Ontem eu e minha mãe cozinhamos juntas pela primeira vez desde a minha adolescência. Ela veio me visitar em São Paulo com a desculpa de comemorarmos meu aniversário, embora eu saiba (e concorde) que a atração principal aqui de casa é meu filho. Foi gostoso cabular o trabalho para passar um tempo com ela e o pequeno, com direito a fornadas de bolinhos de polvilho saindo no meio da tarde.
Para minha mãe, esses bolinhos lembram infância. Mais especificamente, as férias que ela passava em Lages (SC) na fazenda de meus tios-avós – na minha memória, um lugar quase mítico, aonde eu nunca fui, mas que imagino em detalhes pelas histórias que sempre ouvi.
Na casa da tia Vera e do tio Afonso, toda tarde se espalhava pelo ar o cheiro dos bolinhos de polvilho que seriam servidos logo mais, acompanhados de manteiga, queijo e geleia. A receita levava a coalhada escorrida produzida ali mesmo, que descansava em bacias na cozinha e era consumida também pura, feito iogurte, no café da manhã.
Difícil competir com a coalhada azedinha e gelatinosa das vacas da fazenda. Nos arredores do meu prédio, não encontramos coalhada nenhuma e partimos para o plano B, que é usar ricota. Fizemos uma rodada e achamos meio insossa. Seguimos então instruções adicionais dadas por telefone por outra tia-avó, Myriam, que, aos 92 anos, mora sozinha em Florianópolis, continua cozinhando e adora discutir peculiaridades de diversas versões de receitas.
Com mais manteiga e sal, os bolinhos da segunda fornada ficaram bem mais saborosos (que surpresa, né?), apesar de minha mãe ainda notar uma certa falta de acidez na massa. Em lanche da tarde, são uma boa base para passar manteiga ou geleia – testei com uma orgânica de figo ótima, da marca Novo Citrus, e com o docinho de abacaxi que eu resolvi usar feito geleia.
Se você pretende testar a receita, sugiro prestar atenção nas dicas da tia Myriam:
– A quantidade de manteiga sugerida é mesmo só uma sugestão. Como o teor de gordura e água na coalhada e na ricota variam, essas proporções precisam ser ajustadas. Se usar ricota, provavelmente você precisará usar mais manteiga (na segunda fornada, eu usei o dobro da sugestão da receita) e talvez leite.
– A massa tem que estar úmida o suficiente para não ficar quebradiça ao ser moldada, mas também não pode ser molenga. (Eu achei a textura parecida com a de massinha de brinquedo).
– Nenhum médico vai concordar com isso, mas capriche no sal. Aos poucos: vá testando a massa crua. Deve estar salgadinha.
– Deixe os bolinhos crescerem e dourarem um pouco.
– É normal (e charmoso) que, ao assar, eles ganhem rachaduras na superfície. Mas, se racharem demais, faltou manteiga.
– Essa dica é minha: não esqueça o avental e evite roupas escuras ao misturar os ingredientes. O polvilho cria uma névoa branca que salpica até a calça.
Ingredientes
300 gramas de coalhada escorrida (ou ricota)
2 ou 3 ovos (dependendo do tamanho)
2 colheres de manteiga (ler dicas acima)
1/2 colher de sopa de sal (ler dicas acima)
1/2 quilo de polvilho azedo
leite (se necessário)
Erva-doce (opcional. Eu fiz sem)
Modo de preparo
(Já segue @ocadernodereceitas no Instagram? Lá eu postei um vídeo do passo a passo desta receita)
Em uma tigela, misturamos os ingredientes, juntando o polvilho aos poucos. Como a massa estava esfarelando, acrescentamos um pouco de leite (na segunda fornada, colocamos também mais manteiga e sal). Eu e minha mãe nos revezamos para sovar bem a massa (ela me mostrou como fazer isso usando a almofada da base da mão).
Com a massa sovada, fizemos cobrinhas curvadas como um S com cerca de 4 cm de comprimento. Colocamos em uma assadeira untada, deixando espaço para os bolinhos crescerem. Eles ficaram prontos em pouco mais de 20 minutos.
As duas fornadas renderam uns 30 bolinhos. Um terço da massa sobrou, e a congelei para assar mais tarde (a graça desses bolinhos é comê-los assim que saem do forno).