Restaurantes em mais de 150 países vão celebrar a comida francesa em jantares promovidos nesta quinta-feira à noite. No Brasil, entre os participantes do evento Goût de France está o Le Vin Bistro, com unidades em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro (a unidade da Barra da Tijuca não participa). O menu da noite, a R$ 129, inclui o clássico steak tartare, cuja receita eu reproduzo abaixo.
Steak tartare
Ingredientes 150 g de filet mignon moído (cortado na faca)
15 g de maionese
25 g de ketchup
5 g de mostarda dijon
10 g de pepino em conserva finamente cortado
10 g de alcaparras finamente cortadas
15 g de cebola branca finamente cortada
5 g de ceboulette finamente cortada
80 g de batatas
Molho inglês a gosto
Sal refinado a gosto
Pimenta branca a gosto
Tabasco a gosto
Modo de preparo
Em uma tigela de inox, coloque gelo. Sobre o gelo, coloque outra tigela e, dentro dela, coloque a carne moída e misture a ela os outros ingredientes, com cuidado para não amassar demais a carne, comprometendo a textura.
Um anotação no pé da página avisava: “copiado por engano neste livro”. Que sorte, pensei. Minha avó, sem querer, tinha deixado para mim, em um caderno de receitas doces, o passo a passo do lagarto recheado que ela costumava cozinhar (o caderno de salgados, não sei onde foi parar). Decidi servir a carne no jantar de ontem à noite, e então me vi diante de uma série de tarefas inéditas na minha vida.
Pela primeira vez, limpei uma peça de carne, tirando capa de gordura e membranas brancas. Não ficou a coisa mais bem acabada do mundo, mas até que foi fácil – e, com parte das aparas, fiz a alegria da minha gata, a Lola, hipnotizada por meus movimentos com a faca.
Em seguida, lutei com força e certo constrangimento para enfiar a cenoura na carne. Por sorte, ninguém além da gata estava em casa para presenciar a cena. A cenoura era muito grossa, nenhuma faca dava conta de abrir um buraco adequado. No fim, cortei o legume no sentido do comprimento, para ficar mais fino, e tentei encaixar cada pedaço a partir de uma extremidade da carne. De um lado, deu certo. Do outro, a cenoura se partiu, mas resolvi deixar assim mesmo.
Veio então a dúvida sobre a quantidade de sal. A receita recomendava não salgar a carne e cozinhá-la em caldo de carne industrializado em cubos, mas eu tinha caldo de carne caseiro, bem menos salgado, feito outro dia pelo meu marido. Com medo de a carne ficar insossa, atirei um tantão de sal, depois me arrependi, porque o molho iria reduzir bastante. Acrescentei então algumas batatas, para que absorvessem parte do sal.
No fim, o tempero ficou bom. E, no fim, esta não era a receita que minha avó costumava fazer – descobri ao telefonar para minha mãe para tirar uma dúvida. Na receita mais usual da família, o lagarto é dourado já no início da preparação, formando uma casquinha na panela que, com água quente adicionada pouco a pouco durante o cozimento, cria um molho escuro. Na receita que peguei no caderno da minha avó, a carne é cozida desde o começo em bastante líquido – o visual branquelo só foi embora no final, com o acréscimo de um pouco de vinho do Porto (toque do meu marido) e após uma leve queimada (ou caramelizada, se você preferir).
O lagarto que preparei para o jantar pode não ser o que eu costumava comer na infância, mas ficou bem gostoso – já satisfeita, não resisti a repetir um pouco de arroz encharcado no molho, de tão bom que estava . Fora os perrengues que descrevi acima, é também bastante simples de fazer, embora de cozimento demorado (cerca de duas horas).
Vamos ao passo a passo.
Lagarto recheado de cenoura
Ingredientes 1 lagarto pequeno (usei uma peça de 1,3 quilo)
1 cenoura grande ou 2 cenouras médias
1 litro de caldo de carne
1 dente de alho espremido
1 colher de café de orégano
2 folhas de louro esmigalhadas
Pimenta-do-reino
Sal
1 colher de sopa de vinagre
1 dose de vinho do Porto
1 colher de sopa de manteiga
1 colher de sopa de farinha
Modo de preparo Limpe a peça de carne – ou peça para o açougueiro fazer isso.
Fure a carne no sentido do comprimento e insira uma cenoura no buraco – ou abra um buraco de cada lado e insira duas cenouras. (Existem acessórios próprios para isso, e provavelmente seu açougueiro dá conta também desse serviço, mas eu fiz do jeito difícil, com uma faca.)
Tempere a carne com o alho, o orégano, o louro e a pimenta – não é preciso acrescentar sal se o caldo já for salgado.
Coloque o lagarto em uma panela om o caldo fervendo. Acrescente então o vinagre e o vinho do Porto. Quando o líquido voltar a ferver, diminua o fogo para o mínimo possível e deixe a carne cozinhar, virando-a de vez em quando, até o caldo quase secar. Então fatie a carne e coloque-a de volta na panela.
Com cuidado, deixe que o molho grude um pouquinho no fundo, depois acrescente algumas colheradas de água e solte essa crosta com uma colher de pau – isso dá cor e sabor ao prato.
Para finalizar, derreta a manteiga em uma frigideira e cozinhe nela rapidamente a farinha, mexendo bem para formar uma mistura homogênea. Jogue essa mistura no molho da carne para engrossá-lo.
Nas minhas lembranças de infância, barreado é o prato que eu não comi na viagem que eu não fiz porque fiquei de castigo. O ponto alto da temporada em Curitiba, preenchida por idas a casas de parentes da minha mãe, seria o passeio de trem até Morretes, onde provaríamos a carne cozida em uma panela de barro selada com massa de farinha. Mas nós nunca chegamos à estação. Um dia antes, na última das visitas familiares, eu e meus dois irmãos estávamos com a macaca. Corremos, pulamos, escalamos sofás, deslizamos em tapetes, rimos quando minha mãe, envergonhada diante da tia anfitriã, pedia para pararmos. O último recurso materno foi decretar que a viagem do dia seguinte estava cancelada.
Até hoje eu não fiz aquele passeio de trem. Mas já comi barreado uma porção de vezes, no Paraná e em São Paulo. Adoro os sabores concentrados e misturados pelo cozimento, a carne macia, o pirão de acompanhamento, o ritual de selar o encaixe da tampa com a panela para criar pressão.
Recentemente conheci o barreado preparado por Ana Luiza Trajano, do restaurante paulistano Brasil a Gosto, e pedi a receita para ela ( (o restaurante não está mais em funcionamento; hoje o que existe é o Instituto Brasil a Gosto). Eu não podia deixar o ano acabar sem compartilhar aqui o passo-a-passo dessa gostosura da terra da minha mãe. O prato faz parte do Menu Paraná, que a chef criou depois de uma viagem de pesquisa pelo sul do País e serve até domingo (21/12).
Barreado com pirão e banana-da-terra
Rendimento: 8 porções
Ingredientes 3 kg coxão mole
500 g bacon
4 cebolas
2 folhas de louro
5 ramos de tomilho
2 ramos de estragão
1 maço de manjericão
1 maço de manjerona
1 maço de cebolinha
1 maço de salsinha
3 ramos de sálvia
1 ramo de hortelã
Sal e pimenta-do-reino a gosto
150 ml de cachaça
800 g de farinha de mandioca
5 bananas-da-terra
300 ml de cachaça
Modo de preparo (O barreado tradicional é cozido em uma panela de barro por 17 horas, mas no restaurante a chef o cozinha na panela de pressão por 3 horas. Depois o serve em panelas menores seladas com farinha só para manter o ritual de quebrar o lacre.)
Corte a carne em cubos grandes, corte o bacon em tiras bem finas e pique a cebola e as ervas (exceto o louro).
Forre o fundo da panela com lâminas de bacon. Em seguida, coloque uma camada de carne e, depois, uma camada generosa de cebola. Salpique as ervas. Repita a operação, ponha por último as folhas de louro e finalize com a última camada de bacon. Adicione os 150 ml de cachaça e cubra com água até o bacon de cima boiar. Cozinhe na panela de pressão por três horas em fogo médio. Depois de pronto, mexa bem para desmanchar a carne.
Para o pirão
Na hora de servir, espalhe um pouco de farinha de mandioca no fundo do prato e acrescente um pouco do caldo do barreado.
Para as bananas Corte as frutas na transversal e as cozinhe no vapor de 300 ml de cachaça.
