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Filho, me desculpe

Filho, perdão pelo sol que tiramos do seu céu, pela chuva que você não pode beber, pelas árvores de frutas encardidas, por tudo que você não vai conhecer porque nós destruímos - O Caderno de Receitas

Filho, perdão pelo sol que nós tiramos do seu céu.

Perdão pela chuva preta que você não pode beber. Não, não brinque de sentir as gotas na língua. Coisa suja.

Perdão pelas árvores com frutas encardidas.

Por tanta comida jogada fora.

Pelos rios que você nunca vai ver, porque secamos, enterramos, enlameamos.

Pela terra que morre e não dá mais nada.

Pelo pó de ferro que gruda nos pés e nos pulmões quando visitamos a casa da vó. Dos pés, esfregando sai.

Pelos peixes cheios de mercúrio, pelas abelhas que desaparecem.

Perdão por tudo que você nunca vai comer e beber. Por toda vida que você não vai conhecer.

Até chocolate dizem que corre o risco de acabar, acredita? Um mundo sem cacau…

Perdão pelo calor, perdão pelo frio, perdão pelo ar ruim que queima dentro da gente.

Perdão pelo mar. Eu sei, você gosta da praia, tem pedra, tem areia, tem planta. Mas a tia viu lixo, viu gato morto boiando. Não controlamos as correntes, filho.

Até tentamos, sabe, criar uma bolha. Comprar comida sem veneno, hortinha na janela, domingo no parque, escola com árvore.

Não é suficiente. A realidade explode a bolha. Invade nossa boca como o plástico que se quebra em pedacinhos e contamina tudo.

Eu queria ter feito mais, quero fazer mais, mas agora sinto que faltam forças. Só você para me animar. Talvez amanhã. Amanhã pode ser tarde.

(Texto que eu publiquei no blog O Caderno de Receitas no Globo)

O lanche do avião e o valor da sinceridade

Misto quente (User:Tamorlan [GFDL (http://www.gnu.org/copyleft/fdl.html)
(foto: Wikimedia Commons)

Posso fazer macarrão, posso fazer sorvete, posso fazer pão de fermentação natural lambuzado de geleia caseira de morangos orgânicos. Meu filho gosta, mas não troca nada disso pelo sanduíche servido de lanche no avião.

Não importa a companhia aérea, se é quente ou frio, grátis ou comprado, murchinho ou massudo (ou as duas coisas). Se tiver duas fatias de pão, queijo e presunto (peito de peru também vale) no meio e vier das mãos enluvadas de um comissário de bordo, é melhor do que qualquer coisa que eu possa preparar.

Já tentei dissuadi-lo. Instruí-lo. Não lembro bem se movida por ciúme, por atenção à saúde dele ou por vontade de poupar os reais mal gastos no serviço de bordo. Talvez tenha sido só para ser sincera mesmo.

Gente, tão melhor lanche caseiro. (Farofeiros do céu, uni-vos!) E, se for lanche comprado, existem tantas opções mais interessantes em terra, de preferência fora dos limites inflacionados do chão aeroportuário.

“Filho, sabia que a maior parte das pessoas acha comida de avião uma coisa ruim? É até piada comida de avião…”

Então um tremor no beicinho. Olhos úmidos de lágrimas. Um suspiro sentido.

“Mãe, é minha comida favorita do mundo!”

Me senti a sádica que só diz a mais estrita verdade quando alguém aparece com um corte de cabelo novo.

Sai um sanduba de avião no capricho, por favor. Pode passar no crédito.

. . .

Tempo ao tempo.

O último feriado quase abalou a fé do Pedro no lanche aéreo.

Pedimos o sanduíche nas nuvens, não tinha.

Já em terra, no Parador Hampel, onde nos hospedamos em São Francisco de Paula (RS), resolvemos agradar o filho com um misto. Não havia presunto, mas embutidos locais, que descrevemos como “tipo presunto, mas melhor”. Ele comeu, gostou, mas não se deixou impressionar pela pouca semelhança com a comida de avião.

Passam-se os dias, trilhas, cachoeira, cavalgada, churrascos, visita ao Natal de Gramado, misto quente sem gracinha numa passagem por Canela.

No fim do feriado, Pedro melancólico, querendo prolongar a viagem.

“Sabe, mãe, aqui eu experimentei duas coisas melhores da vida: o melhor pula-pula (do hotel) e o melhor sanduíche (o de Canela).”

“Mas e o sanduíche do avião, filho?”

“Ei, você está me deixando confuso!”

Leve as crianças para a cozinha. E prepare-se para o inesperado

Pedro na cozinha
Pedro na cozinha, três anos atrás – agora ele está com seis

Eu pretendia aproveitar o Dia das Crianças para dizer que a gente deve levar os filhos para a cozinha. Que é gostoso, que ensina um monte de coisas sobre o mundo, que ajuda a comer melhor. Continuo achando tudo isso. Mas lembrei que aqui em casa estamos passando por uma turbulência nessa área. E resolvi compartilhar.

Começou com uma atividade de culinária na escola do Pedro, meu filho. As crianças, que andam encantadas com histórias de castelos, foram convidadas a preparar um banquete real.

Dois dias antes fui lá preparar os biscoitos de gengibre que seriam parte da festa. Aproveitei para falar à turma sobre as rotas das especiarias e sobre como, no século 16, a rainha Elizabeth 1ª gostava de bolinhos aromáticos que imitavam figuras da corte – eles seriam possíveis antecessores dos biscoitos de gengibre com formato de gente.

Contei também a fábula do boneco biscoito de gengibre, que escapa de um menino, dos pais dele, de homens na estrada, do urso, e corre, corre, corre…  Até parar na boca da raposa. Ao meu redor, olhos infantis arregalados e silêncio. “Era só um biscoito, pessoal…” E seguimos em frente, preparando a massa e depois moldando os biscoitinhos que todos provamos com chá.

Chegou então a manhã do banquete. Pedro, encarregado das batatas, foi todo animado. Voltou sombrio, impressionadíssimo com a preparo do frango. Que nojo, comentava.

Alguns dias depois, servi frango assado. E meu filho, que sempre gostou de comer coxa de frango com as mãos (do mesmo jeito que come “arvorezinhas” de brócolis), entortou a boca para reclamar: “Ai, com osso…”. Separei a carne do osso, devolvi ao prato. Mas ele acabou não comendo.

Passaram-se mais alguns dias, panquecas recheadas de frango foram aprovadas, a calmaria parecia se aproximar. Então ouço um grito. Remexendo em revistas, Pedro encontrou isto:

revista Lucky Peach

A imagem entrou para a categoria das coisas que dão muito medo, junto com olhos de zumbis e um jogo do mico em que o macaquinho segura uma banana de dinamite. Consequentemente, o frango comida perdeu espaço no prato.

Não quero forçar nada. Mas também não quero ver a carne se tornar o novo cogumelo – que o Pedro amava até um dia engasgar com um e passar a recusar todos.

Resolvi argumentar. Me vi falando de cadeia alimentar (e imaginando o arrepio dos meus amigos vegetarianos), conversando sobre o que o assustou na cena da escola, prometendo que não iria preparar frango na frente dele (e me sentindo estranhamente mais perto da turma que protestou quando o Rodrigo Hilbert abateu uma ovelha na TV).

Outro dia Pedro voltou a comer frango, meio com vontade, meio desconfiado. A ver no que vai dar.

Ainda acho que cozinha é lugar de criança – acompanhada de um adulto, com segurança e tal. E ainda acho que conhecer o que vai à mesa ajuda a comer bem.

Mas as receitas nem sempre saem como a gente imagina.

Para cozinhar mais:

9 dicas para levar criança a restaurante

Pedro na França

Desde minúsculo ele nos acompanha em restaurantes. Nem sempre foi fácil, e não em qualquer restaurante, mas acredito que lugar de criança é onde os pais estão. Se comer fora é um programa do gosto da família, faz sentido que os filhos acompanhem. O contrário significa ter alguém à disposição para cuidar da prole nos momentos de lazer dos pais. Ou enclausurar os pais.

Com o Pedro bebê, as primeiras idas a restaurantes tinham um gosto de retorno à normalidade. Um passeio pelo mundo pré-troca de fraldas e mamadas noturnas, cercada por adultos que pareciam estar se divertindo com algo além de gracinhas de neném. Aos poucos, percebi outros benefícios em levá-lo a esse “programa de gente grande”: aprender a se comportar em público, experimentar sabores diferentes dos caseiros, passar mais tempo comigo.

Existem saias-justas? Existem. Existem pais sem noção que deixam crianças andarem sobre as cabeças dos vizinhos de mesa? Existem. Existem vizinhos de mesa que se crispam de irritação porque o bebê fez “a”? Existem também. Meu filho sempre age como um príncipe? Não, nem os príncipes.

(Mês de julho, recebo o jornal cheio de sugestões de atividades para as férias: programas de criança, música de criança, comida de criança. Legal. Quanta opção. Mas que tal se o mundo girasse um tiquinho menos em torno da ala infantil da família?)

Pedro viajou comigo para a Europa quando tinha 8 meses. Juntamos um compromisso profissional com alguns dias de férias. Lembro da tensão pré-viagem. Vamos sobreviver ao confinamento de horas de avião? E os outros passageiros? Será que ele vai encarar a comida gringa? Doutor, esses 50 remédios são suficientes para a bagagem de mão? Faz sentido levar um bebê? E deixá-lo no Brasil? Vou conseguir aproveitar algo da viagem? E ele?

Conseguimos. O voo foi tranquilo, dentro das possibilidades da classe econômica: ele mamou ou dormiu o tempo todo. Depois, em terra, curtiu o grude da mãe, do pai, da avó. E adorou os restaurantes. Neles fez amizades, distribuiu sorrisos, descobriu que chupar pão era uma das melhores coisas do mundo. Por causa da diferença de fuso horário, aproveitou sem cansaço a noite de Barcelona. Provou um monte de coisas, de frutas do mercado La Boqueria a papinhas industriais francesas e espanholas servidas em temperatura ambiente (era o ideal? Não, mas às vezes era o que tinha).

Voltamos ao Brasil com mais segurança para carregá-lo pendurado no sling para cima e para baixo. E desenvolvemos estratégias para tornar as idas a restaurantes mais gostosas para todos. Cinco anos se passaram, e compartilho a seguir um pouco do que aprendi nesse período. É algo pessoal, funcionou na minha família, mas quem sabe ajuda alguém.

  1. Evite lugares silenciosos
    Não estou dizendo para carregar recém-nascido a show de rock. Mas percebi que meu bebê curtia lugares razoavelmente caóticos: parecia se entreter com isso e ficava mais calmo, observando tudo. O principal, no entanto, é que pode dar nos nervos (e não só nos seus) levar uma criança sem pleno controle das cordas vocais a um ambiente onde só se ouvem leves murmúrios e o tilintar das taças. Deixe esse tipo de lugar para um jantar a dois.
  2. Analise louças, copos e talheres
    Se o restaurante só tem taça de cristal e faca pontuda, ele só está preparado para (e provavelmente só quer) receber adultos. Não volte com o pequeno antes que ela saiba manejar esses utensílios.
  3. Tenha uma cadeirinha portátil
    Se o lugar não tem cadeira infantil, pode ser que não queira receber criança, mas pode ser também que não tenha se preocupado com isso. Existem ainda as cadeirinhas inadequadas para a idade do seu filho. Se você levar sua própria cadeirinha, daquelas que se acoplam à mesa ou à cadeira, vai ampliar bastante o leque de opções para comer com ele.
  4. Respeite o prazo de validade da criança
    Antes de ser mãe, eu até gostava de algumas esperas, com um drinque na mão e tempo para conversar. Com filho, filas longas e pratos demorados se tornaram um perigoso desperdício da paciência dele.
  5. Escolha um lugar com boa rota de fuga
    Principalmente com os bebês, às vezes não tem jeito: eles vão perder a paciência. Melhor dar uma volta (melhor se houver um jardim), acalmar os ânimos e só depois retornar à mesa.
  6. Leve distrações
    Não estou falando de tablet ou celular, que transportam a criança para um lugar distante da mesa. Mas brinquedinhos e livros de atividades ajudam a passar o tempo.
  7. Ou invente distrações
    Meu jogo de mesa favorito, que não requer nenhum material: você consegue encontrar… E digo alguma coisa que está à vista na decoração, como uma flor amarela ou um desenho de urso. Depois é a vez dele. Ah, também vale conversar. E comer!
  8. Não adiante a refeição em casa
    Dar comida para a criança depois levá-la ao restaurante vai deixá-la entediada. Você não ficaria? Se ela ainda não pode comer o que está no cardápio, prepare uma marmita com a papinha. Mas lembre-se de que levá-la com fome também vai deixá-la mal-humorada  —- um lanchinho antes ajuda.
  9. Ignore os pratos infantis
    Geralmente eles são monótonos, poucos saudáveis e não têm nada a ver com o resto do cardápio. No restaurante, o entretenimento principal é a comida, e a criança pode ser envolvida nisso. De preferência, dividam pratos normais do cardápio. É um estímulo para provar novos sabores e costuma ser uma opção mais econômica para pequenos estômagos — hoje, com meu filho de 5 anos, muitas vezes preciso pedir (e dividir) uma entrada antes.

Pedro e eu (O Caderno de Receitas)
Eu e o Pedro no Suri Ceviche & Bar, em foto da cunhada Simone Pimentel

Para levar ao restaurante:

Biscoito de gengibre – a receita que meu filho mais gosta de fazer

Desenho de biscoito de gengibre

Quando a professora perguntou o que ele gostaria de saber fazer, meu filho respondeu: pilotar avião. Quando perguntou o que ele já sabia fazer, veio o desenho acima: biscoito de gengibre. Com formato de dinossauro.

Já publiquei a receita aqui, mas resolvi repetir. Porque fiquei tocada por meu filho ter escolhido, entre tantas habilidades que já tem, uma atividade tão nossa. Nos desenhos expostos na parede da escola, o resultado do ato de quebrar um ovo, misturar ingredientes, vê-los se transformar em algo diferente e delicioso. E nossas bagunças na cozinha equiparadas a seu futuro como piloto de avião –  uma carreira que, já fui informada por ele, é apenas uma preparação para a missão posterior, no comando de um foguete. “Lá no espaço vou sentir saudade de você, mamãe”.

Às vezes dá preguiça de pensar na farinha, na massa, no chocolate ou no ovo que, já sei, vai transbordar da bancada de trabalho, mas o prazer de cozinhar com ele sempre compensa (exceto, talvez, no dia em que uma torta inteira se espatifou no chão).  E esta é uma receita perfeita para fazer com crianças: simples, gostosa, com a atração extra de poder ser moldada em formatos diversos, dependendo do cortador de biscoito. Embora homenzinho, lua e estrela façam sucesso por aqui, nosso favorito é o de dinossauro. Depois me conte qual é o seu.

Biscoitos de gengibre

Ingredientes
110 gramas (1/2 xícara) de manteiga sem sal, mais um pouco para untar
350 gramas de farinha de trigo, mais um pouco para polvilhar
1 colher de chá de bicarbonato de sódio
1 colher de chá de gengibre em pó
150 gramas (1 xícara) de açúcar mascavo
2 colheres de sopa de mel
1 ovo batido
Decoração (opcional)
1 clara de ovo
250 gramas de açúcar de confeiteiro
Gotas de limão
Corantes comestíveis naturais de clorofila e urucum

Modo de preparo
Misture a manteiga, a farinha, o bicarbonato e o gengibre até fazer uma farofa.

Adicione o açúcar, o mel e o ovo e misture mais. Se a massa ficar grudenta demais para moldar, acrescente mais farinha.

Em uma superfície enfarinhada, estenda a massa com um rolo até deixá-la com uns dois milímetros de espessura. Use cortadores para dar formato aos biscoitos.

Coloque os biscoitos em assadeiras untadas, deixando espaço entre eles. Leve ao forno a 180ºC por cerca de 10 minutos, até ficarem dourados.

Para decorar, faça um glacê: bata a clara com um pouco do açúcar, em seguida junte o resto do açúcar e o limão e bata  mais até ficar firme. Separe em duas porções e pingue os corantes comestíveis. Aplique com bisnaga ou saco de confeitar.

 

Para cozinhar mais: