Ana Holanda e a mãe, Ligia
Este relato faz parte de uma série de depoimentos sobre as delícias e as histórias da cozinha de mãe
Por Ana Holanda*
A minha casa da infância tem muitos cheiros, quase todos de comida. O aroma da cebola fritando para refogar o arroz, o cheiro do frango no forno, o bife na frigideira, o bolo assando. Minha mãe, Ligia, sempre cozinhou. Ela nasceu para ser dona de casa, porque esse era o destino das mulheres naquela época (meados de 1940). Quando casou, foi natural parar de trabalhar, ficar em casa, ter filhos, cuidar dos afazeres domésticos, cozinhar. Mas eu sempre senti que minha mãe queria mais. Ela queria poder ser visível para os olhos dos outros, queria ir além daquele papel que lhe impuseram como o certo. Fez aula de pintura, de artesanato, de dança. Começava mas não seguia. É difícil julgar os limites do outro. Mas na cozinha ela reinava. Ali era seu território e ela ditava as regras. Altiva, toda poderosa. Eu adorava admirá-la naquela posição tão cheia de si. Naquele tempo, criança não podia se aproximar do fogão, das tigelas, do alimento cru. Então, eu só observava, sentada em um canto da cozinha. Demorei anos para ser autorizada a me aproximar de fato. Meus momentos preferidos eram os dias de festa. Quando ela preparava bolos lindamente decorados com glacê.
Precisei buscar na memória da garotinha que fui como se temperava uma carne, um arroz, um feijão. Estava tudo ali, bem guardado”
Talvez por não ter tido a opção de seguir um caminho ditado por ela, minha mãe queria muito que as filhas trilhassem outra rota, que não passava pela cozinha, pelo cuidar dos filhos, pela ocupação de dona de casa. Talvez por isso eu tenha demorado anos para me sentir à vontade na cozinha. Precisei buscar na memória da garotinha que fui como se temperava uma carne, um arroz, um feijão. Estava tudo ali, bem guardado. Aos poucos, fui me sentindo mais próxima das panelas, aquelas estranhas. Mas as pazes só aconteceram de fato quando meus filhos nasceram. Eu não queria comida pronta, sem gosto ou cheia de aromatizantes, conservantes e gorduras. Queria comida de verdade, caseira, feita com carinho. Queria que eles experimentassem um pedacinho de mim, das minhas memórias, dos meus gostos, da minha essência, enfim. E comecei a cozinhar, quase todos os dias, mas não pela obrigação que ditou, um dia, a rotina da minha mãe. Mas por um prazer consciente, um sentimento verdadeiro. Hoje, minha filha Clara já reconhece quando estou fazendo carne de panela. E o Lucas batizou meu bolo de “o melhor bolo de chocolate do mundo”. Não sei se, lá na frente, eles vão gostar de cozinhar. O objetivo não é esse. O que tento é mostrar a eles que o mundo é cheio de possibilidades, dentro e fora da cozinha. Temos escolhas e temos a liberdade de optar por onde caminhamos. E a comida vai sempre estar presente nas nossas vidas. Quando sinto o aroma do suflê de milho saindo do forno, lembro dos dias preguiçosos da infância, da minha mãe fazendo tudo apressado, dos meus irmãos ora conversando, ora discutindo na mesa. Sem perceber, minha mãe deixou um legado lindo: os cheiros e os sabores. Para mim, a comida representa esse elo que nos une, mesmo quando quem a gente ama não estiver mais aqui. E isso é reconfortante, é amor que fica.
Suflê de milho
Ingredientes
1 ½ xícara (chá) de leite integral
1 colher (sopa) bem cheia de farinha de trigo
1 xícara (chá) de queijo parmesão ralado
1 xícara (chá) de queijo mussarela ralado
1 colher (sopa) de manteiga
1 lata de milho em conserva
3 ovos
Modo de preparo
Coloque o leite e a farinha de trigo em uma panela e leve ao fogo. Mexa até formar um creme (textura de mingau). Retire do fogo e acrescente os queijos, a manteiga e o milho. Misture tudo e reserve. Deixe esfriar bem e acrescente apenas as gemas dos ovos. As claras devem ser batidas em neve. Acrescente também misturando delicadamente. Coloque em uma travessa própria para suflê e leve ao forno previamente aquecido (180 ºC). Demora cerca de 30 minutos para ficar pronto.
*Ana Holanda é jornalista, editora-chefe da revista Vida Simples e criadora do projeto Minha Mãe Fazia, que fala sobre memórias afetivas e comidinhas do dia a dia.
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