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O Brasil bem pessoal de Marcelo Corrêa Bastos (e o cordeiro com maniva do novo Vista)

Vista restaurante _ chef Marcelo Correa Bastos _ foto Rubens Kato

Marcelo Corrêa Bastos era um menino que comia de tudo. Nos almoços de sábado, quando os pais dele se reuniam com amigos em um restaurante tradicional de Londrina (PR), o futuro chef só ficava com as crianças até a refeição ser servida. Então deixava para trás a mesa infantil, abastecida de pizza, para dividir com os adultos os pratos de um bufê. “Era supervariado: tinha joelho de porco, arroz de bacalhau… Não fazia sentido nenhum, mas eu gostava de comer coisas diferentes”, lembra Marcelo, enfatizando que nunca teve um prato favorito – nem hoje. Mas tem, claro, suas preferências. E as transformou em uma cozinha brasileira pessoal, que ora segue tradições, ora brinca com elas. Perguntado sobre o conceito que une os menus do seu primeiro restaurante, o Jiquitaia, e o recém-inaugurado Vista, responde rápido: “É a minha cozinha. Só a moldura é diferente”.

E que moldura. Instalado na cobertura do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), o novo restaurante se abre para o Parque do Ibirapuera, com um visual que impressiona de dia ou de noite. Durante cinco décadas ocupado pelo Detran, o prédio do MAC já foi o lugar aonde nenhum paulistano queria ir, mas agora tem potencial para se tornar o novo lugar aonde todo mundo quer ir: pelo acervo do museu, pela arquitetura do edifício projetado por Oscar Niemeyer e pela comida de Marcelo, direta como sua conversa.

O cardápio é quase uma extensão do Jiquitaia, restaurante que, quando foi inaugurado, em 2012, tinha a proposta de fazer um almoço baseado na cozinha comercial paulistana, com pratos distribuídos por dias da semana: segunda-feira de virado à paulista, terça de dobradinha e por aí vai. Pesou na escolha desse conceito a comida da infância de Marcelo, preparada pela mãe, que por sua vez cresceu comendo todo dia nos restaurantes dos pais no interior do Paraná.Em casa o cardápio era parecido com esses comerciais tradicionais de São Paulo”, lembra o chef. “Um dia era feijoada, no outro dia era peixe, no outro uma massa, e sempre uma saladona…”

Já a noite do Jiquitaia desde o início foi outra história. “No jantar, a ideia era explorar as cozinhas brasileiras de um jeito mais livre, da forma que eu quisesse, sem muito rigor, sem ser muito didático.”

Aos poucos, os pratos da noite foram invadindo o dia. E Marcelo foi se firmando como um nome de peso na cozinha brasileira, com preparações como arroz de pato com magret de pato e tucupi ou moqueca baiana. Moqueca baiana à maneira do chef: ele lembra com bom humor do pito que tomou de um baiano inconformado com a receita.

Vieram filas, veio um bar no andar superior, mas a ascensão era até então discreta como o sobrado que o Jiquitaia ocupa na rua Antônio Carlos, na região do Baixo Augusta. Veio o Vista para chacoalhar tudo. Marcelo foi convidado a entrar no empreendimento pelo grupo que ganhou a licitação para montar um complexo gastronômico no MAC-USP. O projeto é superlativo: na cobertura de 2.400 m² de área, haverá, além do restaurante de ampla cozinha envidraçada, dois bares (um deles, o Obelisco, já inaugurado). No mezanino do museu também funciona um café.

Vista Ibirapuera _ fotos Rubens Kato

Agora o menino que comia de tudo pode servir um pouco mais de tudo o que queria e não podia. Enquanto o Jiquitaia tem moqueca baiana, o Vista tem moqueca capixaba – e, diferente da prima baiana, a capixaba passou por um teste com um local, amigo do chef. Menos tradicionais são os croquetes de pupunha com maionese de pimenta de cheiro, o peixe carapau selado com leite de amendoim, azedinha e cará cru ou os raviólis recheados de abóbora, batata-doce e pamonha de milho servidos em caldo de cogumelos. Sucesso de vendas, o bacalhau ao forno com emulsão do próprio caldo e azeite levou o chef a pensar em fazer um escondidinho, receita da mãe, para aproveitar as aparas do peixe.

Já no carré de cordeiro com maniva (folha de mandioca moída e cozida longamente para eliminar toxinas) e banana-da-terra, a cozinha brasileira encontra a de Camarões. O chef criou a receita depois de provar no restaurante africano Biyou’Z, na região central de São Paulo, um prato com folha de mandioca –  o ingrediente comum no Norte do Brasil também é usado na culinária de países do outro lado do Atlântico.

Para experimentar em casa uma amostra desse Brasil bem pessoal de Marcelo, seguem as instruções dele para fazer o cordeiro.

Vista restaurante _ Cordeiro, molho de maniva com especiarias e banana da terra grelhada _ foto Rubens Kato

RECEITA

Cordeiro com molho de maniva e banana-da-terra

Rendimento 4 porções

Ingredientes
1 kg de carré de cordeiro
2 bananas-da-terra
10 minicebolas
azeite para untar a carne
Para a marinada:
200 ml de vinho branco
800 ml de água
35 g de sal
10 g de açucar
1 dente de alho
5 g de pimenta do reino
1 pimenta de cheiro
1 folha de louro
1 raiz de coentro

Para o molho:
500 g de maniva moída e pré-cozida*
80 g de coentro (inteiro com raiz)
10 g de gengibre ralado
20 g de alho
30 g de pimenta de cheiro
30 ml de dendê
50 ml de azeite
2 g de cominho
10 g de gergelim
100 ml de demi glace (veja aqui como fazer)

*Em São Paulo, comprei maniva no Mercado de Pinheiros, no box Amazônia do Instituto Atá.

Modo de preparo
Bata todos os ingredientes da marinada no liquidificador e coe. Marine os carrés por 8 horas, seque e deixe descansar por, pelo menos, três horas.

Para o molho: refogue no azeite com dendê todos os ingredientes, exceto o demi glace e a maniva; deixe que murchem bem, adicione a maniva e o demi glace, deixe ferver, processe tudo, volte ao fogo e dê o ponto (deve ser pastoso, mas ainda fluido, algo entre um pesto e um molho espesso).

Grelhe os carrés untados em um pouco de azeite até que estejam ao ponto. Deixe descansar por alguns segundos,  enquanto isso, doure as mini cebolas e as fatias de banana (de aprox. 5mm) numa frigideira antiaderente. Sirva tudo sobre o molho aquecido.

Fotos: Rubens Kato / divulgação

Para ler e cozinhar mais:

Menu de aniversário do La Casserole (com receita de steak tartare)

Steak tartare no mandiopã no La Casserole

Clássico é o antigo que envelheceu bem. E não conheço outro restaurante em São Paulo que represente essa categoria com o mesmo discreto charme do La Casserole. Instalado na frente da banca de flores do Largo do Arouche, há seis décadas é um reduto da cozinha francesa no centro de São Paulo, sempre tocado pela mesma família. Fundado em 1954 por Roger e Fortunée Henry, passou a ser administrado pela filha deles, Marie, nos anos 1980. Hoje, o filho dela, Leo, também toma conta do negócio.

Parte dessa história é contada em um menu de acepipes montado para comemorar os 64 anos do bistrô. No cardápio especial, disponível no jantar até a próxima sexta-feira (08/06), o La Casserole tenta mostrar que não parou no tempo – e pode até brincar com ele – servindo com nova roupagem alguns de seus pratos tradicionais. Com 7 itens, o menu custa 135 reais por pessoa.

Os escargots, com manteiga de alho e salsinha de lamber os dedos, foram transformados em recheio de bolinho frito. A terrine de foie gras, sobre uma fatia de brioche, ganha bolinhas de sagu ao vinho. Vem em um copo, como um shot, o boeuf bourguignon. O pato com laranja é um pacotinho de massa filo.  E o steak tartare (receita a seguir), geralmente temperado diante dos clientes e acompanhado de fritas, vira um canapé quando disposto em um mandiopã crocante.


RECEITA

Steak tartare com batata-frita do La Casserole

Rendimento: 4 porções

Ingredientes

Para a carne
720 g de filé mignon limpo e picado na ponta da faca
60 g de azeite
40 g de molho inglês
60 g de ketchup
140 g de mostarda de dijon
40 g de cebola picada
40 g de alcaparras picadas
4 g de salsinha picada
Sal a gosto
Pimenta-do-reino branca a gosto

Para a batata
600 g de batata para fritar
500 ml de óleo de canola

Para finalização e montagem
4 gemas de ovo (opcionais)

Modo de preparo

Da carne
Em um recipiente grande, misturar todos os ingredientes, em seguida acrescentar a carne e misturar bem para que fique uma mistura bem homogênea.

