Categoria: Histórias e receitas

Histórias e receitas: da minha família ou da sua, de chefs de cozinha, de cozinheiros amadores e de todo mundo que tem uma boa lembrança de comida.

Arroz-doce com gostinho de comida da tia

10250045_867522929954964_8173489187016774162_nHoje a receita não é da minha família, mas das heranças culinárias recebidas por um amigo, o fotógrafo Leo Feltran, e repassadas para a filha dele, Anita. Autor de imagens de pratos apetitosos e pai de uma menina de 3 anos, ele cozinha para ela delícias como este arroz-doce em cinco versões. Segundo Leo, é um “doce com gostinho de tia Antonia”, a tia que o criou e lhe deixou um caderno de receitas e dicas saudosas (como “o sal é o tempero do açúcar”).

A seguir, a preparação e os conselhos compartilhados por ele.

Tesouros da tia Antonia. Segundo ela, “o sal é o tempero do açúcar” (foto: Leo Feltran)
Tesouros da tia Antonia. Segundo ela, “o sal é o tempero do açúcar” (foto: Leo Feltran)

Ingredientes
2 xícaras de arroz orgânico
Água
2 gemas
1 caixinha de leite condensado
Leite, o quanto baste
Canela em pau
Cravos
Açúcar
Opcional: canela em pó, chocolate amargo, Ovomaltine, Nescau

Modo de preparo
“Coloquei o arroz com água na panela e cozinhei, pondo mais água quente aos poucos e mexendo sempre.

Coloquei uma pitada de sal. Minha tia dizia que o sal é o tempero do açúcar.

Depois de cozido o arroz, coloquei duas gemas e mexi bem rápido para se integrarem.

Mexendo sempre, para não grudar, coloquei o leite condensado, uma canela em pau e 4 cravos. Fui acrescentando leite, frio mesmo, até ficar cremoso. O arroz tem que ficar bem úmido, porque depois que esfria ele seca mais.

Segredo da cozinha: prove sempre, toda hora. Coloquei mais umas 4 ou 5 colheres de açúcar.

Por último, na hora de servir, salpiquei os outros temperos (canela em pó, chocolate amargo, Ovomaltine e Nescau. Para a Anita provar, deixei também um puro.”

 

 

Coquetéis e Sinatra

Este é meu: drink Soulless Gentleman, com whiskey Gentleman Jack, maple syrup, limão siciliano, bitter e tintura de chá Lapsang Souchong
Este é meu: drink Soulless Gentleman, que leva whiskey Gentleman Jack, maple syrup, limão siciliano, bitter Truth Peach Bitters e tintura de chá Lapsang Souchong

Na minha lembrança, coisas extraordinárias acontecem no hotel Maksoud Plaza. Criança, eu perdia o fôlego diante daquele lobby infinito, com um elevador panorâmico que me levava a um nível de empolgação ao qual hoje vista nenhuma é capaz de me alçar. Anos mais tarde, repórter em começo de carreira, fui enviada lá para uma entrevista coletiva com uma dupla sertaneja, errei de porta e me surpreendi ao encontrar o ator Christopher Lambert, o eterno “Highlander”, que promovia um filme em São Paulo. Outros tantos anos se passaram e, em um fim de tarde entendiado, eu e meu marido resolvemos tomar um drink no hotel. Ingressamos em um túnel do tempo acarpetado e solitário — na ocasião, éramos os únicos clientes do bar. Foi divertido, mas minhas memórias (e as da cidade) mereciam mais.

Agora o bar do saguão do hotel ganha uma nova chance (assim como o topo do prédio, que desde janeiro abriga a balada PanAm). Para começar, muda de nome: de Batidas & Petiscos para Frank. É uma homenagem a Frank Sinatra, que se apresentou no teatro do Maksoud em 1981, em quatro shows para 700 pessoas precedidos por jantares — o cardápio, segundo a Folha de S.Paulo, listava “lagosta cozida com pouco sal; fundo de alcachofra com creme sofisticadamente rosado e gostoso; filé mignon com molho repleto de azeitonas sem caroço e alguns cogumelos; doce recheado de chantilly (tipo mil folhas)”. Outros tempos.

Inaugurado no fim de abril, o novo Frank conta com um nome de peso da coquetelaria em São Paulo: o premiado Spencer Jr., ex-Isola e MyNY. Conhecido por seu negroni envelhecido em barril de bálsamo, o bartender serve clássicos e criações próprias (entre elas, versões de martínis e o Soulless Gentleman: whiskey Gentleman Jack, maple syrup, limão siciliano, bitter e tintura de chá Lapsang Souchong). A conferir na próxima happy hour.

Serviço: o Frank Bar fica aberto todos os dias, das 18h às 2h, no lobby do Maksoud Plaza (alameda Campinas, 150, São Paulo – SP).

Publiquei este texto originalmente na coluna O Caderno de Receitas da revista L’Officiel Brasil. Em tempo: os coquetéis também podem ser engarrafados para viagem.

Bacalhau para a semana toda

Bacalhau espiritual: esse prato português é divino e rende um bocado
Bacalhau espiritual: esse prato português é divino e rende um bocado

Casa com pouca gente tem dessas coisas. Você pega uma receita, divide pela metade e mesmo assim faz mais do que precisava. Quando a comida é do tipo que perde muito quando requentada, dá uma pena danada. Outras, dá uma felicidade, porque isso significa repetir aquela refeição gostosa uma vez, duas vezes, três vezes…

Foi, ou melhor, tem sido assim com o bacalhau espiritual que preparei na sexta à noite. Já alegrou três refeições, acompanhado de batatas assadas, espinafre refogado e tomate. Agora vai para o congelador até ser requisitado novamente – certamente será.

Tirei a receita do caderno da minha mãe, e, segundo ela, minha avó também costumava fazê-la. No livro “As Minhas Receitas de Bacalhau”, o chef português Vítor Sobral conta que o bacalhau espiritual, inspirado no prato francês brandade de morue, surgiu em 1947, no Cozinha Velha, restaurante de luxo instalado no Palácio Nacional de Queluz

A preparação não tem muito erro, só dá um certo trabalho cortar fininho as cenouras e desfiar o bacalhau. Para facilitar, você pode ralar a cenoura ou usar um processador. Outra opção é encarar a tarefa como terapia relaxante. Não tem um monte de gente pagando para esquecer da vida enquanto pinta livros de colorir?

Teste número 35
Receita:
bacalhau espiritual.
Fonte: caderno de receitas da minha mãe.
Grau de dificuldade: médio (mas você pode usar atalhos, como um processador, para ficar fácil).
Resultado:
 gostoso, gordo e reconfortante.

Bacalhau espiritual

Ingredientes*
750 gramas de cebola
750 gramas de cenoura
350 gramas de miolo de pão de forma
250 ml de leite
1 quilo de bacalhau (comprei o já dessalgado, congelado)
200 ml de azeite
Sal
Pimenta-do-reino
Noz-moscada
250 ml de creme de leite
100 gramas de queijo parmesão ralado (ou outro queijo duro. Eu tinha um português)
*Usei metade de tudo

Modo de preparo
Fatiei a cebola em rodelas finas e cortei as cenouras em tiras. Embebi o miolo de pão no leite. Cozinhei o bacalhau, já descongelado, por 10 minutos em água fervente. Depois, esperei esfriar um pouco e o desfiei, aproveitando para tirar os espinhos.

Dourei a cebola no azeite até deixá-la transparente. Acrescentei a cenoura e refoguei um pouco mais, depois juntei o miolo de pão (com o leite). Mexi bem. Adicionei o bacalhau e os temperos (sal, pimenta e noz-moscada) e mexi mais.

Coloquei essa massa em um pirex, junto com creme de leite, e misturei. Deixei no forno médio até o creme ferver, alguns minutos depois. Então retirei, joguei por cima o queijo ralado e coloquei de volta no forno por mais dez minutos para gratinar (usei a santa função grill, que facilita o trabalho de dourar, mas minha mãe cozinhava sem esse recurso e também ficava bom).

Jantar de mãe: frango assado com linguiça, batata e mandioquinha

Receita de frango assado com linguiça, mandioquinha e batata (O Caderno de Receitas)

Hoje publico mais uma receita que não está no caderno de receitas, mas na memória da minha mãe (e dos filhos). É uma preparação generosa, em que os ingredientes em pedaços emprestam sabor uns aos outros sem perder as características próprias.

Vale como prato único, mas da última vez em que fez para a família, durante uma temporada que passei em Vitória, minha mãe serviu o frango acompanhado de pimentão tostado, por sugestão do livro Nigellíssima, da Nigella Lawson. Outra novidade que veio da cozinheira britânica foi a adição de raspas de limão-siciliano.

Na verdade, a composição pode variar de acordo com o que está disponível em casa ou no mercado. Desta vez, além de frango, entraram na receita dois tipos de linguiça, mandioquinha e batata, mas minha mãe já a fez com mandioca e mandioquinha e com cenoura e batata.

Ingredientes
Sobrecoxa de frango com osso e pele
Linguiça
Mandioquinha
Batata
Alho
Cebola roxa
Azeite
Sal
Alecrim
Limão-siciliano
Pimenta-do-reino

Modo de preparo
Minha mãe distribuiu em um tabuleiro os pedaços de frango, linguiça, mandioquinha, batata, cebola e alho, depois temperou tudo com azeite (bastante), sal, alecrim e raspas da casca de um limão. Não usou pimenta porque o netinho pequeno participaria da refeição — o pimenteiro foi para a mesa

Levou tudo ao forno médio. Quando percebeu que o frango já estava cozido mas as batatas não, retirou a ave do tabuleiro, reservando-a (se os pedaços de batatas fosse menores, elas teriam assado mais rápido). Aproveitou essa pausa para mexer os itens restantes e voltou o tabuleiro ao forno. No fim, juntou novamente os pedaços de frango aos demais ingredientes.

Veja também: as lentilhas da minha mãe


Para cozinhar mais:

Receita da chef Paola Carosella: ameixas tostadas com amaretto e baunilha

Paola recomenda fazer as ameixas "com cariño e boas intenções" (foto: divulgação / Jason Lowe)

Escrevi um perfil da chef argentina Paola Carosella para a edição de maio da revista L’Officiel. A entrevista aconteceu durante um almoço no café La Guapa da Livraria da Vila do bairro paulistano dos Jardins, e a conversa estava tão boa quanto as empanadas acompanhadas de salada e suco de hibisco.

Falamos de ingredientes frescos, viagens, ser jurada do reality show gastronômico MasterChef, lembranças de infância. Criança, Paola passava muito tempo com os avós, agricultores que se mudaram da Itália para a Argentina e plantavam, criavam animais e cozinhavam muito na periferia de Buenos Aires. “Na minha casa tinha coelho, porco, galinha, tomate, uva…”, lembra a chef. “Meu avô fazia azeite de oliva e vinho, que era horrível, e pescava, então tinha muito bicho o tempo inteiro.”

Era um estilo de vida muito diferente do que Paola leva hoje em São Paulo, se dividindo entre ser mãe e tocar um restaurante e dois cafés, além de projetos como o MasterChef e aulas de culinária. Para aumentar o contorcionismo no dia a dia, ela namora um fotógrafo inglês que mora em Londres, autor das imagens que ilustram a matéria da L’Officiel.

Mesmo em meio a essa correria, ela separou para a reportagem uma receita apetitosa como os assuntos de que tratamos. É a preparação desse prato que eu compartilho aqui, e destaco a recomendação da chef: deve ser feito “com cariño e boas intenções”.

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Ameixas tostadas com amaretto e baunilha

Ingredientes
400 g de ameixas frescas
1 fava de baunilha
3 colheres de sopa de açúcar mascavo
3 colheres de sopa de licor amaretto (ou suco de laranja se não quiser usar álcool)

Para servir
Creme de leite fresco batido sem açúcar ou iogurte grego ou sorvete de baunilha

Modo de preparo
Pré-aqueça o forno a 180 graus.

Lave e seque as ameixas.

Corte-as no meio (pode deixar o caroço que não sair facilmente).

Aqueça por 5 minutos uma travessa de louça ou vidro ou ferro dentro do forno.

Abra a fava de baunilha no centro, retire as sementes e coloque-as dentro de uma bacia junto com o açúcar e o amaretto.

Misture bem e coloque a fava aberta junto.

Acrescente as ameixas e misture com as mãos por um minuto com cariño e boas intenções. Coloque na forma pré-aquecida.

Leve ao forno por 10 minutos.

Retire e coloque num prato bonito as ameixas e tente resgatar a maior parte do suco que soltaram. Regue as ameixas com essa calda.

Ofereça o creme chantilly ou iogurte ou sorvete à parte. Pode acompanhar amêndoas torradas.

Rendimento: 4 porções.

(Fotos: divulgação / Jason Lowe)


Para cozinhar mais: