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Geleia de casca de mexerica — memórias saborosas de uma viagem a Tiradentes

Geleia de mexerica e broa de fubá da pousada Armazém 26

Eu já tinha gostado da geleia de mexerica, mas caí de amores mesmo quando soube de quem era a receita: vovó Maricota. Não, não a conheci. Mas não consigo pensar em um nome melhor para uma avó mineira fazedora de quitutes. De repente todas as histórias que a neta Laura estava ali me contando faziam mais sentido. Não eram só lembranças de uma avó docinha, que preparava bolos sempre que recebia as cinco netas em sua casa em São João del Rei. Era a vovó Maricota.

Maria Aparecida Lordello Teixeira, a Maricota (foto abaixo), teve sete filhas e dois filhos. Então enviuvou. Morreu quatro décadas depois, aos 92 anos, não sem antes ter ensinado a receita de geleia de casca de mexerica para a filha Maria Inez. Esta, por sua vez, a passou para Laura, uma das três irmãs à frente de uma nova pousada cheia de história em Tiradentes. Laura a passou para mim, e eu logo mais a passo para vocês.

Maria Aparecida Lordello Teixeira, a Maricota

Tive a sorte de tomar um café da manhã lá, no Armazém 26, e provar a geleia, o pão de queijo, a broinha moldada na xícara (a massa é girada dentro do utensílio com fubá para ganhar o formato arredondado). Faltou experimentar a coalhada e o bolo de banana.

Mas não comi apenas. Também fiquei sabendo que boa parte da decoração do casarão colonial reformado vem de uma antiga tecelagem da família — das portas de ferro que viraram um painel na recepção ao pé de máquina transformado em mesa de café da manhã.

No saguão, há um cantinho reservado para contar, em fotos e documentos, a história do antepassado italiano fundador de uma fábrica têxtil que sobreviveu a décadas mas não à concorrência dos produtos chineses. Outra herança, a antiga cadeira de um avô dentista, ganhou uma cúpula e se tornou uma grande luminária articulada.

Laura Teixeira Lombardi, da pousada Armazém 26, de Tiradentes

Já na grande cozinha azulejada, com direito a fogão a gás imitando fogão à lenha, a homenageada é mesmo vovó Maricota. “Ela ensinou tudo para mim”, diz Laura (foto acima), a irmã encarregada da cozinha da pousada. Um partezinha desse tudo, a geleia de mexerica, ela compartilhou com a gente na receita a seguir.

Receita

Ingredientes

Mexericas
Açúcar
Suco de limão

Modo de preparo

  1. Lave as mexericas e tire as cascas.
  2. Deixe as cascas de molho em água fria em um recipiente de vidro cobertas com um pano. O pano cobre as cascas sobre a água (ele encosta na água).
  3. Troque a água duas vezes ao dia e lave o pano sempre que a água for trocada. Repita o processo durante cinco dias ou até que a água saia límpida, sem sumo.
  4. Aperte as cascas para tirar a água e bata-as no liquidificador.
  5. Pese a massa de casca de mexerica em uma vasilha. Adicione açúcar cristal em uma quantidade equivalente a 2/3 do total da massa (por exemplo: para 600 gramas de massa, use 400 gramas de açúcar).
  6. Leve ao fogo e mexa até o fundo da panela aparecer quando a colher for passada (lembre que quando esfria ela endurece mais).
  7. Coloque uma colher de suco de limão e mexa.
  8. Espere esfriar e guarde em potes. Pode ser congelada.

fogão da pousada Armazém 26

Para cozinhar mais:

Livro Cozinha de Vó – Histórias e receitas que trazem de volta o sabor da cozinha afetiva

Capa do Livro Cozinha de Vó - Mariana Weber - Superinteressante

Gostosuras do Natal na Alemanha

Mercado de natal em Nuremberg
Mercado de Natal em Nuremberg (foto: Franz_Walter / divulgação)

Estive na Alemanha recentemente para apurar reportagens sobre cerveja, vinho e outros assuntos da boa vida. Vou contar sobre a viagem em uma série de posts com dicas de roteiros e receitas. Começo falando de Natal porque, bom, ele está logo aí e várias cidades alemãs são famosas pela comemoração. Mas o principal é que fiquei morrendo de vontade de voltar ao país com o meu filho nessa época. Apesar do frio.

Na verdade, a Alemanha me pareceu um destino incrível para ir com crianças em qualquer mês (exceto janeiro, quando muita coisa fecha). Atrai pela vida ao ar livre em parques e praças (no frio, com meninos e meninas parecendo bonequinhos Michelin de tão agasalhados), pelas fantásticas lojas de brinquedos em que só a consciência cambial nos impede de levar tudo, pelas comidinhas tentadoras em embalagens caprichadas, pelos bonecos Playmobil que representam personagens de cada cidade, pelo transporte fácil de trem. Em dezembro, você soma a isso mercados natalinos com séculos de história, guloseimas típicas e decorações que se adaptam bem melhor ao clima e à arquitetura germânicos do que ao verão tropicaliente brasileiro.

Em outubro, quando estive lá, Nuremberg começava a se preparar para a festa. Minha primeira refeição foi na rua, aproveitando que a cidade tem muitos quiosques e barracas de comida. De “prato principal”, sanduíche de Nürnberger bratwurst (salsichas bem temperadas e com o tamanho de dedos); de sobremesa, lebkuchen, uma espécie de pão de mel aromático típico da localidade e especialmente desse período do ano. A receita do doce tem seis séculos — data da época em que Nuremberg era um importante entreposto nas rotas de especiarias. Falando em rotas, um bom passatempo é se entregar a uma caça ao melhor lebkuchen, vendido em confeitarias e quiosques na rua. Meu favorito foi o da Schmidt, de interior úmido e meio puxa-puxa, mas trouxe para o Brasil outro, da Geschenke, porque gostei da caixa com desenho de Papai Noel (sim, sou dessas).

Sanduíche de salsicha nuremberg
3 im weggla: um pão e 3 salsichas

Lebkuchen, o pão de mel típico do Natal em NurembergLebkuchen, o pão de mel típico do Natal em Nuremberg

Lebkuchen no mercado em Nuremberg
Que caixinha escolher?

Mercado de Nuremberg
O mercado de Nuremberg onde acontece a feira de Natal

O mercado onde acontece a feira de Natal de Nuremberg
Detalhe do mercado de Nuremberg

Comprei a caixinha bonita no Hauptmarkt, praça que abriga uma tentadora feira diária e em dezembro recebe os estandes do Chriskindlesmarkt. Nesse mercado natalino que existe desde a Idade Média, cerca de 200 estandes vendem de bolas de Natal a zwetschgenmännle (bonequinhos feitos de passas). Árvores de plástico são proibidas, assim como eletrônicos. Para comer e beber, há muito lebkuchen, muito 3 im weggla (pão com três salsichas), muito vinho quente. E haja vinho quente para bater o frio — em dezembro, a temperatura média é 0 ºC. Se a comilança e a bateção de pernas cansarem, faça uma pausa no Museu do Brinquedo, ali pertinho, com uma coleção tão bacana que desperta uma vontade de ter nascido em outros tempos só para brincar com aqueles carrinhos e casinhas de boneca ultrarrealistas.

Mercados natalinos acontecem em várias cidades alemãs. O principal de Munique ocupa a Marienplatz, com uma grande árvore enfeitada e concertos musicais todo fim de tarde. Há versões menores em bairros (uma delas no parque Englischer Garten) e no aeroporto (com direito a pista de patinação no gelo), e uma versão LGBT. Também é famoso o mercado especializado em presépios. Para comprar um presente, a Kunst und Spiel tem brinquedos de madeira e tecido que são a coisa mais linda — de lá, meu filho ganhou um duende barbudo que mora dentro de uma maçã de feltro.

Alemanha - natal em Munique
Estande de delícias em Munique (foto: divulgação)

Dresden, que anuncia sediar o mercado natalino mais antigo do país, em sua 581ª edição, promove também um de inspiração medieval, com comida, jogos, gente fantasiada e artigos artesanais que remetem à Idade Média. Hamburgo, veja só, abriga um mercado só para maiores, com striptease de anjos. Em Bamberg, que tem seu mercado natalino e presépios, achei uma loja de acessórios para biscoitos e comprei moldes com estampas de floco e boneco de neve, boneco de gengibre e pinheiro.

Rüdesheim an Rhein, na beira do Reno, também prepara uma feira de Natal, além de ter aberta o ano todo uma loja Käthe Wohlfahrt, cheia de bonecos quebra-nozes de madeira e carrosséis em miniatura que fazem os brasileiros lamentarem a relação euro/real. Nessa loja, olhei, olhei, depois olhei de novo e só comprei um pequeno globo com um Papai Noel dentro (daqueles que você sacode para fazer nevar). Tão bonitinho, tão delicado. Pena que se espatifou e quase cortou a mão do meu filho, que caiu com o enfeite na mão.

Produtos natalinos da loja loja Käthe Wohlfahrt em Rüdesheim an Rhein, na Alemanha
Produtos da loja Käthe Wohlfahrt, aberta o ano todo

Quebra-nozes da loja loja Käthe Wohlfahrt em Rüdesheim an Rhein, na Alemanha
Os quebra-nozes

Voltando às coisas boas, mas muito boas mesmo. Em Rüdesheim, senti um gostinho do melhor do Natal, aquele que acontece dentro de casa, com quem a gente ama. Faz parte da tradição alemã preparar biscoitos natalinos. Anke Haub, funcionária do turismo local, pegou alguns dos que ela tinha assado para a família, guardou em uma lata do Mickey em forma de coração e me deu. Coloquei na mala e trouxe para o meu filho, de quem eu já estava morrendo de saudade. (A receita do biscoito está no post seguinte.)

Biscoitos caseiros alemãesBiscoitinhos caseiros de Natal

(A viagem teve o apoio do Centro de Turismo Alemão – DZT.)

Sopa de canederli: bolinhas de pão e salame em caldo fumegante

Sopa de canederli: receita do restaurante Pignatellla, de Bento Gonçalves

Sopa de canederli é daquelas comidas com jeito caseiro, de avó que faz coisa boa com os ingredientes simples que encontra em casa. Gloria Gelenski Menoncin, do restaurante Pignattela, de Bento Gonçalves (RS), conta que essa e outras preparações foram pesquisadas entre as avós de origem tirolesa (do norte da Itália) que vivem nos arredores.

Visitei o restaurante recentemente  e consegui com Gloria a receita dessas bolinhas de pão e salame servidas boiando em um caldo de carne e legumes. Ela conta que tritura o miolo de pão colonial no processador, mas que originalmente ele era esmigalhado com uma garrafa usada como um rolo de macarrão.

(Se tiver a oportunidade de passar pelo Pignattela, repare no quadro que exibe receitas deixadas por clientes de todo o Brasil; eu coloquei lá uma de biscoitos de castanha-do-pará).

Ingredientes
Miolo de 1 pão caseiro envelhecido
100 gramas de salame fresco ou linguiça de porco
Salsinha
½ xícara (café) de queijo ralado
Leite
Caldo de carne e legumes

Modo de preparo
Passe o miolo de pão no processador. Misture com o salame e a salsinha picados, o queijo ralado e leite até dar liga para enrolar bolinhas. Coloque essas bolinhas no caldo fervente e cozinhe até que elas subam à superfície. Sirva bem quente.

Gloria Gelenski Menoncin e o "caderno" em que coleta receitas dos clientes do Pignatella