Da batata
Cortar as batatas em bastonetes regulares e manter em água para não escurecer.

Aquecer uma panela grande com o óleo a 160°C e adicionar as batatas.

Retirar as batatas desta primeira fritura e colocar em papel absorvente para secar.

Aumentar o fogo para 180°C-200°C e fritar aos poucos até que fiquem douradas.

Secar e adicionar o sal.

Finalização e montagem
Tradicionalmente, o steak tartare é servido com uma gema de ovo crua.

Caso se queira optar por acrescentá-la, a carne crua e temperada deve ser separada em 4 porções e a gema misturada a cada uma das porções separadamente.


Outros pratos tradicionais do La Casserole transformados em petiscos:

Terrine de foie gras e sagu do La Casserole
Terrine de foie gras sobre brioche e coberta de sagu ao vinho.

Cromesquis de escargot
Bolinho recheado de escargot e manteiga de alho e salsinha

Pato com laranja no La Casserole
Pacotinho de pato com laranja

Para cozinhar mais:

Rodrigo Oliveira: “Temos que olhar para o mundo, mas sem dar as costas para o quintal”

O chef do Mocotó fala sobre a comida da infância, a relação com o pai, a criação do dadinho de tapioca (com receita!) e a entrada em territórios bem distantes da Vila Medeiros, bairro paulistano onde fez fama. Sua próxima parada: Los Angeles

O chef Rodrigo Oliveira, do Mocotó (foto: divulgação)

“O sertão é do tamanho do mundo”, diz o jagunço Riobaldo em Grande Sertão: Veredas. A referência ao livro de Guimarães Rosa está no site do restaurante Mocotó. E, se lá está, motivo deve ter. De discurso ponderado, o chef Rodrigo Oliveira não parece ser do tipo que deixa as coisas ao acaso. Fora quando inventou os dadinhos de tapioca (veja a receita). Isso, segundo ele, aconteceu sem querer — como em tantos outros achados da cozinha, do pão fermentado à tarte tatin. Onze anos atrás, o cozinheiro estava enrolando bolinho de tapioca, como tinha aprendido com uma amiga, quando, por descuido, deixou a massa endurecer. Diante do desastre, resolveu fatiá-lo e fritá-lo para a equipe, seguindo a tradição sertaneja de nunca jogar fora o que se pode comer. Nascia um clássico que voou longe no Brasil e no mundo (Estados Unidos, Inglaterra, Austrália). “Se eu fosse cobrar royalties…”, brinca. “Mas me sinto mais homenageado que plagiado.”

“O sertão é sem lugar”, também escreveu Guimarães Rosa. E Rodrigo, o cozinheiro que transformou o bar do pai pernambucano em um centro de peregrinação gourmet nos altos da Vila Medeiros (zona norte de SP), vai aos poucos ocupando novos territórios. Temos que olhar para o mundo, mas sem dar as costas para o quintal”, diz o chef. Recentemente fincou bandeira na avenida Paulista, com o Balaio, restaurante brasileiro dentro do Instituto Moreira Salles — para chegar lá a partir do Mocotó, leva uns 50 minutos de carro, durante a semana, ou o mesmo tempo de bicicleta, aos domingos. Antes ele já tinha montado um café no Mercado de Pinheiros, outro no shopping D, e assinado os menus dos voos da KLM saídos do Brasil. Isso sem contar a abertura, cinco anos atrás, do Esquina Mocotó, vizinho ao Mocotó, com uma cozinha autoral classificada com uma estrela no guia Michelin. “O Esquina fala da Paulicéia”, diz Rodrigo, nascido no bairro da Vila Maria e morador da Vila Medeiros desde os 7 anos. “Tem um pedaço do Brasil e um pedaço do mundo na cidade, então praticamente tudo é possível.”

O próximo passo, previsto para 2019, é montar um restaurante de comida brasileira em West Hollywood, Los Angeles, em parceria com um grupo internacional. Ali, o menu deve seguir a toada pan-regional sem regionalismos do Balaio — fórmula expressa na moqueca vegetariana do restaurante, feita com caju, banana da terra, palmito, fava verde, ora-pro-nobis, coentro e caldo de tucupi, leite de coco e dendê. “É um prato que não é baiano, não é paraense, não é paulista, mas você coloca na boca e tem gosto de Brasil”, diz Rodrigo. “E não é feito para soar exótico ou fusion, e sim para soar gostoso, nutritivo, bonito, cheiroso.”

Mas como se transporta para outras bandas o sucesso do Mocotó, um negócio que é, nas palavras de Rodrigo, um restaurante improvável? Afinal, qual a probabilidade do chef catalão Joan Roca encontrar por acaso o chef francês Michel Bras em uma casa de cozinha sertaneja nas bordas do circuito gastronômico paulistano (“Essa cena aconteceu mesmo”, diz Rodrigo)? Ou: qual a chance de o boteco aberto nos anos 1970 por um retirante fugido da fome no Nordeste — seu José de Almeida, pai de Rodrigo  — ter hoje 120 lugares ocupados todo mês por quase 20 mil clientes, que vão do office boy ao banqueiro cercado de seguranças? “Focamos no essencial, porque uma das nossas premissas mais importantes é inclusividade”, diz o chef. “Se você contar a história de uma maneira complicada ou agregar muito custo em cima dessa experiência, um monte de gente ou não vai entender ou não vai poder participar.”

Na elaboração dos pratos, isso significa se ater aos elementos fundamentais. “A carne de sol, a gente já fez de umas 50 maneiras diferentes, mas sempre respeitando a carne, o sal, o tempo, a brasa.” Mas, no caso do restaurante, o que é o essencial? O que é a cultura que precisa ser levada para qualquer parte? “A hospitalidade. Nosso negócio principal não é arroz e feijão, carne seca, pinga, cerveja e caipirinha. É acolhimento. Então encontrar as pessoas certas, tê-las engajadas, motivadas, é o primeiro passo para oferecer uma experiência verdadeira.”  

Foi a equipe formada no Mocotó que ajudou a montar os negócios em outras freguesias. E foi o pai de Rodrigo, que aos 78 anos ainda bate ponto no Mocotó todos os dias, quem segurou um pouco os voos do filho. Ou o ajudou a voar com segurança. “Ele nunca me incentivou, nunca falou ‘parabéns, bom trabalho’. Pelo contrário. Dizia ‘pra que isso? Que bobagem!’”, conta Rodrigo. “Mas o receio do meu pai sempre me ajudava a refletir e me preparar mais para uma empreitada. Se tivesse sempre alguém dizendo ‘vai’, eu já teria montado e desmontado esse negócio umas três vezes.” Como diria Guimarães Rosa, e seu Zé Almeida há de concordar: “Viver é muito perigoso”.


Meu pai criou a cozinha do Mocotó: uma comida de panela, que é nosso lastro até hoje”

Confira mais alguns trechos da conversa com Rodrigo. Depois, a receita do tão falado e imitado dadinho de tapioca, que eu fiquei bem feliz de conseguir reproduzir em casa. (Clique aqui se preferir ir direto à receita.)

Dadinhos de tapioca do Mocotó (foto: divulgação)

Como o dadinho surgiu?
A partir de uma receita de um bolinho de tapioca dada por uma colega, Adriana Cymes. Um dia, preparando o bolinho, eu tive que para fazer outra coisa na cozinha…  Parece história, romance para florear a verdade, mas é isso mesmo. Depois que a massa dá o ponto, você tem poucos minutos para bolear, ou endurece. Quando voltei, o bolinho estava uma placa. Prestes a jogá-lo no lixo, falei: se a gente corta polenta em palitinhos e frita, será que não dá para cortar isso em palitinhos? Fiz para a gente (a equipe) comer, depois fiz testes, mexi na receita e tirei ingredientes para deixá-la mais simples, mais direta, mais gostosa.

E o molho agridoce?
Era um molho típico tailandês, feito na Inglaterra, que um chef francês (Laurent Suaudeau) trouxe para o Brasil de uma feira de alimentação na Alemanha. Eu estagiava com o Laurent (e já trabalhava no Mocotó) quando provei. Fui olhar os ingredientes: tapioca, pimenta, alho, vinagre, sal e açúcar. Falei: é um molho brasileiro, tem tudo que a gente usa na cozinha. Vou fazer isso!

Como era a comida da sua infância?
Em casa foi sempre minha mãe que cozinhou, muito bem. Era o trivial, todo dia arroz e feijão, uma carninha, uma salada. E farinha, lógico. Domingo tinha macarronada, frango guisado, maionese de batata. De vez em quando uma lasanha. Já meu pai criou a cozinha do Mocotó: uma comida de panela, que foi a base que aprendi e é nosso lastro até hoje. É um jeito de cozinhar intuitivo — porque ele não cozinhava antes —, prático, direto, essencial. Havia também as viagens a Pernambuco, todo ano, com a família, para passar as férias. Meu pai tem a fazenda lá ainda, na transição entre agreste e sertão. Eu comia coisas incríveis: cabrito guisado, carne de sol, cuscuz, macaxeira cozida, inhame… Foi o primeiro questionamento que eu levantei: isso é tão bom, por que a gente não faz isso no Mocotó? O Mocotó então fazia mocotó, favada, sarapatel, baião de dois.

Tem alguma comida na memória que você nunca conseguiu fazer igual?
A farofa d’água da minha mãe. Farofa de bolão, como é conhecida em alguns lugares. É uma farofa simples, não tem nenhuma gordura, só cebola, coentro escaldado em água com um pouquinho de sal e farinha de mandioca. Lembro quanto eu adorava essa farofa para comer com carne assada. Já a farofa de queijo do meu pai eu consegui pegar, depois de muito tempo. É uma simulação de uma farofa que o queijeiro faz quando termina de preparar o queijo do dia: ele raspa o tacho, todo caramelizado, coloca mais queijo e farinha, e vende essa farofa junto com o queijo. Meu pai imitava isso na frigideira, caramelizando o queijo, depois raspando.

Você trabalha com seu pai desde os 13 anos. Quais os principais ensinamentos dele?
Primeiro de tudo, o valor do trabalho. Meu pai, se subtrair o trabalho dele, sobra pouca coisa. Porque é uma pessoa que cuidou muito da família, ajudou muita gente, mas o veículo dessa generosidade sempre foi o trabalho. Dedicou a vida inteira e, aos 78 anos, com uma saúde frágil, está todo dia aqui, todo dia, todo dia. Já está aí com certeza, não preciso nem olhar. Muito dedicado, correto. Pensa em uma pessoa que sempre gostou de todos os pingos nos is. Um tremendo empreendedor, racional, comedido, paciente também, que foi construindo as coisas em um passo muito cadenciado, sem se deslumbrar pelo sucesso. Porque imagina, para quem veio sem ter o que comer, saiu fugido da fome, chegou sem nada, absolutamente nada, ele construiu um patrimônio que era uma conquista muito grande. Meu pai nos ensinou que o grande mérito do trabalho é o trabalho em si, não é ter isso ou comprar aquilo, ostentar.

O Mocotó é um restaurante único, peculiar, para o bem e para mal”

No que vocês são muito parecidos e no que não são?
Herdei o gosto pelo trabalho e não raro nas minhas folgas acabo trabalhando. Ainda estou aprendendo a incorporar o lazer na rotina, e as crianças ajudam bastante nisso (Rodrigo tem 5 filhos: Nina, 9, Flor, 7, Cora, Pedro, 3, e Alice, 1). Mas meu pai tem sempre uma prudência, no meu ver, delicadamente pessimista. Acho que nisso a gente difere. Eu penso sempre que a gente se prepara para todos os cenários, inclusive o pior, mas sempre espera o melhor cenário e em tudo que é possível ajuda a construir esse melhor cenário. Vem dando certo, e a gente vem aprendendo durante a caminhada. Tudo foi feito meio com base na intuição, algumas coisas na tentativa e erro, e por isso que o Mocotó é um restaurante único, peculiar, para o bem e para mal. 

O que é esse mal?
É um restaurante em que você não consegue fazer reservas. Se a gente fosse instituir sistema de reservas, teria muito menos giro, menos giro significa menos agilidade, menos eficiência, mais custo. Nossa margem é pequena porque a gente usa produto de extrema qualidade, tem uma cozinha equipada com os melhores equipamentos (se você entrar na cozinha do Mocotó, do Fasano, do DOM ou do Maní, vai ver os mesmos equipamentos), tem uma equipe remunerada acima da média do mercado. Os custos são altos, e como a gente não quer criar um modelo exclusivo, como torna viável isso? Com giro. Tendo uma margem menor e atendendo um monte de gente.

O nosso pequeno restaurante aqui na Vila Medeiros e o glorioso Fasano lá nos Jardins e os restaurantes mais bacanas de Nova York ou de Londres têm muito mais coisas em comum do que diferenças”

Quanto foram importantes os estágios, as viagens, a faculdade? Quanto mudou a sua cabeça olhar o mundo lá fora?
Temos que olhar para o mundo, mas sem dar as costas para o quintal.  Você não pode se deslumbrar com o que vê aí fora e esquecer que seu contexto é único e que tudo isso tem que ser filtrado. Mas a faculdade, os estágios, as dezenas de viagens que o próprio trabalho me deu oportunidade de fazer no Brasil e no mundo, tudo isso foi transformador. Talvez o ponto central foi ver que o nosso pequeno restaurante aqui na Vila Medeiros e o glorioso Fasano lá nos Jardins e os restaurantes mais bacanas de Nova York ou de Londres têm muito mais coisas em comum do que diferenças. Isso me faz acreditar mais no nosso negócio. Por que não fazer um grande restaurante na Vila Medeiros? Grande no sentido qualitativo. O Mocotó tem 120 lugares e atende quase 20 mil pessoas no mês. A gente tem bastante orgulho desse feito, que é atrair a atenção de gente do mundo todo para a cozinha sertaneja e para a Vila Medeiros, para o sertão paulistano.

E esse projeto de ir para o mundo mesmo, de sair do Brasil?
Depois de assinar o menu da KLM, a gente falava: o céu era limite, não é mais. Obviamente uma brincadeira. E agora há um projeto em andamento em Los Angeles. A gente já recebeu um monte de convites para lugares muito legais, mas esse tocou de verdade porque reunia todos os ingredientes necessários: um lugar extraordinário, pois a cena gastronômica de Los Angeles está efervescente; um grupo que tem muito recurso e know how. A gente viu como uma grande oportunidade de se desafiar sobre como seria recebida a cozinha brasileira lá fora.


RECEITA

Dadinhos de tapioca

(Receita da embalagem da tapioca granulada vendida no Mocotó – testada por mim e aprovada pelo meu filho, conforme foto abaixo)

Dadinho de tapioca feito em casa (foto: O Caderno de Receitas)

Ingredientes
1 litro de leite
500 gramas de tapioca granulada
750 gramas de queijo coalho ralado
Sal a gosto
Pimenta-do-reino branca a gosto
Óleo para fritar
Molho agridoce de pimenta para acompanhar (opcional)

Modo de preparo
Escolha uma travessa retangular. Molhe com um pouco de água e cubra com filme plástico. Ele ajudará a desenformar.

Leve o leite ao fogo até que comece a ferver

Em um recipiente, misture a tapioca, o queijo, a pimenta e o sal.

Quando o leite levantar fervura, desligue a chama e o acrescente à mistura de tapioca, queijo e pimenta. Mexa bem até que a tapioca esteja hidratada.

Transfira a massa para a travessa com filme plástico, cubra com outro plástico e deixe esfriar. Leve à geladeira e deixe até que esteja firme.

Retire da geladeira, corte em cubos e frite em bastante óleo, a 170 ºC, até ficarem bem dourados e crocantes.

Para cozinhar mais:

Vamos nos encontrar no Festival Origem?

Festival Origem- A Conexão do Campo com a Gastronomia

Neste domingo eu, o chef Fellipe Zanuto, do Hospedaria, e a confeiteira Adriana Lira, do Dona Doceira, vamos falar de comida de vó em uma palestra no Festival Origem – A Conexão do Campo com a Gastronomia, organizado pelas revistas Época, Globo Rural e Casa e Jardim. É grátis, e vai ter limõezinhos recheados por Adriana, para degustar.

Fiz a curadoria do festival e, vou dizer, vai ter muita conversa e comida boa.

A partir das 17h de hoje até a noite de domingo, o Festival Origem vai reunir no Memorial da América Latina, em São Paulo, chefs, produtores e consumidores interessados em comer com prazer e consciência. É uma oportunidade para degustar ingredientes da biodiversidade brasileira, comprar alimentos de pequenos produtores e aprender mais sobre o que vai no prato.

Que tal provar queijos e embutidos artesanais e depois ouvir uma palestra de Jefferson Rueda, do A Casa do Porco Bar?

Ou você prefere partir para o estande do restaurante Clos, onde o chef Andre Ahn serve costelinha de porco ao molho de jabuticaba com pimenta fermentada, canjiquinha cremosa e emulsão de agrião?

No menu do restaurante Brado, o destaque é a língua de wagyu da fazenda Beef Passion, de carne sustentável certificada pelo selo Rainforest Alliance. Como acompanhamento, purê de batatas levemente defumado, miniagrião, pangrattato e picles de beterraba, com vegetais de produtores e cooperativas locais.

Ainda falando em carne, a palestra “De onde vem a carne que comemos” inclui um churrasco da Pecsa – Pecuária Sustentável da Amazônia.

O restaurante Hospedaria, que resgata receitas de imigrantes italianos, vem com dois pratos: lagarto marinado e pão de fermentação natural e cupim com purê de batatas, brócolis e alho confit.

Não vão faltar também frutos do mar, como o peixe da época grelhado ao missô artesanal de castanhas, acompanhado de berinjelas defumadas e legumes crocantes – prato que a chef Telma Shiraishi vai oferecer no restaurante Aizomê.

Em sua palestra/demonstração, Roberto Smeraldi, vice-presidente do Instituto ATÁ, vai preparar e servir como degustação miniarroz de sururu, feijãozinho de várzea e vitória-régia.

Entre as opções vegetarianas, coxinha de batata-doce com “carne de jaca” e estrogonofe vegano do Nambu Cozinha de Raiz; burger de cogumelos portobello e arroz negro servido com rúcula, tomate assado, picles de cenoura e maionese de alho levemente apimentada do Buzina Food Truck; açaí orgânico do Gorilla Tuk Tuk.

Para acompanhar, um bom vinho cai bem – e a palestra de vinhos orgânicos e naturais da sommelière Gabriela Monteleone pode ajudar a escolher um rótulo.

Para finalizar, sorvetes da Gelato Boutique, doces caipiras do Agostinho da Paçoca, delícias com frutas da Mata Atlântica do Instituto Auá.

Programação do Festival Origem

O Origem também tem:
– Happy hour com o food truck Veggies na Praça (hoje, 1/12).
– Oficinas para aprender a fazer: horta vertical em apartamento com a arquiteta Gabriella Ornaghi; chocolate a partir das amêndoas do cacau com Carolina Iwai, da Amma; cozinha vegana criativa com Renato Caleffi, do Le Manjue; tapioca com polvilho artesanal com Heloisa Bacellar, do Lá da Venda… “
– Atividade infantil: oficina “Uma horta brotou na minha cozinha”, com o viveiro Sabor de Fazenda.
– Palestras e demonstrações de cozinha com chefs premiados, como Ivan Ralston (Tuju), Bel Coelho (Clandestino), Oscar Bosch (Tanit) e Jefferson Rueda (A Casa do Porco).
– Dicas de Marcio Atalla para ter um estilo de vida mais saudável.He
– Palestra sobre veganismo com Alana Rox, apresentadora do GNT e autora do livro Diário de uma Vegana.
– Apresentação sobre plantas alimentícias não convencionais com Harri Lorenzi, coautor do livro Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil.

Cheeeseburger vegetariano do Veggies na Praça (divulgação)
Cheeeseburger vegetariano do Veggies na Praça criado especialmente para o Origem (foto: divulgação)

Queijos Pardinho (foto: divulgação)
Queijos artesanais do produtor Pardinho (foto: divulgação)

Sorvete de doce de leite com cumaru da Gelato Boutique (foto: divulgação)
Sorvete de doce de leite com cumaru da Gelato Boutique (foto: divulgação)

E muito mais! Confira a programação completa em www.festivalorigem.eco.

 

Arroz de cordeiro do Factório (e das festas de Rosângela Calixto)

Arroz de cordeiro do restaurante Factório (foto: divulgação)
Foto: divulgação

Receita de mãe está no menu de novo empreendimento paulistano que busca mesclar conceito internacional com toques de comida caseira

Tem avocado toast e tem enroladinho de queijo meia-cura, tem shakshuka judaica e tem galinhada, tem cevadinha vegana ou com linguiça, tem conceito inspirado no norte da Europa e tem comida de mãe goiana – sem regras de mãe. Arroz com costelinha de manhã? Pode. Iogurte com morangos amassados e granola no almoço? Pode também. Coquetéis a qualquer hora? Por sua conta e risco. Instalado na rua Amauri, em São Paulo, o Factório, novo empreendimento gastronômico de João Paulo Diniz, Ricardo Trevisani e Renato Calixto, levanta a bandeira dos sem bandeira.

“Fazemos uma cozinha all day, sem rótulo, em que qualquer comida é servida em qualquer horário”, diz Calixto, que deixou em abril deste ano a sociedade do Nino Cucina e do Peppino. “Vegetarianos, carnívoros, apreciadores de bebidas alcoólicas ou de café vão encontrar opções para congregar à mesa.”

A aposta em comida saudável, com muitos vegetais, e em um serviço flexível, que acompanhe a tendência de refeições com menos regras, vem de pesquisas em cidades como Londres, Berlim, Copenhagen e Amsterdam. Já o gosto por promover reuniões em torno da comida vem de família, assim como parte dos pratos do Factório, inclusive o arroz de cordeiro que é a especialidade da mãe dele, Rosângela Calixto.

Nas quatro ou cinco festas por ano que aconteciam no apartamento de Rosângela em Goiânia, o arroz de cordeiro (receita abaixo) era obrigatório. “Se eu não fazia, os convidados reclamavam. Falavam: mas eu vim pra comer isso!”, diz ela. De família árabe, aprendeu esta e outras receitas com a mãe. “Aos seis anos, eu subia em um toquinho para ajudar na cozinha.” Advogada, Rosângela já teve cozinha industrial para produzir marmitas e uma empresa de catering para festas.

O filho deixou Goiânia, mas nunca deixou o arroz da mãe. Passou por Barcelona, pela italiana Bra (onde fez mestrado na Universidade de Ciências Gastronômicas mantida pelo Slow Food), por Copenhagen. Morando em São Paulo, com frequência trazia marmitas para os amigos. Agora, com a mãe trabalhando com ele no Factório, tem o prato favorito à disposição, tanto na versão original como na forma de bolinho. Outros arrozes – dois por dia, como o de suã ou o de galinha – se revezam no bufê que ocupa o salão na hora do almoço, mas o de cordeiro está fixo no cardápio.

Nas sobremesas, se for para continuar na toada caseira, há bolo de tapioca,  servido com creme de limão e sorvete de cítricos. Ou que tal um sorvete de matcha? Aliás, os sorvetes, sorbets, geleias, granolas e pães (de fermentação natural) são feitos no próprio restaurante – ou comedoria, como ele se anuncia.

Em breve, um minimercado vai ser instalado em um canto do salão de 384 metros quadrados do imóvel que já foi uma fábrica – o nome Factório alude a isso, e a decoração, de ares industriais, acompanha. Os sócios também planejam eventos, como uma feira de rua, para tentar recuperar a importância gastronômica que um dia a rua Amauri teve. “Queremos que ela volte a ser uma rota de destino, como a rua dos Pinheiros ou os Jardins”, diz Calixto.

Arroz de cordeiro de Rosângela Calixto

Ingredientes
500 g de arroz agulhinha
200 g de costela de cordeiro
1 perna dianteira (paleta) de cordeiro (de 800 g a 1 kg)
200 g de amêndoas
250 g de manteiga
4 dentes de alho
2 colheres (sopa) de sal
1 colher (café) de pimenta-do-reino
1 pitada de orégano
Azeite

Modo de preparo
Cozinhe as carnes (costela e paleta) com o sal, a pimenta-do-reino, o orégano e o azeite. Após uma hora e meia, tire a costela da panela e reserve. Siga cozinhando a paleta até completar 3 horas e meia ou até que a carne esteja saindo do osso. Preserve o caldo do cozimento!

Cozinhe as amêndoas em água até soltar a casca (cerca de 10 minutos em água fervendo). Retire as cascas e frite as amêndoas em manteiga para dourar.

Desfie 1/3 da carne da paleta e coloque no forno a 180°C para secar e dourar, formando chips de carne.

Em uma panela grande, coloque os 2/3 restantes da paleta com 200 g de manteiga e um fio de azeite. Quando fritar, acrescente o arroz e o caldo do cozimento das carnes.

Doure a costela no forno usando uma assadeira.

Em uma travessa, monte o prato por camadas. Primeiro o arroz, depois os chips de cordeiro, então as amêndoas e por fim as costelas.

Se quiser, decore com cebolas caramelizadas e ervas. Vagens também podem cair bem.

Rendimento: 4 pessoas

Para cozinhar mais: