Categoria: Da família dos outros

Receitas e histórias de chefs e outros entrevistados.

Comida de mãe é um quentinho na alma

Por Cíntia Marcucci*

Este relato saboroso é o primeiro de uma série de textos de convidados sobre as delícias da cozinha materna

Cíntia Marcucci no colo da mãe, Mariza, e ao lado da irmã, Camila

Tenho sorte de morar perto da casa dos meus pais. E de trabalhar em casa. Por conta disso, não são raras as vezes em que estou eu lá, em plena terça-feira no almoço ou num jantar de quinta, comendo com minha mãe, minha avó materna, meu pai. E também minha irmã e minha sobrinha, que tem só 10 meses mas já sabe do que a família mais gosta: comer e cozinhar. Eu adoro esquentar a barriga no fogão e esfriar na pia (quer dizer, essa última parte nem tanto, detesto lavar louça), mas comida de mãe tem outro gosto, é sempre melhor.

Minha mãe sempre trabalhou fora. Ela é meu exemplo de mulher, que me ensinou a ser independente e dona do meu nariz. Também me ensinou que cozinhar faz parte disso tudo. Todo mundo em casa cozinha, inclusive meu pai. A verdade, tenho que admitir, é que por anos eu era o patinho feio da culinária doméstica. A desajeitada que derrubava as coisas no fogão. Mas, sabe como é, um dia a gente mostra a que veio e hoje eu arraso nas panelas. Sempre fazendo lambança, mas arraso.

Ela me ensinou a ser independente e dona do meu nariz. Também me ensinou que cozinhar faz parte disso tudo”

Mesmo minha mãe trabalhando fora, tendo dois ou três empregos, minha casa sempre tinha aquela comidinha com o tempero dela, porque a gente nunca teve empregada. Lembro quando ela fazia feijão. Fresquinho, saindo da panela — fosse a hora que fosse, eu e minha irmã pegávamos uma tigelinha, colocávamos um fio de azeite e uma pitada de sal e comíamos de lanchinho. E o espinafre? Minha verdura favorita desde sempre, refogado com cebola e tomate.

O creme de milho dela, só ela faz. Amarelinho, o milho batido no liquidificador, fica um creme pedaçudo, com cebola e tomate, de se acabar com o arroz branco e o frango frito. Alcachofra eu também acho que a dela fica sempre melhor que a minha. Ela recheia as flores — nada de cortar pétalas e tirar o miolo, senão perde 90% da graça — com uma maçaroca de pão, azeite, vinagre, alho e sal. Não tem ingrediente secreto em nenhuma dessas coisas, mas é aquela coisa de saber dosar o sal, o alho, a cebola que ninguém faz igual. Nem ela, porque eu sei que ela faz tudo a olho, sem medir.

Ela que me ensinou a fazer pão. Todo sábado era a mesma coisa: massa pra pizza caseira. Pão foi a primeira coisa que aprendi a fazer na cozinha e, como destino é uma coisa louca mesmo, se tornou a minha marca registrada hoje.

Mas a receita mais legal que a minha mãe faz e que eu quero dividir hoje com vocês é um bolo chamado colchão de noiva. Ele é feito de fécula de batata e a receita é marca registrada da minha avó. Mas da paterna. Só que só a minha mãe consegue fazer igual ao dela. Provando que cozinha é uma coisa de alma e coração.

Bolo colchão de noiva

Ingredientes
Para a massa:
6 ovos
Gotas de essência de baunilha
8 colheres de sopa de açúcar
4 colheres de sopa de fécula de batata
1 colher de sopa de fermento em pó
Manteiga para untar
Farinhas de trigo e de rosca para enfarinhar
Para o recheio (creme de aniversário):
1 lata de leite condensado
2 “latas” de leite
3 gemas
3 colheres de sopa de maisena
1 colher de chá de essência de baunilha
250 gramas de creme de leite
Frutas picadas (pêssego em calda é o tradicional)
Decoração:
Chantilly
Cerejas ao marrasquino

Modo de preparo da massa
Bata as claras em neve. Junte as gemas, a baunilha e o açúcar, batendo bem. Junte a fécula e o fermento no final e misture levemente, senão o bolo não fica fofinho. Coloque em uma forma untada e enfarinhada com farinhas de trigo e de rosca e leve ao forno médio até assar e dourar.

Modo de preparo do recheio
Leve ao fogo o leite cru e o condensado, misture e, antes de levantar fervura, junte as gemas batidas com a maisena e a baunilha. Mexa até engrossar e formar um creme liso. Desligue o fogo, junte o creme de leite.

Montagem
Arrume o bolo e o creme, coloque frutas picadas, cubra com outro bolo e decore com chantilly e cerejas ao marrasquino.

*Cíntia Marcucci, filha de Mariza, é jornalista, fazedora de pães e autora do blog Quem Tem Boca Vai….

Leia mais:

Moqueca de pititinga – no tabuleiro da baiana tinha

moqueca de índio

No tabuleiro da baiana de Salvador, não tem mais. A moqueca de índio, ou de folha, é um dos pratos pesquisados pela chef Leila Carreiro para o Dona Mariquita, restaurante soteropolitano que resgata comidas de rua de diferentes regiões da Bahia. Segundo ela, o tira-gosto de pititingas (manjubinhas) assadas em folha de bananeira sobre fogareiro, antes comum na capital, sobrevive no Recôncavo, onde ganha o nome de moquequinha. Você pode prepará-lo em casa seguindo a receita enviada pela chef.

Ingredientes
400 gramas de pititingas (manjubinhas)
3 dentes de alho
Sal
Coentro
2 pimentas malaguetas
Limão
Azeite de oliva
1/2 folha de bananeira assada
Para acompanhar
Discos de tapioca torrada

Modo de preparo
Lave a pititinga em água corrente e, depois, tempere com alho, sal, coentro, pimenta malagueta e um pouco do suco do limão.

Deixe 3 minutos marinando com um fio de azeite de oliva.

Faça um pacote com a folha de bananeira e coloque as pititingas temperadas para assar.

Coloque também os disquinhos de tapioca torradas no forno até ficarem mais crocantes.

Abra o pacote para tirar o calor e sirva com os discos de tapioca torrada.


Para cozinhar mais:

Pipoca caramelizada da infância do chef Leo Paixão

Ovo de chocolate ao leite e pipoca doce: criação de Leo Paixão para a Sucré

Perdão pelo trocadilho, mas pipoca doce é uma paixão antiga do chef Leo Paixão. Ele aprendeu a preparar a guloseima ainda criança, com o pai. “Foi uma das primeiras receitas que fiz sozinho”, conta o chef. “As pessoas ficavam impressionadas, e eu gostava desse poder da gastronomia. Pensava: sou foda.”

Hoje à frente do restaurante de cozinha mineira contemporânea Glouton, de Belo Horizonte, Leo ainda se entrega à doçura crocante da pipoca caramelizada quando vai ao cinema. Vez ou outra, a usa como ingrediente — triturada sobre sorvete, por exemplo. Também a incluiu como recheio do ovo de Páscoa que desenvolveu para a Sucré Patisserie, de Fortaleza (Ceará).

O ovo estarão à venda pelo site da Sucré. A receita da pipoca doce, o chef compartilhou com a gente.

Ingredientes
1 xícara de açúcar
¼ de xícara de água
1 colher de sopa de manteiga com sal
½ xícara de milho para pipoca
1 colher de chá de extrato de baunilha ou as sementes de uma fava de baunilha

Modo de preparo
Em uma panela de fundo grosso, coloque todos os ingredientes em fogo brando e espere o açúcar caramelizar um pouco (só mexa com uma colher se ele começar a dourar). Antes de as pipocas estourarem, tampe a panela e reduza para o fogo para o mínimo, na boca de fogão mais fraca que houver. Mexa a panela (sem abrir a tampa) enquanto as pipocas estouram. Quando a maior parte do milho tiver explodido (os intervalos entre os estouros ficam mais longos), desligue o fogo e imediatamente espalhe as pipocas em uma superfície de pedra para esfriar. Quando estiverem frias, solte-as com as mãos.

O chef Leo Paixão e seu ovo de Páscoa (Foto: Raphael Criscuolo / divulgação)
Leo e seu ovo de Páscoa (Foto: Raphael Criscuolo / divulgação)

Charutos de folha de uva e repolho — quitutes de uma síria no Brasil

Muna e a filha, Gawa, na aula de quitutes sírios

A comida que aprendeu a fazer com a mãe e a avó se tornou o ganha-pão da refugiada síria Muna Darweesh no Brasil. Em 2013, para escapar da guerra civil, ela, o marido e quatro filhos (o mais novo com 6 meses) deixaram para trás a cidade de Lataquia e se instalaram em São Paulo. Professora formada em literatura inglesa, Muna passou a vender na rua os quitutes que antes fazia só para a família. Hoje também aceita encomendas e dá aulas de cozinha no Migraflix, projeto que promove oficinas culturais com imigrantes. A próxima aula acontece no dia 20 de fevereiro.

Comidinhas e lembranças marcaram a tarde em que assisti a um curso de Muna e aprendi a receita a seguir. As lições culinárias valem a pena, mas a aula é imperdível mesmo pela oportunidade de ouvir as histórias da síria, contadas meio em inglês (com tradução), meio em português. “Nasci em uma cidade pequena e agradável no litoral do Mediterrâneo, cheia de flores e com um cheiro muito bom”, diz. “Damos muita importância para a comida. A família se reúne à mesa todo dia.”

Os charutos, segundo Muna, são para ocasiões especiais, porque demandam tempo. Quanto aos ingredientes, ela diz ter encontrado facilmente nos mercados paulistanos. “Os libaneses trazem tudo. Quando cheguei, pensei que estava no Líbano, e não no Brasil!”, brinca.

Ingredientes
(para 20 pessoas)
1 quilo de folhas de uva ou de repolho
1 quilo de arroz
200 gramas de carne moída
2 colheres de sopa de tempero sírio
2 colheres de sopa de sal
6 colheres de sopa de manteiga ou margarina
Suco de 10 limões
2 cubos de caldo de galinha (podem ser substituídos por pedaços de carne e osso de boi ou cordeiro)

Modo de preparo
Para preparar as folhas, coloque-as em água fervente por cinco minutos — faça isso aos poucos, com algumas folhas de cada vez.

Para o recheio, misture o arroz, a carne, o tempero sírio, o sal e a manteiga.

Em um prato, coloque a folha de uva com o lado exterior para cima. Disponha sobre ela uma linha fina de recheio, no sentido horizontal. Dobre as duas laterais da folha para dentro, depois a enrole de baixo cima. (Para o de repolho, corte cada folha na metade, no sentido do talo, depois siga os mesmo procedimentos. Apare as sobras e as reserve.)

Posicione os charutos lado a lado em uma panela com água suficiente para cobri-los bem e os cubos de caldo esmigalhados (ou coloque no fundo da panela os ossos e pedaços de carne e, sobre eles, os charutos; depois cubra com água). Se fizer o charuto de repolho, cubra o fundo com as aparas e acrescente ao caldo alho em pedaços.

Para evitar que os charutos se mexam e se desfaçam na panela, ponha sobre eles um prato fundo invertido e, em cima dele, um pote com água para fazer peso. Cozinhe por cerca uma hora, com atenção para que a água não seque.

A montagem que mantém os charutos no lugar durante o cozimento

Quando os charutos estiverem cozidos e ainda quentes, despeje sobre eles o suco de limão, em seguida os escorra.

No final, entra o suco de limão

Serviço:
Para ver o calendário de cursos, entre no site do Migraflix.

Para encomendar os quitutes de Muna, acesse a página Muna – Sabores & Memórias Árabes no Facebook.

Danielle Noce: lembranças açucaradas e uma torta para fazer já

danielle noce
Conversei com a confeiteira Danielle Noce, do blog I Could Kill For Dessert, para uma matéria da revista L’Officiel. Aqui, publico uma versão mais completa desse bate-papo, cheio de dicas e lembranças apetitosas. De sobremesa, há o passo-a-passo da torta de chocolate com caramelo salgado publicado no novo livro da blogueira brasiliense, A Receita da Felicidade.

Qual é a sua mais doce lembrança gastronômica?
Minha mãe fazendo pão em casa. Ela colocava para crescer no sol, embaixo de um cobertor, e a casa ficava com um cheiro absurdo.

Qual é sua sobremesa favorita no momento?
É o sorvete de cereal do Momofuku Milk Bar (que tem lojas nos Estados Unidos e no Canadá). Nesse calor eu não consigo pensar em nada que não seja sorvete.

Qual foi sua última criação culinária?
Estou uma bomba de crème brûlée. Espero que fique gostosa. (Aparentemente ficou, porque ela publicou o passo-a-passo.)

Três lugares em que os doces valem a viagem.
A fazenda Vagafogo, em Pirenópolis (Goiás), que tem várias geleias de frutas do cerrado e um café colonial muito, muito bom. As sobremesas vietnamitas do Chén Chè, em Berlim, são minhas favoritas no mundo, porque não são extremamente doces. No Du Pain et Des Idées, em Paris, os folhados com as frutas da estação e um pouquinho de creme frangipane são maravilhosos.

Três lugares para comer bons doces em São Paulo.
A Casa Garcia, pelo pavê de doce de leite, o Epice, pelas sobremesas do Alberto Landgraf, e o Marie-Madeleine.

Refeição sem sobremesa é…
Refeição sem sobremesa é como uma frase sem ponto final.

Quem é uma inspiração na cozinha?
O que me inspira são pessoas que fazem do ordinário algo extraordinário. Não estou falando de grandes chefs, estou falando de cozinheiros vovós, mães, que pegam uma cozinha do dia-a-dia e a melhoram de forma que você tem uma experiência incrível. Isso acontece muito no Brasil. Como a mãe do Paulo (marido), que faz um arroz incrível todo dia para a gente, a minha mãe, que faz um doce maravilhoso ou um pão de queijo delicioso.

Na sua família, havia alguém que cozinhava especialmente bem?
Todo mundo na minha família cozinha muito bem. Minha mãe tem mais 15 irmãos e irmãs e todos eles gostam de cozinhar. Não importa se é um boi que meu tio acabou de matar na fazenda e eles vão fazer um churrascão gigante, uma festa enorme, ou os doces de tacho que minha mãe e minhas tias ficam mexendo dias até ficarem prontos.

Que sabores e aromas remetem à sua infância?
Além do pão, dois sabores que estavam presentes em tudo que minha mãe fazia eram canela e cravo.

Falando só de gastronomia, do que sente mais falta de Paris, Florença, Londres e outras cidades onde morou?
De Paris, dos pães maravilhosos. Não consigo encontrar nada igual no Brasil. A manteiga também é muito boa. De Florença, das massas frescas… Mas na verdade do que mais sinto falta, porque morei com uma macrobiótica, é de uma linguiça caseira que ela fazia só de vegetais. Era muito gostosa, nem parecia que era só de vegetais (risos). No geral a Europa tem essa cultura de fazer o próprio jantar, com cuidado. Todo mundo. De Londres, sinto falta de ginger beer.

Quando fora do Brasil, do que sentia saudade?
De pão de queijo, com certeza. E de queijo minas. Os queijos aqui são pouco valorizados, mas são muito bons também.


Compre o livro aqui:


Receita: torta de chocolate com caramelo salgado

Torta de chocolate com caramelo salgado de Danielle Noce

Ingredientes
Base
3/4 de xícara de avelã
250 gramas de biscoito de chocolate sem o recheio (Danielle usou 64 biscoitinhos)
6 colheres (sopa) de manteiga sem sal

Recheio de caramelo salgado
1 e 1/4 de xícara de creme de leite fresco ou nata
1 colher (chá) de flor de sal
2 xícaras de açúcar cristal

Ganache de chocolate
350 gramas de chocolate amargo 70% picado
1 e 1/2 xícara de creme de leite fresco ou nata

Dica: se você não encontrar o creme de leite fresco ou a nata, faça a ganache com creme de leite de caixinha. Nesse caso, leve o chocolate junte com o creme de leite para derreter em banho-maria até formar a ganache.

Modo de preparo
Base
Toste as avelãs em forno preaquecido a 160 ºC até que a casca comece a desgrudar. Retire do forno e esfregue as avelãs com as mãos para remover o máximo da casca. Num processador, misture as avelãs tostadas, os biscoitos de chocolate e a manteiga derretida. Depois, coloque tudo numa fôrma redonda de fundo removível. Leve ao forno por 12 minutos a 180 ºC. Retire do forno e deixe esfriar.

Caramelo salgado
Em uma panela pequena, leve o creme de leite fresco ou a nata para ferver junto com a flor de sal. Enquanto isso, ponha o açúcar em outra panela alta e larga. Espere derreter em fogo médio ou baixo até ficar com uma cor âmbar. Quando alcançar essa cor, acrescente o creme de leite aos poucos e mexa sem parar, até que o caramelo se forme e a mistura fique homogênea. Derrame o caramelo sobre a torta e espere esfriar completamente.

Ganache de chocolate
Coloque o chocolate picado no processador e reserve. Leve o creme de leite fresco ou a nata para ferver e, assim que alcançar a fervura, jogue sobre o chocolate. Processe até ficar homogêneo.

Montagem
Quando o caramelo estiver bem durinho, coloque a ganache por cima e leve à geladeira por pelo menos 30 minutos. Na hora de servir, salpique um pouco de flor de sal por cima da torta.

Fotos: divulgação.


Para cozinhar mais: