroz, feijão, mandioca, laranja, abacaxi e banana. Se tropicalizaram, deixando em alguns de nós uma leve melancolia do que não vivemos.

Bolo coberto de coco (Foto: Patrícia Kiss)

RECEITA

Bolo vô Alexandre

(15 pedaços)

Ingredientes
2 ½  xícaras (chá) de farinha de trigo
1 ½  xícara (chá) de açúcar
1 ½ xícara (chá) de leite
4 ovos
1 colher (sopa) de manteiga sem sal e em temperatura ambiente
1 colher (sopa) de fermento em pó
Coco seco ralado para polvilhar
Manteiga e farinha de trigo para untar

Modo de preparo
Primeiro, prepare a forma (retangular ou redonda, só não pode ser de buraco no meio) untando com manteiga e farinha, e preaqueça o forno a 180ºC. Separe meia xícara de leite para finalizar o bolo. Depois, bata as claras em neve e reserve. Coloque o leite restante (1 xícara) e a manteiga em uma panelinha e leve para aquecer, não é preciso ferver. Enquanto isso, bata na batedeira as gemas e o açúcar até ficar um creme fofo. Coloque a farinha e vá adicionado aos poucos, com a batedeira ligada, o leite com a manteiga. Acrescente o fermento e bata mais um pouco. Por fim, adicione as claras em neve e mexa delicadamente a massa com uma espátula. Transfira para a forma e leve para assar por 40 minutos, em média, até o bolo ficar corado. Faça o teste do palito: se ele sair limpo é sinal de que está bem assado. Na mesma hora, retire a assadeira do forno e espete o bolo delicadamente com um garfo. Aqueça o leite reservado (meia xícara) e derrame sobre o bolo, para ele ficar molhadinho. Polvilhe com o coco seco ralado e sirva com um café coado para alegrar a sua tarde.


Janice Kiss é jornalista ligada a agricultura e meio ambiente e escreve muito sobre café, a mesma lavoura que permitiu a imigração da família ao Brasil.

Patrícia Kiss é fotógrafa, professora da PUC-SP, e de uma geração mais nova da família. Tatuou um bordado húngaro no braço e compõe histórias através de imagens.


Para cozinhar mais:

Bolinhas de queijo da tia Ana (mãe da Fernanda)

Biscoito caseiro de queijo

Cresci em São Paulo, mas tive a sorte de morar em uma vila onde as crianças circulavam à vontade e entravam sem cerimônia nas casas umas das outras, muitas vezes deixadas com as portas destrancadas. Uma coisa meio hippie. Lá aprendi a andar de bicicleta, fiz viagens imaginárias de mapa-múndi na mão e mochila nas costas, admirei fogueiras de festa junina, montei espetáculos teatrais, joguei queimada (para ser mais precisa, perdi jogos de queimada), dancei em bailinhos e dei meu primeiro beijo (shhh! Não espalha!). Também fiz grandes amigos, que deixei de encontrar com frequência quando, adolescente, saí da cidade, mas que estarão sempre ligados às lembranças de um período delicioso da minha vida.

Minha melhor amiga era a Fernanda, uma menina doce e tranquila, que zelava por mim, a mais nova da turma (os pirralhos dos meus irmãos e dos amigos deles não contavam). A Fê era o máximo. À noite, se eu tinha medo de atravessar sozinha o pátio entre os sobrados para voltar para casa, principalmente depois de ver um filme de terror, ela se oferecia para me acompanhar. Estudava em um colégio alemão e tinha lições de casa indecifráveis! E, como eu, gostava de ler e escrever. Trocamos cartas logo depois que me mudei para Vitória. Hoje professora, ela me contou ter usado nossa correspondência como exemplo para tentar explicar a seus alunos, crianças, que as pessoas algum dia já se comunicaram por cartas.

Recentemente, lendo os cadernos de receita da minha família, achei curioso como eles funcionavam feito redes sociais. Minha avó anotava o passo a passo de um prato supimpa feito por uma conhecida, testava a preparação, acrescentava um comentário aqui e uma dica de outra amiga ali e então passava a novidade para a frente. Lembrei disso quando vi a receita abaixo anotada no caderno da minha mãe como “Bolinhas de queijo (Ana)”. Ana, amiga da minha mãe, é mãe da Fernanda, minha melhor amiga na vila. No meu caderno (este blog), as bolinhas viraram “Bolinhas de queijo da tia Ana (mãe da Fernanda)”, porque assim faz mais sentido para mim.

Reflexões à parte, esta receita é simples que só e fica uma delícia com um café da tarde.

Ingredientes
1 xícara e meia de farinha de trigo
1 xícara de manteiga (o original levava margarina, mas substituí)
1 xícara bem cheia de queijo ralado (usei gruyère, porque minha geladeira está cheia desse queijo, comprado em uma promoção, mas geralmente usaria parmesão)

Modo de preparo
Misturei tudo com as mãos até formar uma massa uniforme. Dividi a massa em bolinhas (e algumas “minhocas”, para o meu filho) e as levei ao forno pré-aquecido a 200ºC em uma assadeira (nem precisa ser untada).

Biscoito de queijo em forma de minhoca
Para as crianças, minhocas de queijo

Biscoitos de castanha-do-pará para servir com chá (ou café)

Biscoitos de castanha do Pará

Tenho uma amiga, a Paula Moura, que é especialista em chás. Escreve reportagens sobre o assunto, estudou a cerimônia do chá japonesa e morou no Japão para ver o ritual de perto (quer dizer, não cruzou o mundo só pra isso, mas certamente tomou bastante chá por lá…). Sempre que viaja, a Paula – ocidental, de uma família de produtores de café em Minas Gerais – traz chás diferentes. Agora, recém-chegada de Washington, ela propôs fazer aqui em casa uma degustação das variedades que trouxe na bagagem. Minha contribuição, ela ainda não sabe, serão os biscoitos de castanha-do-pará que eu ensinarei a fazer a seguir.

Não tenho costume de fazer biscoitos em casa. Muito menos de promover chás da tarde. Meu marido, Marcos, que mantém um blog botequeiro, achou graça: “Vocês vão brincar de casinha?”. E eu logo me imaginei como Elly, a elefanta do desenho animado Pocoyo, sentada diante de uma boneca e segurando uma xícara com o dedinho levantado – como mãe, é esse tipo de coisa que eu assisto ultimamente.

Quando o cheiro de castanha-do-Pará tomou conta da casa, Marcos trocou as gracinhas por um “Huummm…”. Depois provou a receita pronta e comentou, brincando, que eu poderia vender minha produção para a cafeteria perto de casa. Desde então, já o vi assaltar o pote de biscoitos algumas vezes. Espero que sobre algum para mais tarde.

Ingredientes
100 gramas de castanhas-do-pará moídas (pesadas sem a casca)
200 gramas de manteiga
200 gramas de farinha de trigo
70 gramas de açúcar

Modo de preparo

Em uma tigela, misturei todos os ingredientes com as mãos (que ficaram bem macias depois de mexer em tanta gordura) até obter uma massa compacta. Moldei bolas pequenas, pouco maiores que bolinhas de gude, e as distribuí em uma assadeira untada, deixando espaço para que crescessem. Depois de fazer 42 biscoitos, o que cabia na minha assadeira, ainda sobrou um pouco de massa, então eu a envolvi em filme plástico e a guardei no congelador para tentar assar depois. Levei a assadeira ao forno baixo (180ºC). Em 20 minutos os biscoitos estavam prontos. Na receita original, depois de assados eles eram passados em uma mistura de açúcar e baunilha em pó, mas eu açucarei um e achei que não precisava de mais açúcar na minha vida. Eles ficam perfeitamente bons sem essa última etapa.