Meu jantar de sábado passado foi um banquete japonês de nove pratos (sem contar o sorvete de erva-cidreira para limpar o paladar no meio da refeição) e nove bebidas combinando com eles. Era o ensaio geral de um evento que acontece no próximo sábado (18/10), organizado pelo restaurante Ozushi e por Tânia Nogueira, jornalista, sommelière, blogueira do Ponto Cru e minha cunhada.
Tirei muitas fotos lembrar de tudo o que eu tinha comido e bebido (19 itens!). Mas de algumas partes do jantar eu não ia mesmo esquecer:
o ceviche servido com shochu sour (versão japonesa de uma dupla tipicamente peruana);
o coquetel Ásia, de saquê, maracujá e wasabi, que acompanhou sushis e sashimis (e causou polêmica, já que wasabi está longe de ser unanimidade);
o kobe beef, com um molho de gengibre de lamber o prato, harmonizado com um bom vinho rosé Provence One;
o surpreendente macaron de chocolate branco com wasabi (mais uma vez, o wasabi causou polêmica).
Um dos sócios do restaurante, Renato Oshima, contou que o molho do bife é tradicional no Japão. Seus avós, que imigraram para o Brasil, costumavam prepará-lo em diversos pratos, como churrasco de porco e frango refogado (nesses dois casos, acrescentavam um pouco de açúcar). Pedi a receita, claro. Ela está logo abaixo, assim como a do refrescante coquetel de wasabi (se não gostar do ingrediente, você pode fazer um drink só com saquê e maracujá, mas vai perder a graça).
Kobe maçaricado com gengibre*
Ingredientes
Kobe beef*
Gengibre
Alho
Shoyu
Cebolinha
Modo de preparo
Para o molho, misture gengibre ralado (retirando as fibras), alho amassado ou ralado e um pouco de shoyu. Reserve.
Fatie o bife em pedaços de 2,5 cm por 9 cm, com espessura de 3 mm, observando o sentido das fibras da carne e cortando transversalmente a elas.
Use um maçarico culinário para chamuscar a carne e deixá-la no ponto de sua preferência (eu, que não tenho um maçarico, vou grelhar o bife no fogão mesmo).
Com um pincel, passe o molho sobre as fatias de carne. Salpique com cebolinha picada.
*Um corte do boi da raça japonesa wagyu, o bife kobe é conhecido por ter bastante gordura entremeada na carne (e também pelo preço alto).
Renato Oshima diz que o kobe, macio e saboroso, é importante nessa receita e que, se for para substituí-lo, melhor usar outro corte de wagyu. Ao mesmo tempo, Renato contou que seus avós usavam o molho em diferentes preparações – ao prová-lo, uma colega de mesa comentou: “Fica bom até com chuchu!”. Então eu sugiro fazer esse prato mesmo se você não tiver kobe ou outro corte de wagyu. Não vai ser a mesma coisa, mas vai ser gostoso.
Coquetel Ásia
Ingredientes
Um maracujá
Uma colher de sopa de açúcar
1/2 colher de sopa de wasabi (ou wasabi na medida do seu gosto)
1 dose de saquê
Gelo a gosto
Modo de preparo
Misture o maracujá, o açúcar e o wasabi em uma coqueteleira e amasse com um socador. Junte o gelo. Bata bem na coqueteleira e sirva em seguida
Serviço
Menu Harmonizado Ozushi Quando: sábado (18/10), às 20h.
Onde: Restaurante Ozuchi, na rua dos Pinheiros, 729, São Paulo.
Reservas: R$ 180, até 17/10, pelo telefone (11) 3477-0800.
Menu completo:
Hitotsuki tonkatsu (milanesa de porco) com molho karê
Cerveja Limburgse Witte – Bélgica
Sushi e sashimi
Coquetel Ásia, de maracujá, wasabi e saquê
Ceviche
Shochu sour
Tempurá de camarão e legumes
Saquê Hakushika – Japão
Carpaccio de salmão curado no missô com raspa de limão
Vinho Fernando de Castilla Jerez Fino – Espanha
Carpaccio de polvo
Vinho Chardonnay J. Bouchon Reserva – Chile
Bife kobe maçaricado
Vinho Rosé – Provence One – Les Maitres Vignerons – França
Tepan de filet mignon com shimeji
Vinho Tinto Anka Pargua Reserva – Chile
Macaron de wasabi
Vinho Madeira H.M. Borges Doce – Portugal
Ceviche com temperinho japonês e shochu sour, versão nipônica do pisco sour peruano