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Escolha (ou não) o cuscuz paulista mais verdadeiro

Cuscuz paulista no vapor

Cuscuz paulista tinha gosto de festa. Talvez pela decoração exuberante de ovos, camarões, sardinhas, azeitonas. Talvez pela fama na família do cuscuz da Regina, grande cozinheira chamada para preparar refeições especiais. Depois vieram os anos e os bufês por quilo e quase tiraram o encanto da coisa toda. Eu ainda o reencontrava em alguns lugares, como o Bar da Dona Onça, em São Paulo, e o café da Ellen, em Ubatuba. Recentemente o reencontrei também em casa, seguindo uma receita da chef Benê Ricardo que me deixou muito satisfeita comigo mesma. Então veio o sociólogo Carlos Alberto Dória, jogou mais caldo na história e empelotou meu angu.

Eu toda prosa com meu cuscuz e ouço de Dória, no curso Perspectiva Atual da Culinária Brasileira e sua História, no Instituto Brasil a Gosto, que cuscuz paulista se cozinha no vapor. Ou pelo menos é assim que se cozinhava. O cuscuz feito na panela, como eu tinha preparado, ele chamou de gororoba, inventada por restaurantes.

A história do prato está também no livro A Culinária Caipira da Paulistânia, que Dória lançou ontem, junto com o chef Marcelo Corrêa Bastos.

A cocção ao vapor, segundo o sociólogo um caso único na culinária brasileira, provavelmente foi trazida por portugueses que passaram pelo norte da África, onde o cuscuz se originou. Na cozinha caipira, a farinha de milho dos índios guaranis substituiu a semolina de trigo do Magreb, mas se manteve o método de cozimento. E assim o cuscuz entrou para o farnel dos tropeiros, que o levavam em suas viagens Brasil afora.

Outros tipos de cuscuz se desenvolveram no país – doce ou salgado, só de milho ou com mandioca. E, em São Paulo, o cuscuz foi deixando de ser o que era. “A maior parte das pessoas que apreciam esse prato não conhece a versão ao vapor e nem mesmo possui a panela especial para fazê-lo (uma cuscuzeira ou legumeira)”, escreve Dória. “Assim, as coisas que compõem a tradição culinária caipira vão saindo do normal da vida para se acumular na prateleira de uma memória nem sempre bem organizada.”

Ordem de fato não definia minha memória do cuscuz. Fiz o da Benê pensando no da Regina (e depois descobri que o da Regina era feito no vapor). Quase me ofendi quando Dória chamou cuscuz de panela de “gororoba”. Mas experimentei a versão dele, no vapor, e percebi que é mesmo outra história. Não necessariamente uma história melhor: fica mais leve, soltinho… E difícil de desenformar e manter as decorações no lugar.

Fiz um post sobre o cuscuz no vapor (e o “gororoba”) no Instagram, a chef Janaina Rueda, do Bar do Dona Onça, comentou:

“Eu até acho louvável a tradição, o ancestral. Mas cuscuz de panela é um deleite… Faço sempre, tornou-se popular no Brasil todo, não concordo que cozinha tenha que ter essas regras ditadoras, desde que seja muito gostoso, todas as formas de cozinhar são boas e super válidas! Linda foto!”

Então é isso: escolha o seu cuscuz paulista. De panela, como o da Benê (foto abaixo) e o da Janaina, ou no vapor, como costumava ser (foto de abertura do post). Ou os dois. Por que qual seria o mais verdadeiro, merecedor do selo de autenticidade: o mais antigo ou o que está mais presente na cozinha hoje?

Cuscuz à paulista feito a partir de receita da chef Benê Ricardo (foto: O Caderno de Receitas)

Segue abaixo o passo-a-passo do cuscuz a partir de anotações do curso de Dória no Brasil a Gosto e do livro A Culinária Caipira da Paulistânia. A receita da Benê está neste link.

Receita de cuscuz paulista no vapor

Ingredientes

Farinha de milho
Sal
Cebola
Alho
Pimenta
Tomate
Pimenta
Palmito
Camarão
Azeite
Cheiro-verde
Couve

Modo de preparo

Umedeça a farinha de milho com uma salmoura. Deixe descansar meia hora.

Faça um molho refogando em cebola, alho, tomate, pimenta e palmito. Junte caldo feito com a casca de camarão e, no final, camarão. Cozinhe um pouco, porque o camarão vai terminar de cozinhar no vapor. Use bastante azeite.

Misture a farinha de milho e o molho, seguindo a proporção de uma parte de molho para duas de farinha, tomando cuidado para não formar pelotas que podem dificultar o cozimento no vapor. Aproveite para juntar o cheiro-verde.

Acomode a mistura numa cuscuzeira ou legumeira ou num escorredor de macarrão coberto por um pano fino (se quiser, coloque vegetais e camarões no fundo e nas laterais para decorar). Não aperte demais, só um pouco nas laterais, e cubra com uma folha de couve.

Cozinhe no vapor (colocando água na cuscuzeira ou posicionando o escorredor sobre uma panela com água). O tempo de a folha de couve cozinhar, mudando de cor, é mais ou menos o tempo de cozimento do cuscuz (cheque também o cozimento do camarão).

Desenforme e sirva.

Para cozinhar mais:

Cuscuz à paulista – uma homenagem a Benê Ricardo

Cuscuz à paulista feito a partir de receita da chef Benê Ricardo (foto: O Caderno de Receitas)

A chef Benê Ricardo já deveria ter aparecido neste blog antes. Muito antes. Foi a primeira mulher a receber um diploma na escola de gastronomia do Senac, aprendeu a cozinhar com a avó quituteira, dominava os preparos brasileiros tradicionais e pratos internacionais. Com um chucrute, leio na Folha, impressionou o general Ernesto Geisel e, consequentemente, conseguiu uma vaga no clube do bolinha que era o curso de formação profissional para cozinheiro. Infelizmente foi só agora, com a morte de Benê, que eu me dei conta da falta que ela fazia aqui.

Agora, que já não podemos conversar, que não posso mais ouvir suas histórias sobre a infância em São José do Mato Dentro (MG), os ensinamentos da avó ou a chegada a São Paulo, aos 17 anos. Talvez falássemos sobre o período em que Benê trabalhou para a família do presidente da multinacional Atlas Copco (meu pai também trabalhou para a empresa, sabia? Lembro muito do Gol azul e branco que ele usava no serviço). Outra coincidência: Benê e meu avô foram funcionários do empresário Henry Maksoud; ela, na cozinha do Maksoud Plaza, hotel de lobby gigante que me dava vertigem na infância e até hoje me impressiona; meu avô, na firma de engenharia Hidroservice. Por acaso se conheceram? Dificilmente, mas será?

Na falta de uma conversa com Benê, fui atrás de suas receitas. Encontrei no livro Culinária da Benê – Dicas e Segredinhos para um Dia-a-Dia mais Prático, Econômico e Saboroso. De fato, há ali um bocado de preparos saborosos.Deu vontade de cozinhar o arroz da avó Eugênia, que leva um copo de cachaça, a coxinha-creme de asa de frango, o arroz-de-forno… Mas comecei com o cuscuz à paulista, que adoro e estava havia tempos ensaiando fazer em casa.

Ficou uma delícia. Obrigada, chef Benê.

A chef Benê Ricardo (foto: reprodução)

Cuscuz à paulista
(adaptado a partir da receita do livro Culinária da Benê)

Rendimento: 4 a 5 porções

Ingredientes
3/4 de xícara de farinha de milho flocada
1/4 de xícara de farinha de mandioca crua
1 xícara de azeite (acho que dá próxima vez vou tentar fazer com um pouco menos)
1/2 cebola picada
1 dente de alho picados
¼ de pimentão verde em cubinhos
¼ de pimentão vermelho em cubinhos
75 gramas de palmito
1 xícara de passata de tomate
250 ml de caldo de frango ou peixe
50 gramas de ervilhas
25 gramas de azeitonas verdes picadas
125 gramas de camarões limpos e cozidos (usei os congelados, porque estamos em época de defeso da pesca de camarões)
3 colheres (sopa) de salsinha picada
3 colheres (sopa) de cebolinha picada
1 colher (sopa) de coentro picado
Sal
Pimenta-do-reino
1 ovo cozido

Modo de preparo
Em uma peneira, esfarele os flocos grandes da farinha de milho. Misture-a com a farinha de mandioca.

Aqueça o azeite e refogue a cebola e o alho.

Acrescente os pimentões, o palmito, a passata de tomate, o caldo, as ervilhas, as azeitonas, os camarões e as ervas. Deixe ferver.

Acrescente as farinhas e mexa até fazer uma mistura macia e úmida. Acerte sal e pimenta.

Unte com azeite uma forma de pudim. Para a decoração, coloque no fundo da forma alguns camarões (estes você pode deixar com rabo) e rodelas de palmito e ovo cozido.

Despeje a massa de cuscuz na forma e pressione um pouco com uma colher.

Espere pelo menos alguns minutos antes de desenformar. Ou deixe que o cuscuz passe algumas horas na geladeira.

Vire sobre um prato e sirva.

O livro Culinária da Benê e o cuscuz à paulista (foto: O Caderno de Receitas)

Para cozinhar mais:

Cuscuz de camarão do menu natalino do Charlô

Buffet Charlô / Foto: Rogério Albuquerque

Há alguns meses, entrevistei Charlô Whately para a coluna d’O Caderno de Receitas na revista L’Officiel Brasil. Na ocasião, fiquei sabendo que o chef começou preparando encomendas na cozinha da avó —  foi esse pequeno negócio que deu origem ao buffet e ao bistrô Charlô (e mais recentemente, ao restaurante e deli Cha-Cha). O caderno de receitas da avó, aliás, ainda é uma fonte importante para ele. “Sou bem comfort food”, disse Charlô na entrevista. “Gosto de volta às coisas antigas, de comida gostosa mas simples e de ingredientes bons.”

Um exemplo de comida tradicional, comfort e gostosa: cuscuz de camarão. O prato, que faz parte do menu de Natal do Buffet Charlô, era também um clássico das refeições especiais na casa da minha avó materna (preparado pela Regina, cozinheira incrível). A receita abaixo é do Charlô.

Ingredientes
Para a massa do cuscuz:
300 gramas de farinha de mandioca biju
400 gramas de farinha de milho
800 gramas de camarão médio limpo sem rabo
200 mililitros de azeite de oliva
200 gramas de bacon picado em cubos pequenos
180 gramas de cebola picada em cubos
400 gramas de tomate sem semente picado em cubos
100 gramas de extrato de tomate
15 gramas de pimenta dedo-de-moça picada (sem semente)
250 gramas de repolho picado em cubos pequenos
2 litros de caldo de camarão
200 gramas de palmito em conserva picado
150 gramas de azeitona verde sem caroço picada
10 gramas de salsa picada
200 gramas de ervilha em conserva
Sal
Pimenta-do-reino

Para decorar:
4 unidades de camarão pistola cozido (limpo e sem o rabo)
2 ovos caipiras cozidos

Para a guarnição:
45 unidades de camarão pistola limpo com rabo
Sal
Pimenta-do-reino
20 ml de azeite (para temperar)
40 ml de azeite (para refogar)

Rendimento: 20 porções

Modo de preparo
Em uma tigela misture as farinhas e reserve. Em uma frigideira aquecida coloque um fio de azeite e refogue o camarão médio até que esteja rosado. Reserve. Em uma panela grande aquecida coloque o azeite e acrescente o bacon e a cebola, quando dourar junte os tomates, o extrato de tomate e a pimenta dedo de moça e refogue por 2 minutos. Depois coloque o repolho e deixe cozer até que esteja macio, em seguida acrescente o caldo de camarão, o palmito, as azeitonas, a salsa picada, as ervilhas e o camarão médio refogado. Assim que levantar fervura reduza o fogo. Ajuste o sal e a pimenta.

Com o fogo reduzido, acrescente as farinhas aos poucos e vá mexendo até virar uma massa consistente. Deixe cozinhar por 5 a 10 minutos mexendo de vez em quando para não queimar o fundo.

Unte com azeite uma forma de 30 centímetros com buraco no meio e decore o fundo da forma com o camarão pistola cozido e as rodelas de ovo. Coloque a massa ainda quente e vá apertando na forma até que fique rente à borda.

Desenforme ainda morno e sirva com o camarão pistola em volta.

Modo de preparo da guarnição
Tempere o camarão com sal, pimenta e azeite. Deixe descansar por 15 minutos.

Em uma frigideira aquecida, coloque o azeite e salteie o camarão até que esteja rosado. Esse processo leva aproximadamente 5 minutos.

(Foto do prato: Rogério Albuquerque / Divulgação)